Hitman Freelancer: O Xadrez IO Interactive Subiu De Tom

Por: Francisco Isaac

O alvo está a meio de um corredor a dedilhar no telemóvel. Observo-o de um lugar seguro sem comprometer a posição que conquistei ao ludibriar dois guardas, um banqueiro e um carteiro, tendo colocando, pelo meio, dois disfarces e atirado uma banana para distrair uma das minhas vítimas (calma, está fechado só dentro de um armário, a descansar os olhos). Esta é a receita comum dos jogos de Hitman, com a última sequela, intitulada de III, a ter proporcionado uma experiência quase única no papel do Agente 47.

Contudo, para quem se aventurou nesta viagem de contratos de inteligência e de assassinatos silenciosos, e outros tanto mais ruidosos que um concerto de Slipknot, quando a “história” ficou encerrada, o jogo praticamente faz uma vénia e abandona o palanque. Sim, existiam os contratos livres, desafios propostos por outros jogadores, e mais um par de missões avulso, mas a experiência Hitman III parecia ter tocado a sua última ária.

Pessoalmente, dediquei 70 horas a esta experiência da IO Interactive para atingir um patamar alto de qualidade em termos de execução das missões, de conseguir fazer desaparecer potenciais alvos sem que ninguém notasse, cumprir objectivos num par de segundos, ou criar um dominó humano extrema e desnecessariamente complicado (mas que valeu sempre a pena), atingindo a extensão máxima daquilo que Hitman III poderia-me oferecer.

Preâmbulo composto, e agora vem o que interessa… o retorno à terra de 47 e à experiência de Hitman III, mas com outras tonalidades e um desafio enervante, que acabou por me empurrar novamente na sua direcção como que se tratasse de um buraco negro com um código de barras tatuado neste corpo espacial. Estou a falar do modo Freelancer, que saiu no dia 26 de Janeiro, e que desde então tem merecido a minha total atenção, paixão, raiva e ousadia.

Pergunta de quem está a ler: o que realmente muda? Em termos de jogabilidade? Nada. De mapas? Também não. De plot e storyline? Igualmente um negativo. Então o que muda? A emoção de experienciar desafios completamente renovados, de uma dificuldade atroz por vezes, e que provocam o jogador a querer diversificar a sua forma de abordar um ou diversos alvos, de procurar padrões, de perceber como se mexe o xadrez tão bem articulado e montado pela IO Interactive… de querer ser melhor.

Neste Freelancer, o utilizador é atirado para dentro de uma safe house, recebendo oito pastas de potenciais ramos do Sindicato, a organização responsável por todos os males, tendo de escolher uma para iniciar tudo. Para completar o modo, é preciso terminar com sucesso quatro campanhas, sendo que o objectivo é liquidar com o líder de cada ramo.

Quatro factores/elementos alteram ou forçam uma mudança na forma como um Hitman lover se debruça sobre este novo modo:

  • Gravar/carregar ou recomeçar não existe neste universo. Ou faz-se bem, ou… não se faz. Se o utilizador for capturado ou morto, falha a missão e 25% a 50% da campanha fica manchada. Se acontecer algum destes cenários na missão final, então a campanha faz um hard reset e volta tudo ao ponto zero, mesmo que isto aconteça já na quarta, e última, campanha. Ah, e quando dizemos hard reset é praticamente perder todos os acessórios desbloqueadores de situações, à excepção das armas de fogo que ficaram em “casa”;
  • O jogo oferece experiência e créditos, com o primeiro a servir para desbloquear espaços do safe house do Agente 47 (quando acabei de compor este texto já tinha o ginásio praticamente aberto), enquanto o segundo permite adquirir mais armas e ferramentas junto dos dealers que surgem nas missões a prestar apoio. Em todas as missões e campanhas surgem bónus opcionais que podem ou não ser seguidos, não sendo decisivos para o sucesso final;
  • O equipamento que trazes contigo, desde do pé-de-cabra à pistola com silenciador como a Krugermeier 2-2, vai e… pode não voltar. Isto significa que no caso de seres capturado, esconderes o equipamento num caixote de lixo, ou de o perderes por acaso, ficas sem esse item em definitivo até o adquirires outra vez. Não há reabastecimentos de venenos (à excepção de que se pescares na tua safe house, podes ter sorte em apanhar um peixe-balão e criar um tipo de veneno), não há um chave-de-fendas suplente, etc. O que é perdido, não será achado até comprares novamente;
  • Na missão final de cada uma das quatro campanhas, é preciso ter paciência e descobrir o líder através de informações ofertadas pela nossa handler. Exemplo: o teu alvo tem brincos, usa um chapéu, tem cabelo negro, gosta de comer e ler. Ok, óptimas informações, e agora? Agora tens 4 ou 6 potenciais alvos e é preciso observá-los atentamente até descobrir o verdadeiro líder. Uma espécie de “Quem é Quem”, mas em versão digital e com… nuances criminosas. Atenção, o líder ou suspeitos podem ter assassinos ou vigias em seu redor, aumentando a dificuldade desta missão final de campanha (os enforcers são fáceis de localizar, já os vigias é preciso ter um pouco mais de cuidado);

A combinação destas novidades resumem a experiência nesta expressão: “todo o cuidado é pouco”. O modo Freelancer é de menos de velocidade e invenções artísticas na hora de aniquilar um alvo (também as há, mas com outra dose de “pimenta”), e de mais de cálculo frio, de análise constante, de medição de todas as acções, de estudo não só dos movimentos do potencial target como dos NPC’s que andam em seu redor, podendo se dar mudanças drásticas na maneira como estes se mexem caso algo se altere.

O xadrez 3-D instituído nesta trilogia sofre, deste modo, um abanão interactivo e pulsado por uma genialidade única, que pede ao jogador para não só se adaptar, como desenvolver outras artimanhas e conhecimentos, indo mais a fundo nesta loucura que é Hitman III.

Não sendo um jogo “novo”, até porque Hitman III saiu em 2022, esta entrada da IOI Interactive assemelha-se, bastante, com o género de roguelike, sem sê-lo… como é possível este paradoxo? Bem, vamos lá e preparem-se para vários “apesar” – a gerência pede perdão por tal.

Temos uma espécie de permadeath (se morreres na campanha, recomeça tudo do zero, apesar da tua safe house mantiver tudo o que desbloqueaste até então), que vai suscitar do utilizador vontade para melhorar e tentar ir mais longe na nova “vida”. Os níveis estão praticamente desenhados da mesma forma, apesar de agora termos a inclusão de caixas de apoio (contêm três itens, mas só podes escolher um), dealers, couriers, assassinos, vigias e os tais alvos, o que são adições decisivas para sentirmos que um determinado mapa mudou… bem, em algumas missões as câmaras de vigilância mudaram de lugar ou foram adicionadas, acrescentando uma dose de dificuldade acrescida. As pastas e os alvos são aleatórios, existindo sempre uma dose de novidade e vontade de voltar a iniciar uma nova campanha, indo muito para além do só “desbloquear aéreas da safe house”, o que é uma assinatura de brilhantismo por parte dos criadores.

Portanto, há bases ou ideias que parecem estar em comunhão total com a versão moderna do roguelike, fugindo em outros pontos de modo a construir quase um modo novo, rico, e intrinsecamente apaixonante… ou seja: é um abanão interactivo delicioso.

Falhar é uma norma, e que possivelmente estará presente nas primeiras horas deste modo… comigo requereu oito horas de tentativas falhadas, de chegar à segunda campanha coxo, perdido, desamparado e a proferir insultos à minha pessoa e ao videojogo por não estarmos em sincronia. A frustração acabará por dar lugar a um “Ahhhhhh”, passando do processo de aprendizagem forçada para de deleite semiprofissional, que no final presenteará como uma viagem erudita para quem quer jogar um xadrez humano, onde não é vítima constante do bispo ou rainha.

Como disse na introdução, o facto de estar ao fundo do corredor a vigiar o meu alvo (que em certas missões podem ser três ou quatro), já implicou que tenha de ter efectuado uma série de jogadas calculadas e pensadas, de furtividade e limpeza, possibilitando-me ficar mais perto do objectivo, isto tudo sem gravar uma única vez ou reiniciar. É o ardil delicioso deste modo, que só o torna melhor.

Não faço ideia de que modos ou DLC’s irão sair para outros videojogos neste ano, mas decididamente o Hitman Freelancer é aquele grão de sal cravejado com alho que cai em cima de umas batatas-fritas quentes e estaladiças, sendo um prazer não de uma dentada só, mas de várias.

Advertisement

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.