Há algo de mágico em Disaster Report 4 – Summer Memories. Algo de mágico, surreal, muito mau e de fascinante ao longo das suas oito a nove horas de duração. A determinação e ambição são palpáveis, desmedidas e completamente injustificáveis, mas estão lá. Seja pela construção de uma cidade afetada por um desastre natural, seja pelas suas personagens e por um sistema de moral muito mais intrínseco do que o seu humor aparenta ser. É um excelente jogo e um péssimo jogo. É o gato de Schrödinger. Bolas, é fascinante.
Um pouco de história. Disaster Report, em japonês Zettai Zetsumei Toshi – conhecida na Europa como SOS: The Final Escape – é uma série de ação e aventura que nos coloca no epicentro de um enorme terramoto. Através de quatro jogos, a série tentou equilibrar um certo realismo, retratando técnicas de sobrevivência através da sua jogabilidade, com um sistema de moral e um sentido de humor que contrastam com o tom forte e melodramático das suas narrativas. É, ao mesmo tempo, uma excelente janela para a era PS2, refletindo algumas das suas sensibilidades ao nível de game design e tom.
Fora do Japão, Disaster Report nunca foi popular, relegado ao papel de cult-classic pelos mais atentos e fascinando aqueles que jogaram através da sua determinação em retratar acontecimentos tão reais e próximos da cultura mundial, mas também pela sua aparenta falta de consistência no tom e na forma como aborda as suas temáticas, muitas vezes caindo no humor desnecessário. Depois do lançamento de Disaster Report e Raw Danger no ocidente, a série ficou restrita ao seu país original, com o terceiro título, originalmente para a PSP, a não chegar ao mercado internacional. Anos depois, a saga está de regresso e eu não podia estar mais contente.

Disaster Report 4 é um caso trágico. Com lançamento programado para 2011, o jogo foi desenvolvido inicialmente para a PS3, mas nunca chegou ao mercado. Depois de um adiamento, para melhoramentos técnicos e de desempenho, o desenvolvimento foi interrompido devido ao terramoto, e consequente tsunami, que assolou o Japão em 2011, culminando numa tragédia que marcou a vida de milhões de cidadãos após as fugas de radioatividade da Central Nuclear de Fukushima. Perante esta situação real, a Irem cancelou o projeto por completo e relegou-o ao aparente esquecimento. Três anos depois, o criador da série, Kazuma Kujo, recuperou o projeto, agora na Granzella, e decidiu finalizar o desenvolvimento. Estamos, portanto, a falar de um jogo com mais de 9 anos, desenvolvido para outras plataformas e que acaba de cair na PS4 como uma pedra de cinco quilos num lago vazio.
A minha experiência com a série é limitada ao primeiro título, muitos anos depois do seu lançamento original, e encontrar Disaster Report 4 não foi fácil. Arrisco-me a dizer que a experiência tem sido surreal, algo entre o respeito absoluto e a incredulidade perante algo que eu nunca pensei que pudesse existir. É incrível e é assustador. Vamos por pontos:
É um jogo com 9 anos
E é mesmo um jogo com 9 anos, cujo longo desenvolvimento parece ter prejudicado ainda mais a sua produção. Neste momento, Disaster Report 4 é um jogo mal otimizado na PS3 que mal funciona na versão PS4. O frame rate é horrível, causando uma péssima primeira impressão, e as texturas, e modelos de personagens, juntamente com um level design muito simplificado e limitado – dividindo a cidade em várias zonas curtas e sem grande espaço para a exploração –, parecem ser de um projeto inacabado. Arrisco-me a dizer que nem uma produção ultra independente, criada por uma só pessoa, teria texturas tão más.

Como podem imaginar, trata-se de um jogo de baixo orçamento, cujo salto geracional e interregno na produção causaram uma disrupção problemática na sua fidelidade visual – e não só, destaco ainda a utilização de efeitos sonoros repetitivos e que se sobre impõem ao longo do jogo, causando uma cacofonia sonora que nos faz querer arrancar os ouvidos – ao ponto de criarem um jogo que está claramente perdido no tempo. Perante esta falta de verbas, Kujo fez o que uma pessoa sã faria: decidiu ser ambicioso. Demasiado ambicioso.
A ambição tem limites
Oiçam, Disaster Report 4 é um desastre, mas é o mais belo e fascinante desastre que já joguei, ao ponto de não o conseguir largar. Perante os problemas gráficos e de jogabilidade, com os controlos a serem demasiado rígidos e lentos para o que o jogo tenta ser, não consigo conceber ou compreender de onde nasceu tanta ambição, mas ela está presente. Disaster Report 4 não é apenas um jogo sobre um terramoto e as suas vítimas: é uma epopeia. É um jogo que tenta ser uma verdadeira viagem emocional, mas que acaba por ser frio e distante, ao ponto de vermos dezenas de pessoas a serem engolidas por um prédio sem qualquer reação por parte das personagens ou do jogo. Humor, drama, surrealismo e absurdismo num só pacote.
Para além de ser um jogo de aventura e sobrevivência, Disaster Report 4 não se fica apenas pelas mecânicas dos géneros. Isso seria demasiado fácil. Disaster Report 4 leva-nos para uma cidade envolta num caos absoluto onde teremos de navegar através dos destroços de prédios, estações e ruas para sobrevivermos, encontrando outros sobreviventes pelo caminho que poderemos ajudar. Esta é a base. No entanto, o jogo decide ter um sistema de personalização, que nos permite vestir a nossa personagem com vários tipos de roupa; algumas estórias paralelas que levam a finais alternativos; sequências de condução, onde podemos controlar uma motorizada e um barco insuflável; e ainda um sistema de moral que é a coisa mais arrepiante que alguma vez vi num jogo. Se estão fartos de videojogos que vos fazem escolher entre ser uma personagem boa ou má, então prepararem-se para Disaster Report 4, onde podem ser uns verdadeiros anjos, uns valentes sacanas ou ainda os maiores tarados que tentam convencer todos os homens e mulheres, que, relembro, acabam de sobreviver a um terramoto, para namorarem consigo. Eu ainda estou a falar no mesmo jogo, não mudei de tópico. Isto tudo está em Disaster Report 4.

A narrativa, em si, não é nada original, mas as estórias secundárias, que envolvem os restantes sobreviventes, são completamente loucas. Se num momento estamos a ajudar uma professora a encontrar as suas alunas perdidas, no momento seguinte estamos a levantar um sinal caído no mar ou a descobrir quem incendiou o restaurante da zona, que depois evolve para uma tentativa de assassinato e para a interpretação mais mal amanhada de Romeu e Julieta. E entre estas estórias, acontecem ainda mais peripécias que valem por si só, com alguns diálogos a serem completamente surreais. Já mencionei que o jogo também tem um sistema de stress, a possibilidade de se segurarem sempre que há uma réplica do terramoto e a necessidade de controlarem a fome, sede e vontade de ir à casa de banho da personagem? Não? Exacto.
Mas é um bom jogo?
O grande problema de Disaster Report 4 é que funciona melhor por partes e não como um todo. É um jogo demasiado fragmentado, envolto em problemas técnicos que não devem ser menosprezados, e cuja jogabilidade está tudo menos preparada para o tipo de experiência que quer forçosamente proporcionar aos jogadores. É um monstro de Frankenstein repleto de boas ideias que não funcionam em conjunto. Mas quando olhamos para estes episódios individuais e para a sua ambição? É fenomenal. E estou a falar muito a sério. Se querem voltar atrás no tempo e descobrir o que parece ser um clássico da PS2, perdido durante anos, este é o vosso jogo. A ambição é tão desmedida que não consegui parar de jogar, fascinado pela forma como Kujo construiu o mundo de Disaster Report 4 e interligou o humor, drama e surrealismo ao longo da campanha.
Mas é um bom jogo? Infelizmente não. Então é um mau jogo? Também não. Disaster Report 4 é um jogo para os fãs da série. Arrisco-me a dizer que é exclusivamente para quem acompanha a franquia desde o início, mas sinto que estaria a ser injusto. Apesar dos seus problemas, existe muito para descobrir nesta cidade destroçada, especialmente se se deixarem levar pelo seu charme nostálgico e pela ambição que moveu a sua produção desde o início. Há muito amor em Disaster Report 4 e foi isso que me manteve preso do início ao fim.

Em conversa com um amigo, descrevi Disaster Report 4 como um jogo “de baixo orçamento, com um tom estranho, onde o humor e o drama andam de mãos dados, tudo envolto num ambiente desconfortável e muito surreal”. Perante este cenário, o meu amigo concluiu que estava a descrever “o que parece ser um filme do David Lynch”. E este é o resumo perfeito de Disaster Report 4; o mais errado e mais perfeito resumo da experiência, tal como o jogo em si.
O código (PS4) foi cedido pela NIS America.