Quinze anos separam ambas as versões de Dead Space. A primeira, lançada em 2008 e desenvolvida pela defunta Visceral Games, foi um marco no género de terror de sobrevivência. Em retrospetiva, Dead Space foi a aposta certa no momento perfeito, aproveitando a crescente popularidade de videojogos de ação após a transformação inesperada de Resident Evil 4. Uma mudança tão forte que colocou o género de terror em risco, ao ponto de ter obrigado franquias como Silent Hill a acompanharem o novo panorama ou a desaparecerem por completo. Mas Dead Space foi especial. Apesar de recusar o modelo tradicional do terror de sobrevivência, o título da Electronic Arts abraçou o horror, moldou-o à sua imagem e encontrou a sua própria identidade ao adaptar as suas inspirações – nos videojogos, mas também no cinema com Alien [Ridley Scott, 1979] e The Thing [John Carpenter, 1982] – para uma experiência mais focada, familiar e inovadora onde necessitava de o ser – como os elementos diegéticos na sua User Interface, que ainda hoje são discutidos. Se Resident Evil 4 foi o catalisador, podemos defender que Dead Space foi a aceitação do terror de ação.
Em 2023, Dead Space é uma lenda, um monólito de eras passadas, cuja popularidade é movida por uma enorme nostalgia por tempos mais simples. É fácil perceber porquê. O género de terror de sobrevivência continuou a sofrer fortes transformações no seu design ao longo destes quinze anos. Resident Evil abandonou a ação para se entregar novamente ao horror dos seus primeiros títulos – para estar novamente a abraçar a ação; Silent Hill evaporou-se após sequelas medianas que saturaram os fãs, cujo regresso é também feito por um remake que é esperado pelos fãs num misto de curiosidade e receio; a Frictional Games introduziu Amnesia: The Dark Descent ao mundo e mudou o status quo através de campanhas com protagonistas vulneráveis e um foco na furtividade; e agora, com as plataformas digitais, os produtores independentes continuam a desafiar os alicerces do género com produções subversivas e também inspiradas pelos clássicos do género. Perante este panorama atual, qual poderá ser o impacto de Dead Space? E será a aposta num remake a melhor opção para reintroduzir Isaac Clarke, os necromorphs e a Unitology a uma nova geração de jogadores? A EA Motive, agora a cargo da série, seguiu pela via da adaptação fiel, mas com um objetivo concreto em mente: modernizar.
O ritmo de Dead Space é uma dádiva. Apesar da sua idade, a campanha de Dead Space continua a ser uma das experiências mais sólidas do género, com cada missão a fluir para a próxima sem perder tempo com grandes distrações. É uma campanha que mantém o jogador investido na demanda de Isaac pela USG Ishimura enquanto tenta parar a sua destruição, mas também encontrar Nicole Brenan, a sua esposa desaparecida a bordo da nave. Podemos argumentar que Isaac, antes de ganhar voz nesta nova versão – novamente a cargo de Gunner Wright -, funcionava apenas como uma representação do jogador e pouco mais, saltitando de objetivo em objetivo como um mestre de obras espaciais, mas é tão fácil ignorar estes problemas quando a campanha é tão metódica e bem estruturada como esta. Nunca sabemos o que nos espera e ver a transformação da nave, não só pelo ataque dos necromorphs, mas também pelos membros da igreja da Unitology – cujas marcas são visíveis à medida que avançamos pelas entranhas da nave – é uma mistura entre medo, curiosidade e desespero. Apesar da tensão, é difícil largar o comando e não querer terminar uma missão ou objetivo. Este é o génio de Dead Space.

Voltar a Ishimura é uma viagem de reconhecimento. É perceber o quanto a memória não é a moleta que pensamos que é. Terminei várias vezes o título original, mas há vários anos que não o revisito e entrar no remake foi um choque. Não se trata apenas de revisitar os cenários agora em alta definição, com novos efeitos volumétricos e iluminação, mas compreender como está a envelhecer com enorme graciosidade. Durante as minhas horas com o remake, fiquei maravilhado com a rapidez de certos momentos, mas também com o facto de não conseguir largar um videojogo que já completei inúmeras vezes. A EA Motive foi muito inteligente ao não mudar o que já estava tão bem construído, preocupando-se apenas em enaltecer o potencial que era possível sentir na versão original, mas que o hardware era incapaz de acompanhar. A modernização de Dead Space passou por criar em Ishimura um espaço ainda mais familiar, fácil de navegar e interligado ao ponto de tornar a exploração convidativa e, acima de tudo, necessária.
Em 2008, Dead Space seguia a estrutura de tantos outros títulos do género, dividindo a sua campanha por capítulos. Esta divisão era representada por viagens de comboio, que desbloqueavam novas áreas à medida que descobríamos mais sobre os acontecimentos passados em Ishimura. Com esta estrutura, que facilitava os tempos de carregamento, cimentava-se a ideia de linearidade, onde era impossível voltar atrás fora das exigências narrativas da campanha. O que a EA Motive fez, auxiliada pelos avanços técnicos das novas plataformas, foi desafiar essa estrutura sem a mudar totalmente. Desta forma, a nova campanha de Dead Space segue a mesma progressão da anterior – com os meus acontecimentos narrativos, missões, capítulos e personagens, à exceção de algumas novidades que irão deliciar os fãs da série –, mas abre Ishimura à exploração orgânica com mapas interligados – auxiliados por um novo sistema de mapa que é muito mais acessível para os jogadores e próximo ao que encontramos noutros títulos do género – e novos incentivos para regressarmos às várias zonas já sondadas. A campanha ganha contornos de um metroidvania, no sentido em que existem zonas anteriormente inacessíveis que poderemos desbloquear através dos novos acessos de segurança, que substituem a utilização de nodes para a abertura de portas.

Esta abertura de Dead Space a uma estrutura mais moderna poderá ser controversa para os fãs e até contraditória ao que defendi em cima, mas é preciso olhar para o remake como um passo evolucionário e não uma substituição da experiência original. A EA Motive foi capaz de aumentar o scope de Dead Space sem arruinar a sua progressão linear e focada na ação. Nada ficou de fora, nem uma única missão ou momento narrativo do anterior, mas tudo foi expandido e reintroduzido numa campanha que exige maior atenção do jogador. Desde o início da campanha que somos introduzidos à sugestão de backtracking, com caixas, armários, portas e zonas inacessíveis que exigem a autorização certa para entrarmos. Esta aposta teria caído por terra se Ishimura não estivesse munida de atalhos inteligentes que interligam logicamente as várias zonas, ao ponto de conseguirmos percorrer a nave sem necessitarmos dos comboios. Mas o sistema de transporte está sempre presente e é acessível desde a segunda missão, e nada nos proíbe de entrarmos num dos comboios e revisitarmos as zonas anteriores. É aqui que nascem também as missões secundárias, pequenos momentos que acompanham os objetivos principais e que servem para dar profundidade ao mundo de Dead Space – em especial a Nicole, que surge agora como uma personagem mais tridimensional. Estes momentos poderiam ser considerados como meras distrações ao foco exímio do original, mas é o oposto. São mudanças orgânicas que fazem sentido na progressão da campanha, mas que também são capazes de expandir a exploração e tornar Ishimura como um mundo mais reconhecível e fácil de navegar.
Estas alterações não seriam possíveis sem uma jogabilidade revigorada e a EA Motive foi uma vez mais certeira na sua abordagem ao remake. O que encontramos em Dead Space não são propriamente novas mecânicas, mas sim uma recontextualização do que já conhecíamos. O sistema de combate continua a focar-se no desmembramento dos necromorphs e na combinação entre armas de corte, ataques físicos, telecinesia e stasis – que nos permite abrandar inimigos e objetos em campo. A base não foi alterada e nem o precisava de ser. No entanto, encontramos controlos mais limados que reaproximam Dead Space às suas sequelas, com movimentos mais fluídos e responsivos, menus mais rápidos e melhores opções de combate. A jogabilidade continua tão moderna e assente no combate que Dead Space parece não ter envelhecido ao longo destes anos, e para isso só foi preciso retocar o que a Visceral Games já tinha cimentado como o futuro da série. Dead Space é tão divertido, como assustador e eu defendo este foco. Não só temos um leque impressionante de armas – como a popular Plasma Cutter ou a mortífera Ripper, que servem também para reforçar que Isaac é um engenheiro e não um soldado –, como podemos utilizar partes dos cenários para atacar os necromorphs – e até pedaços dos seus corpos.

Uma das grandes novidades encontra-se na movimentação livre durante as sequências em gravidade zero. Na versão original, Isaac só conseguia saltar entre superfícies, o que limitava bastante a mobilidade, mas também os confrontos durante estes momentos. A EA Motive fez a decisão certa ao inspirar-se em Dead Space 2 e Dead Space 3, eliminando o sistema arcaico do título original e dando liberdade aos jogadores de explorarem as zonas sem gravidade. Basta pressionarmos dois botões (no caso da versão PS5 são L1 e R1) e Isaac fica suspenso no ar. Apesar de não existir propriamente um novo level design para estas zonas, a verdade é que a nova mobilidade e perspetiva tornam o antigo em algo novo. Temos, por exemplo, a zona de embargo, que pode ser totalmente explorada durante a terceira missão, com Isaac a encontrar locais inacessíveis que contêm novos itens e até algumas surpresas. Considero a movimentação ainda um pouco atrapalhada, muito rígida em partes, tal como em Dead Space 2, onde o controlo da direção de Isaac nem sempre é o mais satisfatório, mas é difícil retirar mérito à forma como esta decisão expande a exploração de um jogo com quinze anos e segue a intenção da EA Motive em tornar Ishimura em cenários mais interativos e vivos.
O futuro de Dead Space está novamente numa encruzilhada. O remake está a ser um sucesso crítico e junto dos fãs da série, mas ainda é cedo para sabermos se é capaz de justificar mais uma passagem pelo mundo de Isaac Clarke. Admito que estava bastante cético com o remake. Uma conversão 1:1 parecia-me ser desnecessária quando a versão original continua a ser bastante forte, mas sou obrigado a engolir as minhas palavras. A EA Motive ressuscitou uma série inteira ao manter-se fiel ao seu legado e ao adicionar alterações estratégicas que modernizaram Dead Space sem o tornar num lançamento inconsequente. Neste momento, eu quero acreditar num Dead Space 2 Remake, mas também sinto que a EA Motive quer adicionar o seu próprio toque se a sequela acontecer – e eu estou mais curioso do que apreensivo com essa possibilidade. No fundo, este remake só comprova a qualidade e força de Dead Space desde 2008, mantendo-se atual e preparado para enfrentar qualquer título lançado desde então. É difícil não respeitar um regresso tão forte, tão seguro e determinado como este. Agora está tudo nas mãos da EA – deus nos ajude.

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