Pokémon Sword & Shield| GLITCH REVIEW

Depois de uma viagem ao passado, a série Pokémon parecia estar pronta para abraçar o futuro naquela que é a sua verdadeira incursão na Nintendo Switch. Com fortes inspirações na história e cultura europeias, mais propriamente no Reino Unido, Pokémon Sword & Shield oferece-nos um mundo mais extenso, industrializado e personalizável que a série já viu, mas no processo, parece não ter conseguido evitado os problemas que assombram a franquia deste o seu lançamento no GameBoy: a falta de ambição.

Antes de continuar, quero que saibam que não sou fã da série. Já fui, em tempos, devoto aos adoráveis monstros portáteis, mas perdi o gosto pelas suas campanhas lineares e algo repetitivas, cujo objetivo parece nunca mudar de jogo para jogo. Com a saturação, deu-se este afastamento que me levou a evitar a série até ao lançamento de Let’s Go, cuja simplicidade, para a minha surpresa, levou-me a redescobrir o mundo dos Pokémon com novas ajudas e mecânicas. Venho assim de Ruby e Sapphire para Sword & Shield, e posso-vos dizer que a sensação de déjà-vu continua tão presente como há 18 anos.

Mas vamos primeiro ao positivo. Em Sword & Shield, somos transportados para a zona de Galar, um continente industrializado e tecnologicamente avançado onde homens e monstros vivem em harmonia. É nesta região que a nossa personagem, que pode ser um rapaz ou rapariga, cresce e ambiciona ser um mestre treinador, com o seu rival Hop, irmão do atual campeão de Galar. Mas existe um enorme segredo por detrás da região, onde os Pokémon podem ser manipulados a aumentar de tamanho através de pedaços de Estrelas Cadentes (Wishing Stars), que influenciam também grande parte da tecnologia de Galar.

Ao contrário do que esperava, tendo em conta as reações negativas por parte da comunidade, Galar é uma das regiões mais visualmente marcantes da série. A junção entre as cidades mais industrializadas e as zonas mais naturais dá ao jogo um ambiente diferente e muito mais arriscado, com os cenários a demonstrarem uma maior profundidade e detalhe. Apesar de não ser o maior fã das zonas selvagens, gostei da simplicidade das cidades e da forma como captam os elementos de cada ginásio, com vegetação a tomar conta das primeiras cidades e o mar, e o gelo a servirem de complemento para as habitações mais a norte. A câmara dinâmica é essencial para a experiência e dá às cidades toda uma nova dimensão ao acompanhar fielmente as personagens, muitas vezes mantendo-se colada às suas costas, à medida que se aproxima ou se afasta da ação, de acordo com o tamanho das cidades. É um pequeno toque que, para um velho fã da série, dá a sensação de uma maior vivacidade e variedade ao mundo da série.

A dicotomia entre tecnologia e natureza podia ter sido mais explorada, mas funciona a nível visual.

Os modelos das personagens são também agradáveis e adoro a paleta de cores da região, com Galar a ser sempre colorida e muito variada. As cores fortes são um do foco do design de arte e é fácil de localizar as estruturas, personagens e Pokémon espalhados pelas várias zonas de Galar. Acima de tudo, adoro a nova interface de Sword & Shield. Adoro os menus, as suas cores, a sua aparente simplicidade e a organização milimétrica no ecrã. A junção entre duas cores fortes, por exemplo, dão aos menus um maior impacto visual e tornam a leitura dos textos mais acessível, com um estilo que os aproxima das aplicações mobile. Durante o meu primeiro contacto com o jogo, que aconteceu no verão, a UI foi, sem quaisquer dúvidas, o primeiro elemento a sobressair-se e a dar ao jogo uma maior identidade visual, e meses depois, só posso desejar que a Game Freak mantenha esta aposta viva e bem presente nos próximos jogos da série.

Para além da UI, existem algumas novidades que prometem melhorar a experiência de jogo. Há um antes e um depois de Let’s Go, e conseguimos notar nisso perfeitamente na jogabilidade de Sword & Shield. Apesar de termos regressado aos combates e capturas tradicionais, com o sistema por movimento a ser totalmente retirado deste novo jogo, continuamos a ver os pequenos monstros espalhados pelos cenários, dando-nos a possibilidade de escolhermos quem queremos defrontar. Há também uma maior aposta na informação e na entreajuda, com o jogo a oferecer constantemente detalhes sobre os Pokémon e os seus ataques, avisando, em combate, quais as habilidades mais eficazes contra um determinado rival. A captura foi também simplificada, no sentido em que temos um botão, neste caso o X, dedicado ao lançamento das Pokéballs. No início de cada turno, podemos simplesmente carregar no X e escolher uma das bolas, com vários tipos à escolha, para capturarmos o Pokémon que tanto queremos.

Apesar da presença constante de informação, o design é muito limpo, direto e fácil de ler, de onde se destaca o jogo entre o branco e as cores mais quentes.

A utilização da bicicleta também foi simplificada e basta carregar nos botões + ou – para a ativarmos. Sword & Shield tenta constantemente dar aos jogadores uma experiência mais direta e simplificada sem perder a alma da série, numa combinação que acaba por resultar na maioria das situações. O Pokédex é mais acessível, a troca de Pokémon também e há toda uma nova personalização que procura dar aos jogadores uma experiência mais dedicada e pessoal, com a possibilidade de vestirem o vosso treinador à vossa maneira. Tal como em Let’s Go, a equipa principal ganha sempre pontos de experiência, mesmo quando não participa nos combates, sendo que o Pokémon principal recebe sempre mais do que os outros – uma das adições que continuo a adorar nesta nova fase da série.

O problema é que Sword & Shield funciona perfeitamente quando quer ser apenas um jogo Pokémon, com a sua campanha linear e focada nos combates em ginásios, mas não quando força os seus novos elementos nos jogadores. É esta a tragédia da série, esta procura por novidade onde nunca temos o que queremos e onde a Game Freak nunca sabe o que fazer com a sua franquia.

Apesar de ter gostado do meu tempo com Sword & Shield e de acreditar que se trata de um bom jogo, com B grande, ainda mais para os fãs, sinto que é um jogo frustrante. Isto porque as ideias parecem estar inacabadas. Existem momentos em que parece ser mais um protótipo ou versão de teste do que um jogo acabado, e é impossível olhar para o jogo e não ver as suas pontas soltas.

Comecemos pelas Wild Areas, ou Zonas Selvagens, e pelas suas promessas e falhas. Ao contrário dos jogos anteriores, Sword & Shield tenta dar aos jogadores uma experiência menos linear e mais próxima, arrisco-me a dizer, de um mundo aberto. Para tal, criou zonas mais extensas e exploráveis onde podemos encontrar um número extenso de Pokémon, alguns mais raros e mais poderosos, mas também acampar, descobrir segredos e locais de combate contra monstros gigantescos. Os mapas são muito extensos, mais do que seria de esperar para um jogo desta série, e interligam algumas das maiores cidades de Galar, tentando criar assim uma sensação de viagem e progressão mais palpáveis. O problema é que são zonas vazias, repetitivas, cheias de pop-ups, e de uma falta de criatividade assustadora, onde parece que o intuitivo foi apenas o de criar “mais, mas não melhor”.

Estas zonas precisavam de um maior trabalho de design e de variadade que injetasse alguma vida aos seus mapas vazios.

A frustração começa aqui, nesta incapacidade em analisarem o mundo do jogo e em perceberem como poderiam ter aplicado estas zonas mais extensas à progressão da campanha. É um passo na direção certa, até porque estava na hora de sairmos da linearidade dos jogos anteriores, mas ainda há muito trabalho pela frente. À medida que avançava, temia sempre a minha chegada a uma destas zonas, onde me sentia obrigado a percorrer mapas extensos sem nada para descobrir para além de novos Pokémon, os mesmos NPCs de sempre e as batalhas contra os monstros gigantescos, que podem ser feitas a solo ou cooperativamente com outros jogadores – identificadas por ninhos avermelhados e que nos dão itens mais raros. Quero mais, mas também quero melhor.

Às zonas selvagens, juntam-se os acampamentos, outra das novidades de Sword & Shield. Para criar uma maior ligação entre os jogadores e os seus Pokémon, a Game Freak adicionou a possibilidade de acamparmos nestas zonas selvagens e de interagirmos diretamente com os nossos companheiros de viagem. Ao acamparmos, podemos brincar e falar com eles, fortificando assim os laços com a equipa. Temos vários brinquedos à nossa disposição e podemos, por fim, cozinhar vários pratos que curam e melhoram as habilidades dos Pokémon. É um excelente complemento às zonas mais extensas, mas é mais uma mecânica que não tem grande peso na jogabilidade. Apesar de nos ajudar a criar uma relação mais forte com os Pokémon, a verdade é que não sentirão falta dos acampamentos se decidirem nunca os utilizar. Podem até visitar as tendas de outros treinadores, mas para quê? Qual é afinal o intuito e a utilidade? Ao fim de poucas horas, vi-me a usar os acampamentos só para curar a minha equipa, mas só em momentos de desespero – que foram, já agora, muito raros, visto que o jogo está constantemente a ajudar-nos.

A Game Freak adicionou um sistema de elementos que varia de acordo com a zona de Galar. Em desertos, os Pokémon terão de lutar sob um sol abrasador, por exemplo, o que significa que têm de ter em conta estes elementos antes de escolherem o vosso monstro.

A habilidade Dynamax é também uma das grandes novidades desta nova geração e é um dos sistemas que procurou mexer e dinamizar o ritmo dos combates. Esta habilidade, que desbloqueamos durante as primeiras horas de jogo, dá-nos a possibilidade de aumentar o tamanho e força dos nossos Pokémon, transformando-os em versões gigantescas e muito mais poderosas. Através do Dynamax, vemos os seus ataques a ficarem mais destrutivos, associando-se através do seu elemento, e os seus atributos, como os pontos de vida, a aumentarem igualmente. São versões XL dos pequenos monstros que dão origem a poderosas batalhas que só podem ser ativadas contra os líderes dos ginásios, cujos combates acontecem em estádios, e contra inimigos adicionais que encontramos nas zonas selvagens.

Como se trata de uma habilidade pouco equilibrada, a Game Freak colocou a restrição de três turnos, o que significa que devemos saber qual é o melhor momento para ativarmos a Dynamax. Uma vez utilizada, não podemos voltar a ativar a habilidade até ao final do combate. O problema é que o jogo está tão rigidamente construído que iremos utilizar a habilidade sempre no mesmo momento – quando só faltar um Pokémon nas batalhas contra os líderes do ginásio. Ao chegar ao seu último Pokémon, o líder irá sempre ativar a Dynamax e atacar com todas as suas forças, criando assim uma repetição algo incontornável ao longo da campanha e o cancelamento de uma vertente mais estratégica nos combates. Como em todas as suas novidades, Sword & Shield não consegue aprimorar a habilidade Dynamax.

O jogo adiciona ainda missões secundárias, intituladas Poké Jobs, onde enviamos os nossos Pokémon em trabalhos especiais.

Por fim, temos os Gym Challenges. Em Galar, os combates pelos crachás fazem parte de uma enorme celebração, com os jovens, que acabam de receber o seu primeiro Pokémon e o apoio de uma figura importante de Galar, a seguirem a rota dos ginásios de forma a tornarem-se num treinador de renome. Isto significa que a campanha é, sem dúvidas, linear, com o percurso a estar bem delineado, salvo algumas distrações, desde o princípio, mas a Game Freak decidiu injetar alguma variedade para combater esta linearidade. Apesar de não reformularem a campanha pela raiz, decidiram reestruturar os combates nos ginásios, transformando-os mais em desafios e em eventos do que em confrontos. Antes de cada batalha contra os líderes, temos de passar por uma prova/desafio relacionado com o elemento de cada ginásio. Ao contrário dos outros jogos da série, não basta lutarmos contra um número específico de treinadores, ou resolvermos um pequeno puzzle, mas sim realizar tarefas que nos abrem o caminho para a batalha final. Ainda que semelhantes ao que vimos anteriormente, estes desafios podem ser simples como comandar um bando de Wooloos ao longo de um percurso ou capturar Pokémon num tempo específico, mas à medida que avançamos, as provas vão ficando mais difíceis. Há uma sensação de prova e de teste mais presentes.

Apesar de adicionarem alguma fanfarra aos confrontos, senti que não nos traz nada de novo a nível mecânico. Compreendo a ideia de que a batalha contra um líder de ginásio é um evento e que deve ser celebrada, mas parece que foi a única solução que a Game Freak arranjou para alterar ligeiramente a fórmula. Parece que é esse o mote desta nova geração: tentar mudar, mas pouco e falhar no processo. A isto, juntam-se ainda os modos online, versus e cooperativo, que podem apelar ao vosso lado mais competitivo, ainda que continuem a ser arcaicos e difíceis de encontrar alguém online.

Tudo isto culmina no design dos Pokémon. Seria apenas uma questão de tempo até termos uma geração tão desinspirada como esta, mas nunca pensei ver alguns dos monstros mais feios e desinteressantes nesta estreia na Switch. Desde bules até a burros e a carros de carvão, é um choque ver o quanto a série mudou nestes últimos anos. Nem todos os designs são horríveis, mas no geral, sinto uma enorme falta de criatividade neste campo. E sim, eu sei que é uma escolha devido às inspirações britânicas, mas pedia-se um maior cuidado no desenho e modelo dos Pokémon.

Felizmente, os Pokémon iniciais são adoráveis, e destaco ainda o desenho clássico dos monstros lendários.

Mesmo com estas queixas e dissabores, eu não consigo dizer que Pokémon Sword & Shield é um mau jogo. Não é. Aliás, é um bom jogo e volto a reforçar isso. O problema é que é se trata de um jogo dividido entre as tradições da série e a vontade em evoluir, onde a Game Freak não conseguiu encontrar um equilíbrio saudável entre as duas fases desta oitava geração. Sword & Shield consegue ser muito divertido quando se foca na experiência linear e já conhecida da série, é ai que eu me sinto em casa, mas se procuravam mais e melhor, a verdadeira evolução da série, esta geração poderá ser um enorme desapontamento. Talvez um dia, a Game Freak tenha finalmente a coragem de quebrar todos os moldes.

A escala utilizada é de 1 a 10

O código para análise (versão Sword) foi cedido pela Nintendo Portugal.

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