À
medida que vamos envelhecendo, os nossos hábitos mudam. Novas pessoas passam a fazer parte da nossa vida, o trabalho ocupa a maior parte do nosso tempo e a mente passa a não divagar tanto pelos videojogos ou pelos hobbies. Apesar de não estar a lidar mal com este crescimento, sabendo muito bem que é inevitável – é ciência, caraças –, apercebo-me que é cada vez mais difícil encontrar jogos que nos consigam agarrar do princípio ao fim e fazer desaparecer literalmente horas do nosso dia.

Este é um fenómeno interessante pelo qual todos nós já passámos. Estamos sentados no sofá, na cadeira ou até em pé – se forem monstros, por amor de deus – e apercebemo-nos que o dia deu lugar à noite, as plantas murcharam, a nossa barba cresceu e que estamos completamente vidrados à televisão e de comando na mão – ou teclado e rato, se forem finos. Sentimos que algo se passou, mas não queremos acreditar que três, quatro ou seis horas desapareceram no ápice. E com a entrada nos 30, isso não é suposto acontecer, mas acontece.
Apesar de adorar jogos com um enorme foco narrativo, apercebi-me que esses não são os meus maiores ladrões de tempo. Para ficar completamente vidrado e perdido num jogo, é preciso existir um ritmo crescente e um forte foco na jogabilidade e nas mecânicas. Posso começar por ficar perdido em Dead Cells e passar uma noite a repetir os primeiros níveis sem sentir as horas a passar, mas é em jogos como 7 Days to Die que me perco completamente. E é assustador.

Quando consigo apreciar um jogo em mundo aberto e me sinto completamente vidrado na sua estrutura repetitiva, o tempo também voa. Um dos jogos que mais me roubou horas e me fez pensar em sair mais cedo do trabalho foi Metal Gear Solid V: Phantom Pain. Vocês podem ser muito puristas e pensar que o último jogo de Hideo Kojima foi uma desgraça, mas para mim, foi uma vida. As missões secundárias, os eventos aleatórios, as bases para conquistar e o exército para reconstruir – este é um ritmo de jogo que me consegue agarrar pois faz-me sentir que tenho sempre qualquer coisa para fazer, recolher ou destruir. E este foi, até certo ponto, o princípio do meu amor pelo género de sobrevivência.
Este amor por Metal Gear e sobrevivência complementou-se de forma surpreendente com Metal Gear Survive. Vocês leram bem. Naquilo que parecia ser uma piada de má gosto, recebi este híbrido de ação furtiva e sobrevivência como prenda de aniversário e em pouco tempo apercebi-me que tinha um novo ladrão de tempo nas mãos. Apesar das más críticas, comecei a verificar que muitos tinham seguido pelo caminho do preconceito e decidido que Survive era um mau jogo muito antes de o experimentarem. Em poucas horas, vi os defeitos, mas também as virtudes e apercebi-me que cada vez que o desligava, sentia vontade de voltar. Uma vontade genuína.
O tempo começou assim a desaparecer. Sem me aperceber, dei por mim no terceiro capítulo. Pouco tempo depois, naquilo que pareciam ser segundos, já estava a explorar a Névoa de Pó e a encontrar novos inimigos e locais para explorar. Este ritmo de recolha, criação de novos itens e equipamentos, a melhoria da base, ainda que numa escala muito reduzida quando comparada a outros jogos do género, mantém-me vidrado a uma estrutura que devia ser intragável. Tudo isto é repetitivo, mas não consigo parar. Há sempre algo para descobrir e para criar. A minha curiosidade e possível transtorno obsessivo acabam por ditar as regras.

Se Metal Gear Survive não tivesse uma história e não me desse pontos narrativos para seguir, com objetivos bem identificados, juntamente com missões secundários e desafios diários, será que ia ficar assim tão viciado? Será que começo a afastar-me cada vez mais desta necessidade por história? O meu recente amor por jogos de sobrevivência põe isto em causa e demonstra-me que afinal eu tenho a paciência necessária para explorar um mundo ao meu ritmo e criar as minhas próprias regras. 7 Days to Die pode ser um jogo horrível em muitos aspetos, mas é capaz de agarrar a minha atenção não com as suas personagens ou narrativa, mas sim ao me garantir que “sim, tu podes fazer isso e aquilo, basta teres os materiais”. A repetição alia-se à liberdade e a liberdade dá lugar à obsessão e são elas que me roubam o tempo. Horas, minutos e segundos não interessam quando há algo para recolher e aquele item para criar.
É assustador pensar que existem ladrões de tempo prontos a atacar, ainda mais quando chegamos aos 30 e os anos começam a pesar e a ter uma nova e inesperada importância. Mas como jogador, ainda que com gostos e rituais a transformarem-se, sou a vítima perfeita para estes maltrapilhas. O que mais me surpreende nesta auto-análise é que os ladrões de tempo não dependem de bons jogos, mas sim de jogos que nos mantêm ocupados e com a sensação de que há mais para descobrir e fazer. Podem ser jogos simples, de sobrevivência, construção ou até de plataformas, mas todos têm este toque de Cronos para nos mudar a rotina.
Talvez já não seja suposto termos tempo para os videojogos, vejam a opinião do Duarte e da Vanessa sobre o assunto, mas não é isso que me assusta. Os videojogos fazem parte da minha vida e não faço intenções de os abandonar, mesmo que tenham ficado com essa sensação quando leram o meu texto sobre o colecionismo. Eles não vão a lado nenhum, mas e o tempo? Para onde vai o meu tempo? E será que é vendido a um bom preço ou ao desbarato na Feira do Relógio? Não sei para onde vai, mas já foi. E aposto que ainda estão boquiabertos por eu gostar de Metal Gear Survive. A vida é assim.
Bom, depois de ler vários artigos aqui do género, e mais os que foram mencionados neste artigo, lá terei de comentar. Sou pai há mais de dois anos e algo que me lembro de terem dito foi, “ah o tempo para os jogos vai acabar”. Resposta imediata: “Nem penses nisso!” Obviamente que o tempo reduziu claramente, basta dizer que atualmente, tirando fim de semanas que pode variar, durante a semana só tenho tempo para isto a partir das 22hr. O que acontece é que tento esticar até à 1 ou às vezes encho o peito de coragem e vá 2hr lol No dia seguinte é que são elas e pior ainda se o meu filho decidir acordar várias vezes por noite…
Quanto a jogos, os de 30 e 50 horas são para esquecer no que toca à mentalidade de fazer tudo. No entanto, pode variar. Posso realmente querer fazer quase tudo mas, ao mesmo tempo, só jogo aquele jogo durante aquele mês. Ou posso só jogar a campanha (e estou a falar de AC Origins neste caso) e pouco mais e então seguir para outro. Cada vez mais sou apreciador de indies pela razão que, em muitos casos, podem ser mais curtos e também o divertimento poder ser mais imediato por essa razão.
Estou praticamente a meio dos 30 e não me vejo de todo a deixar os videojogos. É certo que já não dá para jogar tudo como antigamente mas também com a insane oferta que existe hoje em dia, muitos vezes fica ainda mais complicado sobre que jogo jogar primeiro ou qual deixar para trás.
Podia continuar aqui mais um bocado mas acho que já chega. Só para dizer que sinto os vossos artigos na pele ahah 😉
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Há sempre uma alteração na nossa rotina e eu digo isto sem ser pai e sem ter essa enorme responsabilidade. A verdade é que os jogos estão cada vez a apostar na vertente de serviço, com conteúdos sem fim e com imensas horas de duração – e será que é isso que queremos à medida que envelhecemos? Como tu, não penso parar de jogar, mas também sei que irei mudar a minha rotina aos poucos e foi por ai que quis escrever este texto :).
Obrigado por teres lido e comentado bakum4tsu! Espero que continues a gostar dos nossos textos :).
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