Há muito que Harry Potter deixou de estar presente no meu imaginário. Guardo os livros, desde aquela vez em que achei os dois primeiros num cesto de promoções e devorei; tenho a colecção de filmes e alguma merchandise para andar por casa. Guardo nas memórias, e no coração, aqueles recreios, no banco de pedra escondido dos campos de Educação Física, onde discutíamos leituras, teorias e desejos para as sequelas. Uma bonita parte da magia era mesmo ansiar pelos lançamentos e respectivas traduções. Quando os filmes ganharam fôlego, ainda apanhei quem me chamasse de Harry pelos óculos garrafais que a genética me obrigava a usar. E, se tinha a fama, queria ter o proveito, tanto que na estreia do último filme, desenhei uma cicatriz sorrateira.
Só que, sem dar por isso, afastei-me. Nem foi por ser adulto porque o meu sentimento de deslumbramento continua aqui e recomenda-se; apenas deixou de fazer sentido. Óbvio, que as posições da autora-cujo-nome-não-podemos-pronunciar não ajudaram, mas isso são outros quinhentos…
No que toca aos jogos, explorei pouco – tive a primeira adaptação na PlayStation e ainda brinquei muito ao Quidditch na sequela, sem a terminar. Um rácio quase semelhante às minhas horas passadas em Blitzball versus avançar na história principal. Infelizmente, nunca joguei o Quidditch World Cup. Tenho em casa quem gabe muito as adaptações LEGO por recriarem e permitirem uma exploração livre de Hogwarts, mas foi com este currículo, assim meio apreensivo e curioso, que avancei para Hogwarts Legacy, um dos segredos mais mal guardados da indústria, mas também um muito desejado. E as minhas primeiras impressões foram estas – uau...
Hogwarts Legacy não segue a série original nem a trilogia Fantastic Beasts, recuando até aos finais do século XIX para contar a sua história. Uma decisão inteligente que expande a mitologia deste mundo fantástico e cria um palco para esta e futuras histórias sem depender do familiar. Portanto, nada do trio maravilha nem dos carismáticos professores, apenas com simpáticas influências, piscadelas e outras surpresas, mas isso já seria de esperar.
Dito isto, abrimos a aventura com a criação do nosso aluno que chega a Hogwarts no seu quinto ano e é durante esta introdução que somos literalmente puxados para uma intriga que envolve magia ancestral; memórias de professores e eventos já idos e o início de uma revolução de goblins contra feiticeiros – os ingredientes para uma sopa mágica em fervura lenta numa panela de pressão roubada da aula de poções.
Agora imaginem que a história principal – já de si boa e cativante, nem é o melhor do jogo, mas as missões secundárias que rivalizam com as melhores de The Witcher III: Wild Hunt (sim, eu sei o que escrevi) e nos convidam a socializar com colegas e alunos de outras Casas, quebrando clichés e tropes de personalidades associadas a Casas específicas. Sabem, Slytherin simpáticos, para variar! Estas amizades sentem-se reais, se me faço entender. E é interessante observar como estes colegas entram e saem das suas sidequests para nos ajudarem na nossa demanda, um pouco para replicar a dinâmica do trio original.
Depois, estas missões levam-nos por todo o lado, dos acolhedores e misteriosos corredores de Hogwarts às incríveis paisagens que crescem para lá dos terrenos da escola, passando por locais icónicos e dando a conhecer outros. O universo de Harry Potter é muito mais do que Hogwarts e permitir ao jogador tropeçar em novas descobertas é simplesmente delicioso. E enquanto as estações avançam, o mundo acompanha e tudo é belo.
Faz um ano desde que me perdi em Elden Ring e estar com outro open world imersivo e viciante é quase poesia por rimar; era outro mundo vivo a chamar por mim após um dia de trabalho e me deixava relaxar enquanto cruzava os céus de vassoura ou apanhava o queixo do chão quando o castelo me continuava a surpreender passadas 40 e tal horas.
Não fazem ideia do tempo que passei a observar os quadros que tinham as suas vidas; que acompanhavam a banda sonora na sala de música ou me espiavam curiosos; ou as armaduras que gesticulavam ou discutiam entre si. Hogwarts sempre foi sinónimo de educação e magia, mas também de aventuras e perigos, com uma abertura para segredos, mistérios e brincadeiras. O limite era só mesmo a nossa curiosidade.
Não havia sessão de jogo onde não descobrisse algo novo, como quando dei com um par de fantasmas a dançar eternamente enamorados; ou com os pobres elfos a cozinhar para uma horda de alunos esfaimados! Os corredores e as ruelas sentiam-se repletas de vida (e de espíritos); os caminhos de terra eram calcorreados por alunos e civis; a Three Broomsticks nunca secava de clientes e as lojas recebiam sempre mais um curioso. Para mim, isto é um aspecto vital nestes open world – tem de existir um mundo. Depois, tem de existir um mundo onde valha a pena viver.
Divago quando já devia ter abordado a jogabilidade. Como é que se joga um Hogwarts Legacy? O que fazemos aqui? A resposta é simples: vivemos a fantasia de alguém que recebeu a sua carta de admissão. É algo com que sempre sonhámos, certo? Receber A carta significava que éramos especiais e que fomos aceites num mundo a que achávamos não pertencer.
No papel da minha protagonista, era isso que fazia: ia às aulas e desenvolvia as minhas competências, enquanto a intriga principal se desenrolava em segundo plano, com mais ou menos importância. Era importante prestar atenção aos tutores e entregar os trabalhos para aprendermos novos feitiços; a alternativa era ficarmos impedidos de progredir nas várias missões secundárias. E eu, com alergias a fetch quests genéricas, dei por mim a fazer tudo porque na minha cabeça estava a fazer os tpc das disciplinas, e não a riscar itens de uma lista virtual. Há que ser criativo e a Avalanche Software soube como me dar a volta para me envolver. Desligava a consola com sentido de missão cumprida.
Os feitiços que estudava nas salas de aula e que prometia moderação eram utilizados em combate. E se comecei por torcer o nariz porque nunca soube jogar com magos em RPG ou em Souls, aqui sentia-me o melhor dos Auror com uma confiança daquelas que me permitia voar até a um recanto de aranhas gigantes ou fortaleza inimiga para limpar tudo.
Convém avisar que o mais próximo de uma arma que empunhei foram as mandrágoras para atordoar grupos de inimigos; de resto era pura magia. E esta estava dividida em classes, com cada uma a corresponder a uma cor: amarelo para controlo; roxo para poder; vermelho para dano; e cinza para outros feitiços essenciais. Depois, ainda tínhamos as maldições imperdoáveis, mas shhhhh. Alguns adversários chegavam protegidos com estas cores e para quebrar o encantamento, era só corresponder o tipo de feitiço. Na mesma moeda, também me protegia com um bloqueio encantado que devolvia o feitiço ao atacante – não resultava com todos. A alternativa era mesmo rebolar ou arremessar o que não estivesse preso ao chão. Enquanto os confrontos se prolongavam, acumulava magia ancestral para acabar com valentes ataques que não davam hipóteses a ninguém. Se estivesse para aí virado, podia recorrer a poções ou a plantas como suporte. Apenas uma bela sinergia entre as aulas e o resto do jogo.
Chegava a ser muito para lidar, mas o jogo permitia personalizar combinações de feitiços e de estratégias para cada momento. E quando passei a dominar as mecânicas, era delicioso combinar feitiços e brincar com os inimigos – puxar alguém com accio para o arremessar contra o chão? Ou queimá-lo com incendio? Senti que o combate em Hogwarts Legacy tinha um certo requinte de sadismo, e quando podíamos usar os outros feitiços…
O oposto deste caos era mesmo a exploração ou os plácidos momentos em parávamos para gerir a nossa Sala das Necessidades; um interlúdio na aventura para gerir e decorar um espaço só nosso, com móveis e quadros e outros ornamentos. Ou canteiros e bancadas de poções para que nunca nos faltasse nada em combate. Mais tarde, com os santuários desbloqueados, pude resgatar animais para cuidar e brincar.
Hogwarts Legacy soube mesmo como me apanhar, mas é uma pena que tenham falhado noutros detalhes, como a nossa sala comum que servia exactamente para nada; ou ideias a meio gás e actividades que não foram a lado nenhum. Por exemplo, o clube de duelos que começou por ser uma actividade interessante, mas que rapidamente terminou ao passo que Summoner’s Court continuou com outros adversários. Apesar de a personalização de vestuário ser fantástica, a sua gestão era tão trapalhona e ainda havia outras mecânicas que o jogo nem abordava, como o facto de termos de ir ao menu Challenges resgatar recompensas, em vez de ser um processo automático. Se não tivesse visto num vídeo por aí, nem fazia ideia. Nem tenho palavras para a ausência de Quidditch, quando voar e controlar a vassoura era tão responsivo e gratificante.
Algumas animações eram bizarras e destoavam do momento, como uma vendedora descobrir a morte do marido, mas continuar a sorrir e apregoar a sua oferta. Ou mesmo nós, quando saímos de situações sérias com um esgar pateta na cara. Ou a minha personagem era mesmo sádica…
As aulas podiam ser mais interactivas e mesmo sendo possível falar com os professores para os conhecer, estes acabaram em segundo plano enquanto andamos por aí. Mas atenção, são apenas minúcias porque também reconheço que o grosso já está feito. A Avalanche Software já assentou os alicerces deste mundo e se seguirem o percurso da Ryu Ga Gotoku Studio (Yakuza/Like A Dragon e Judgment), que recicla os mesmos cenários, mas em novas aventuras, só têm espaço para melhorar e inovar. E isto não foi uma chapada de luva branca aos estúdios por reciclarem, uma vez que tal permite focarem-se no que interessa: em novas e melhores histórias.
No final deste ano lectivo, saio daqui bastante impressionado, deslumbrado e encantado. Desde o Elden Ring que não me perdia num mundo belíssimo. Apesar de os visuais das personagens serem fenomenais, quem leva a taça é mesmo o cenário e a riqueza da sua variedade. Senti-me imediatamente em casa assim que escutei o primeiro tema deste jogo; original, mas que ainda bebia das contribuições de John Williams para que nunca nos esqueçamos que o mundo é o mesmo, mas que agora está ainda maior. Mal posso esperar para voltar…

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