Em 2018, durante a apresentação dos finalistas dos Prémios PlayStation Talents, CAPTURE destacou-se como um dos projetos mais empolgantes na nossa pequena indústria de videojogos. O jogo da OX Studio, que fechou as portas antes de as abrir oficialmente – como muitos outros estúdios em Portugal –, procurava desafiar dois conceitos emblemáticos nos videojogos: a experiência puzzler e a crescente popularidade dos modos de fotografia. Desta forma, CAPTURE focava-se na recolha de fotografias para resolvermos puzzles simples, como captarmos a imagem de uma chave para abrirmos uma porta ou encontrar a perspetiva correta para criar uma plataforma onde existia antes um fosso. Infelizmente, este projeto nacional não saiu da fase de conceito, imortalizado por um trailer (ainda acessível), mas cujas ideias – que não posso considerar como originais, mas que demonstravam uma enorme criatividade por parte da jovem equipa – ficaram comigo. Existia algo entusiasmante em CAPTURE, mesmo que fosse unicamente pelo seu conceito.
Cinco anos depois, a Sad Owl Studios, muito longe de saber da existência de CAPTURE ou da portuguesa OX Studio, dá finalmente vida ao potencial que ficou por concretizar. Viewfinder procura ser o expoente máximo do conceito “fotografias e perspetiva enquanto puzzles”, com a Sad Owl Studios a desafiar as regras do género ao dar a possibilidade de moldarmos a realidade conforme o que captamos com a lente da câmara. A demonstração apresentada, ainda disponível, é uma pequena fatia do que podemos esperar da campanha de Viewfinder, mas é igualmente eficaz na comunicação com o jogador e no reafirmar das ideias e liberdade mecânicas que encontraremos na versão final.
O mundo virtual de Viewfinder, que se constrói via diários em áudio espalhados pelos vcenários, divide-se por níveis curtos onde o objetivo resume-se ao encontro e desbloqueio de pontos de teletransporte. Estes pontos nem sempre estão acessíveis, seja porque existe uma barreira física que nos impossibilita de alcançar o seu terminal ou porque necessitamos de reunir baterias suficientes para devolver energia à máquina. Este é motif para explorarmos o mundo de Viewfinder, onde os objetivos são sempre facilmente percetível e visíveis em campo, com a Sad Owl Studios a preocupar-se mais em dar aos jogadores um mundo livre para interpretarem ao seu ritmo do que apostar em objetivos desnecessariamente complexos. O segredo de um bom puzzle é que sabemos sempre o que é necessário fazer para chegarmos ao prémio.
A demonstração está dividida em dois momentos que representam eficazmente a experiência de Viewfinder – pelo menos num primeiro contacto. O primeiro momento, que funciona como introdução, limita a nossa zona de interação a fotografias pré-inseridas em campo. Ao explorarmos os níveis encontramos fotografias que permitem materializarmos novas zonas ou então criar acesso aos teletransportadores. Para tal, basta pegarmos nas fotografias, escolhermos o local onde queremos posicioná-las e ver o conteúdo das fotografias a materializar-se à nossa frente. O que é colocado em campo fica em campo, torna-se físico e palpável – ainda que exista a possibilidade de fazermos rewind para corrigirmos os erros ou voltarmos a tentar a resolução de um puzzle via outra perspetiva. As fotografias podem ser rodadas, reposicionadas, até ajustadas ao nível para que possamos ter melhor acesso aos cenários que nascem da sua exposição.

A introdução de Viewfinder é eficaz porque nos ensina sobre o posicionamento das fotografias num ambiente mais controlado. É suposto demorarmos tempo a compreender os efeitos das fotografias em campo e dominarmos as novas perspetivas que nascem quando o nível se expande por novos cenários a preto e branco. Viewfinder expande a sua criatividade em três níveis interessantes: num nível temos de utilizar as fotografias para criar uma ponte para uma zona inacessível – cada fotografia é um local físico, logo, podemos adicionar mais cenários em conjunto e criar novas plataformas –; noutro é necessário utilizar a imagem de videojogos, como Tetris e Metroid, para termos acesso a power ups, que permitem a utilização de um salto mais longo; e, por fim, a implementação de desenhos que vão além das possibilidades das fotografias, com novas zonas estilizadas a nascerem em campo.
O segundo momento de destaque introduz a câmara como mecânica-chave e é aqui que começamos a compreender a magnitude de Viewfinder. Apesar de existir um limite de utilizações por nível, nós podemos captar tudo o que está disponível em campo através da câmara para criarmos plataformas, eliminar paredes, adicionar novas salas, construir pontes ou até copiar baterias e teletransportes. Imaginem que só existe uma bateria disponível num nível onde necessitamos de duas para chegarmos ao fim: basta fotografar a bateria e colocar a cópia em campo para a materializar. Outro exemplo: o teletransporte não só está distante, inacessível, como está de pernas para o ar. É impossível acedermos ao terminal para passarmos para o próximo nível. Não há problema. Tiramos uma fotografia, rodamos e posicionamos em campo. Nível terminado.

Tenho receio de ficar demasiado empolgado com as mecânicas e a experiência mais emergente de Viewfinder, mas o potencial é palpável. A demonstração é curta, mas consegue demonstrar como a materialização de fotografias, que podem ser de qualquer objeto em campo, é uma funcionalidade profunda e com inúmeras aplicações na resolução de puzzles. Sinto que Viewfinder é um videojogo que deve ser desafiado no seu próprio conceito, onde esticamos as regras para compreendermos os seus limites e até onde conseguimos contornar os seus puzzles. Mas há também um receio que nasce por entre tanto potencial, como a possibilidade de Viewfinder ser muito mais limitado e restrito do que aparenta ser. É preciso perceber se vai ser possível manipularmos ainda mais as fotografias, se existem limites no que podemos colocar em campo e se o número limitado de fotografias por nível não será já um primeiro sinal de impedimentos ao que devia ser uma experiência puramente emergente.
No entanto, Viewfinder conquistou-me. A seleção de níveis foi muito bem curada e sentimos a progressão dos puzzles e das mecânicas à medida que conhecemos melhor as regras do jogo. Fosse a utilizar uma parede como ponte improvisada ou a cortar uma rede com uma fotografia de nuvens, Viewfinder apresentou momentos em que fiquei genuinamente impressionado com a sua criatividade. O título da Sad Owl Studio vai assim para a minha lista dos mais aguardados do ano e mal posso esperar para jogar a sua versão completa. CAPTURE nunca se materializou, mas sinto que existe aqui alguma justiça poética na forma como conceitos semelhantes podem ter interpretações muito díspares. Talvez a minha mensagem seja outra, desta vez para os produtores portugueses – já estabelecidos ou ainda à procura do seu lugar na área de videojogos: não desistam.