Dark Forces II – Um filme Star Wars em formato videojogo

Por: Francisco Isaac

Em 1983, George Lucas soltava aquele que seria o último filme do universo Star Wars, deixando uma série de gerações orfãs de novo material no grande ecrã, iniciando aquilo que seriam 16 anos de “seca”. Porém, as gerações mais jovens, e que cresceram habituadas a ver o computador ou as consolas como um fiel companheiro, seja de tardes pós-escolares (ou quando fingíamos ficar doentes para não sair de casa) ou na abertura do fim-de-semana, tiveram uma vasta gama de jogos de Star Wars para preencher certos vazios que os comics ou livros não conseguiam completar.

Jogos de todas as formas e feitios saíram, desde os dedicados às soberbas naves como X-Wing, de 1993, ou os que construíram mundos paralelos com a trilogia original, como Rebel Assault, que também saiu no mesmo ano. Porém, em 1995 chegou para os PC’s e Sony PlayStation uma nova entrada neste universo, que estreeou personagens que nunca antes tinham sido vistas, com esse videojogo a ser Star Wars: Dark Forces. Exactamente, leram bem, um setting novo, protagonistas novos, planetas novos (Anteevy, Danuta e Fest, por exemplo), e um enredo que apesar de encaixar na timeline de New Hope, sabia a algo novo e capaz de atrair a atenção os fãs da trilogia original.

Não sendo o foco do que quero aqui falar hoje, este Dark Forces foi globalmente bem recebido na altura, apesar de ter sido alvo de algumas críticas por parte dos utilizadores de consola, muito devido a um frame rate baixo que tornava certas missões numa tortura, transformando todo o jogo num desafio ainda mais impossível do que lutar contra Palpatine com uma colher de pau e sem acesso à força.

Com um sucesso em mãos, a LucasArts não hesitou em dar sequência à história de Kyle Katarn com um novo plotline, que iria realmente expandir-se e atingir outras proporções. Assim, em 1997 temos o lançamento de Dark Forces II, o qual nunca saiu (até hoje) para qualquer consola! Se Dark Forces deambulava em redor de Episódio IV, com a Estrela da Morte a fazer uma breve aparição, já a sequela foi uma total revolução na narrativa, com Kyle Katarn a (re)iniciar o seu caminho na Força, com o antagonista maior a ser um Dark Jedi de seu nome Jerec.

Atenção, não estamos a falar de Siths, mas sim de Dark Jedis, uma ceita ligada ao lado negro da força, sem seguir os ensinamentos e religião dos Sith, tendo o seu próprio “core” de regras. Jerec era, de certa forma, um dos seus líderes mais aclamados, tendo servido Darth Sidious/Palpatine durante o tempo do Império como um Inquisidor (será que o veremos um dia nas viagens de Cal Kestis?).

Jerec formou o seu próprio grupo após a queda de Palpatine e tomou controlo de parte do esforço bélico do Império determinado em atingir um único e supremo objectivo: o Vale dos Jedis. Este é o setting da parte dos vilões de Dark Forces II, com Kyle Katarn a ter a missão de os interceptar e colocar um ponto final aos desejos perigosos de Jerec, que ambiciona reunir o poder dos espíritos dos jedis falecidos para se tornar no mais poderoso na história da saga.

A estrutura de Dark Forces II é igual ao seu antecessor, um first-person shooter carregado de plataformas, puzzles e alguns enigmas, oferecendo um world building desperto e, por vezes, imponente como a caótica e metalizada cidade-planeta de Nar Shaddaa. Quando comparados ao original, estes são níveis mais vivos, com o jogo a tentar inserir alguns (poucos) NPC’s em campo, como em Baron’s Hed do planeta Sulon, ainda que não seja o foco da sequela – esse continua todo na história e na forma como é contada.

É exactamente esse conceito em Dark Forces II que eu quero passar o resto do tempo a falar, como a LucasArts criou uma obra-prima (não envelheceu bem em termos de jogabilidade, mas não comecemos a ir por aí, se faz favor, senão corremos o risco de meter 80% do retro gaming em xeque) em termos de storytelling.

As cutscenes de Dark Forces II são aquilo que fizeram do universo Star Wars enorme: épicas, corny (a melhor expressão em português para tradução directa seria piroso, mas no bom sentido) e emotivas, exercendo uma boa influência sob o fã da saga ou cativando aqueles que não estavam tão por dentro de Star Wars. A actuação pode ser exagerada ou, por vezes, caricata, não querendo isso significar que são aspectos dissuadores ou maus quando falamos deste universo cinemático. A série só teve a ganhar ao abraçar este lado mais “campy” como um maneirismo identitário próprio seu.

Em Dark Forces II, temos tanto momentos em que as personagens demonstram emoções fortes e credíveis, como a interação entre Kyle Katarn com Maw, um dos Dark Jedi do grupo de Jerec – e que foi responsável por desfigurar post-mortem o corpo de pai do nosso protagonista -, ou situações mais extravantes e ridiculamente divertidas, em que o despique com Yun é uma demonstração excepcional disso mesmo.

Esses dois paralelismos, glorificados em toda a saga Star Wars, são extremamente bem compostos e articulados neste Dark Forces II, conseguindo adicionar uma trama que era merecedora da sua própria série ou sequência de filmes. Entre as cutscenes e a acção propriamente dita, ainda existia outro elemento cinemático que injectava os midi-chlorians suficientes para empurrar a nossa imersão para um pico mais alto: a narração de quem eram os nossos adversários pré-combate. Durante o jogo, Kyle Katarn tem seis duelos de sabre de luz contra o séquito de Jerec, subindo de nível de dificuldade a cada novo choque. Como não existia uma Wookipedia ou um manual facilmente consultável do lore de Star Wars na internet, cabia aos manuais dos jogos, revistas da indústria ou certos livros, informarem-nos quem eram certas personagens, as suas origens, motivações, etc.

No caso de Dark Forces II, pouco nos era dito fora do videojogo, caindo um manto de dúvida e mistério que só era levantado nos duelos graças à intervenção do defunto Master Jedi Qu Rahn, que descrevia alguns traços do adversário que estava diante de nós. Entre estes seis duelos, a tal narração do actor Bennet Guillory atinge talvez o seu pináculo máximo no frente-a-frente com Sariss – a única Dark Jedi conhecida por ostentar um sabre de luz azul –, descrevendo a ameaçadora Dark Jedi de uma maneira elegante e honesta, seguindo aquela linha condutora do storytelling de Star Wars.

Esta curta ponte entre a cutscene e a acção era o mecanismo perfeito para nos prepararmos para o combate, energizar o nosso interesse pelo adversário e sentir que estávamos realmente prestes a iniciar um duelo com sabres de luz. Com a banda sonora a ser praticamente a mesma da trilogia dos anos 70-80, sentíamos-nos a bordo do comboio da nostalgia, com a LucasArts a convidar-nos para dentro de uma “casa” acolhedora, excitante e misteriosa.

Este foi seriamente o primeiro jogo de Star Wars em que houve uma real e grande vontade em sair da história dos Skywalker, com novos heróis, lore e o desenvolvimento de uma galáxia que era extremamente larga e recheada de surpresas. Sem contar com os livros que se seguem a Return of the Jedi, Dark Force II foi a primeira criação de Star Wars que abordava o pós-queda do Imperador e Darth Vader, alertando que o Império ainda se mantinha activo e à procura de exercer o seu domínio. A existência deste jogo e o sucesso de vendas (esteve no top-20 do Reino Unido e EUA nos primeiros 6 meses) acabou por abrir caminho para Knights of the Old Republic ou Jedi Academy, jogos que tentaram aprofundar todo o lore de Star Wars.

O esforço de pensar, desenhar e produzir uma narrativa sem historial passado, desenvolver cutscenes e compor guiões para uma dezena de actores, e a vontade em permitir que a música de John Williams fosse reutilizada – com umas ligeiras adições de Peter McConnell (trabalhou em mais de 15 videojogos de Star Wars durante a sua longa carreira enquanto compositor ou editor de banda sonora) – já são motivos suficientes para imortalizar Dark Foces II no panteão da saga.

O brilhantismo de Star Wars Jedi Knight: Dark Forces II ainda tem mais um pormenor sumarento: possui dois finais. Durante todo o jogo, vocês podem alocar pontos de experiência em habilidades do lado light e dark da Força, e caso cheguem à batalha com Maw com um equilíbrio a pender para o mal, então terão direito a não só um final completamente diferente (não spoilamos aqui, pesquisem no youtube), como não irão lutar contra Sariss, mas sim Yun numa das missões finais.

Como viram, nestas quase 1600 palavras não falámos sequer da jogabilidade, do facto de terem a possibilidade de adquirirem doze habilidades da Força diferentes, ou deste ser o primeiro jogo em que podem ter um sabre de luz (os jogos dedicados ao New Hope, Empire Strikes Back e Return of the Jedi têm, mas é de outro “jeito”), o que torna esta viagem ainda mais interessante e desafiadora, que merece paciência, carinho e dedicação de um padawan.

Desde 1997, só dois novos protagonista surgiram com jogos standlone de Star Wars, sendo eles Starkiller e Cal Kestis, mas ambos ainda recorreram à imagem de Darth Vader ou a certos elementos associados fortemente a Palpatine e afins. Será interessante perceber o quão diferente será Star Wars Jedi: Survivor e como irá aprofundar o lore de Star Wars.

As aventuras e desventuras de Kyle Katarn e Jan Ors (uma extraordinária piloto que apoiou Katarn em todas as suas viagens e fez parte da rebelião) caíram levemente no esquecimento, ao jeito de como a democracia foi sugada pelo Império, mas um dia, talvez, teremos o acordar deste duo e das suas histórias por essa galáxia fora, com Dark Forces II a ser tudo aquilo que Star Wars é: brilhante, desafiante, trapalhão, imaginativo, emotivo e campy q.b..

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