Final Fantasy é, e será sempre, a minha série de conforto; o meu bitoque quando tenho uma carta enorme e não me consigo decidir. Por vezes, sou aventureiro e arrisco na variedade e na novidade, mas acabo sempre por voltar a casa.
Quando arrisco, ainda me consigo deslumbrar e conhecer coisas novas!, o que devia ser fantástico, não? Não, porque nesta situação é outra série para investir dinheiro e tempo! Fire Emblem, Tales of, Xenoblade, The Legend of Heroes, SMT/Persona, entre muitas outras mainstream e independentes. Sem dúvida que a oferta é muita e a qualidade também consegue superar alguns da minha saga favorita, mas isso são outros quinhentos porque estou aqui é para falar de uma que conheci há pouco tempo, ainda em 2022, e que tenho vindo a explorar na Nintendo Switch.
Falo de Mana, ou Seiken Densetsu, de Koichi Ishii, que não só pensou esta série, como foi responsável pela mitologia do cristal em Final Fantasy – obrigado! E ainda teve tempo para colaborar com SaGa, que também já cheirei.
Para mim, tudo começou com a Collection of Mana. Mas se tiver de dizer a verdade, eu já tinha tentado entrar nesta série há bastante mais tempo com o Sword of Mana e o Children of Mana, mas nenhum colou…
Esta colecção pegou nos três primeiros títulos da série e colocou-os numa bandeja acessível para finalmente conhecer os primos de Final Fantasy e isto não foi uma piada fácil, uma vez que o primeiro jogo chama-se Final Fantasy Adventure e combina o melhor das minhas séries favoritas – a jogabilidade de The Legend of Zelda e a costela de Final Fantasy, com moogles e chocobos e outras piscadelas familiares. Só a partir da sequela, Secret of Mana, é que a série se começou a despir destas influências para criar algo muito seu, plantando a Árvore de Mana no centro da sua mitologia. As sequelas vieram adicionar sempre mais, com uma nova estética, espécies, temas e folclore, mas sem nunca se esquecerem dos cristais, para minha felicidade.
A primeira aventura é deliciosamente simples, mas cativante e ternurenta ao ponto de me vender o resto da série. Aqui, seguimos a demanda de dois protagonistas, Sumo e Fuji (podemos escolher os nomes), em busca do vilão, convenientemente chamado de Dark Lord, que pretende controlar a Árvore de Mana, o sustento de toda a vida. Ao longo destas curtas horas, conhecemos e despedimo-nos de outros companheiros com reviravoltas ou destinos mais tristes.
O que também me sustentou nesta aventura foi a jogabilidade simples, mas viciante, embora limitada pela idade — o combate não é fluído, o inventário é bastante limitado e temos de ir aos menus trocar de habilidades/armas consoante a situação e/ou puzzles, mas se nos mentalizarmos de que estamos a jogar um produto fora do seu tempo específico, estes detalhes passam a ser não-problemas. E uma pessoa adapta-se facilmente.
Já a sequela pegou no melhor deste Adventure e elevou-o. A história é mais robusta, as personagens têm mais profundidade e o combate está mais refinado, com a introdução de um menu circular de fácil acesso para acedermos a itens ou a armas; uma inovação na altura! E o jogo é tão colorido e tão vivo que foi um prazer abrir caminho até ao final e explorá-lo ao máximo até aos créditos.
Neste mundo, uma antiga civilização avançada abusou da energia mana para construir a sua fortaleza voadora, o que não caiu bem com as divindades da série que retaliaram até à destruição desta civilização. No presente, o protagonista tropeça na titular Espada de Mana e retira-a do seu pedestal, libertando monstros que atacam a sua aldeia. Prontamente expulso, o herói junta-se a outra protagonista e a um pequeno espírito refilão para tentarem impedir com que um novo império obtenha todas as sementes da Árvore e reponha a mana para, assim, recuperar os destroços e a missão destrutiva da antiga fortaleza.
O último jogo desta colecção é o Trials of Mana, mas saltei esta versão e optei antes pelo remake também lançado na Nintendo Switch, com uns vistosos e coloridos gráficos 3D e um combate ainda mais adictivo. Honestamente? Tem o melhor combate e mecânicas da série, mas a pior história e a mais fragmentada, com três campanhas que dependem do trio de protagonistas que escolhermos na abertura. Não haveria problema em repetir o jogo para ver tudo, se o ritmo da história não fosse para lá de aborrecido e esta demasiado longa, mas repete-se e estica e engonha e quando acabamos o jogo, ainda temos um desvendar de algo mais por trás. Quando acabei, só queria mesmo avançar para outra coisa…
Não é que a premissa ou as histórias/motivações individuais sejam más, é mais a maneira como decidiram apresentá-las. O mundo refeito com a destruição dos oito Benevodons, ou criaturas divinas, pela Deusa de Mana que adormece em forma de uma grande árvore é interessante; mesmo os vilões conseguem ter a sua pinta, mas eu estava tão confuso com o que acontecia em segundo plano que estava mais para lá do que para cá. Não gostei disso no Final Fantasy Type-0, não gostei disso aqui e fui ver o resto ao YouTube.
Por estar desmotivado com o Trials, não sentia grande fome com o Legend of Mana, um spin-off, e não sequela da trilogia. Apesar de a dinâmica ser semelhante a Final Fantasy, com as sequelas independentes de tudo para trás.
Demorei a pegar e demorei a escrever. E ainda o comecei três vezes porque não estava a sentir a coisa…, tendo até pesquisado no Google: Is Legend of Mana boring?, só para ter aquela validação tola. Porquê? Porque a história também não era linear, mas ainda mais fragmentada e obtusa. Como estava de férias e sem por onde fugir, avancei à valente e dei por mim agarrado e a apanhar o meu queixo do chão.
Legend of Mana é maravilhoso e restaurou-me o apreço pela saga, mas ainda lhe consigo reconhecer o menos bom. Apesar de este jogo ter um princípio; vários meios; três finais e uma última conclusão, não tem um fio condutor, mas um novelo de fios de auscultadores enrolados no bolso. Sem metáforas: tiro o chapéu a quem passou o jogo às cegas na altura porque achei a progressão obtusa e frustrante, que só dava mesmo com um guia que deixo aqui. Só assim consegui seguir e apreciar os três arcos principais e todos os contos de fadas deste mundo que íamos construindo artefacto a artefacto. Pensem nas várias histórias dos Octopath Traveler, se quiserem, mas sem as rodinhas de apoio.
O mundo de Legend of Mana, Fa’Diel, deixou de existir com a destruição da Árvore de Mana há muitos séculos. Como consequência, e para aproveitarem as réstias de mana, estalou outra guerra entre as fadas e os humanos, acentuando o ódio entre estas espécies.
Só quando a guerra terminou, é que a Árvore começou a recuperar, mantendo as várias regiões de Fa’Diel separadas em artefactos que vamos libertando para aceder a novas áreas e cenários. Na teoria, existe uma ordem de acontecimentos e posições específicas no mapa onde devemos plantar os artefactos; na prática? Tábem, abelha… Claro que fiz ao calhas, correndo o risco de bloquear o meu progresso, mas foi uma missão falhada com sucesso porque vi tudo!
O progresso depende muito da serendipidade e do que já fizemos; onde já fomos; quem temos na equipa; se confirmámos os bicos de gás três vezes; tocámos nos interruptores aos pares e saímos de casa com o pé esquerdo.
Daí ser vital um guia!, e porque o usei, pude apaixonar-me por Legend of Mana, onde cada conto puxava ao sermão do só mais um, só mais um. Muitos eram queridos, outros tristes, mas tantos eram bizarros, como seguirmos uma tripulação de piratas pinguins; uma dupla de artistas ambulantes com crises existenciais; dois irmãos feiticeiros expulsos de um colégio mágico, onde o grosso dos alunos se balda ou aquele do peixe milionário que perde tudo. Pequenos episódios isolados ou que contribuíam para algo mais e se cruzavam com o restante elenco.
No entanto, podemos apenas seguir os três arcos principais: um que nos coloca entre dois irmãos dragoon que servem dois mestres dragão diferentes e com motivações distintas; outro que segue o fim da guerra das fadas e apresenta-nos quatro amigos, com dois deles apaixonados, mas proibidos de manter uma relação por serem tão diferentes – um é metade demónio e outra é uma líder espiritual de elevada importância na sociedade. O último arco aborda a tribo Jumi, uma raça de indivíduos que se destaca pelos cristais cravados no peito e levados quase à extinção pelo valor dos seus cristais e propriedades.
Cada um destes arcos é bonito e emocionante e dava um jogo por si só, mas a aventura não acaba porque o verdadeiro final ainda nos leva a ascender à grande Árvore de Mana.
Ao contrário de Trials, onde amei o combate e odiei a história, aqui foi o reverso. Amei a história e odiei o combate porque foi um retrocesso do melhor que a série me apresentou. Aliás, este combate não tem nada a ver com as prequelas e é péssimo, lento, rígido, tosco e está a mais quando só queremos explorar, mas abençoada opção para desactivar os combates aleatórios! O que dá pena porque os vilões e os confrontos são bem vistosos e épicos…
Legend também bem que podia ser simples, mas insistiu em complicar o que não devia e não bastou o combate, como também se empilha de mecânicas e sistemas que podemos ignorar à vontade, como a captura de criaturas ou dos espíritos da série com instrumentos musicais ou a construção de autómatos com peças de Tetris.
Contudo, é das obras mais lindas que já tive o prazer de jogar, com uma estética muito encantada e onírica e inspirada em contos de fada e uma banda sonora magnífica da genial Yoko Shimomura. Saí com a barriga, com os olhos e ouvidos regalados e estou tão feliz por ter colado à terceira vez. Felizmente, existe a série animada (Legend of Mana: The Teardrop Crystal) que torna este Legend of Mana mais acessível de acompanhar e, à data de escrita, já vou no sétimo episódio. Cortam palha, mas o sumo está lá e está impecável.
No final, não interessa como consumimos; para onde vamos; quando vamos e como vamos, interessa é irmos.