Street Fighter: do unidimensional ao story building profundo

Por: Francisco Isaac

Ryu vs o Mundo, era este o setting que Street Fighter, o original de 1987 (bom ano!), apresentava aos jogadores de arcada, podendo o Player 1 controlar a mítica personagem durante o curso de 11 combates, indo do Japão aos EUA, da China à Inglaterra e terminando a sua viagem na Tailândia. O objectivo? Ser o melhor dos lutadores neste Campeonato Mundial de Luta de Rua (diferente de luta-livre, atenção), e ver o seu score final plantado no ecrã, para todos os transeuntes dessa arcada darem uma vista de olhos e ficarem, ou não, impressionados com tal façanha.

Isto era a base de Street Fighter, um jogo que apresentava uma mão-cheia de inputs que permitiam ao controlador de Ryu (ou Ken) lançar murros, pontapés, bloquear ataques ou agachar-se, podendo ainda lançar três super ataques, que ainda hoje habitam na saga de Street Fighter: Hadōken, Shoryūken ou Tatsumaki Senpū Kyaku (ou como muitos de nós dizíamos, txe txere peruken!).

Era só isto, mas foi o suficiente para convencer a Capcom a dar continuidade a este jogo de combate e a convertê-lo num dos seus principais activos, apaixonando novos fãs a cada novo lançamento, contagiando os que já estavam vidrados neste mundo. A paleta de cores de Takashi Nishiyama, Hiroshi Koike e Hiroshi Matsumoto (criadores, produtores e pensadores de Street Fighter de 87’) era básica, mas rapidamente começou a se muscular, procurando formas de se transcender, com a evolução de Street Fighter para Street Fighter II: The World Warrior – publicado em 1991 – a ser um murro em cheio na direcção de conquistar os fãs.

Dos 11 lutadores que surgiram naquele primeiro jogo de arcada, só 3 sobreviveram ao corte, apesar de Gen, Adon, Geki, Eagle, Birdie (inspirados no golfe?) terem regressado em algumas versões atualizadas (como a série Alpha), com Ryu, Ken e Sagat a chegarem “vivos” a Street Fighter II. E quem se juntou depois? Um verdadeiro roster internacional, com Blanka (Brasil), Honda (Japão), Chun-Li (China), Zangief (União Soviética… ainda, sim!), Dhalsim (Índia) e Guile (EUA) a serem as 8 personagens controláveis, com Balrog (EUA, e inspirado em Mike Tyson), Vega (Espanha), Sagat (Tailândia) e M. Bison (a Capcom desfez as dúvidas, e num manual explicou que o vilão principal era, também ele, da Tailândia) a serem exclusivos do CPU.

Contudo, não foi só nos comandos, inputs e construção estética que surgiram as novidades, uma vez que as personagens receberam também conteúdo narrativo, passando de uns meros peões sem recheio para heróis, heroínas ou vilões com sonhos, objectivos e um caminho a trilhar. De Ryu a continuar a sua viagem em busca de um novo adversário, a Blanka a reencontrar a sua mãe, a Chun-Li ter vingado o seu pai e poder, finalmente, dar continuação à sua vida, as nossas 8 personagens ganharam personalidade.

Mas porquê esta necessidade de insuflar vida e personalidade a duas mãos cheias (e dois dedos de um pé) de lutadores? Não há uma resposta absoluta para esta pergunta, mas podemos teorizar que o ambiente de combate, e o facto de cada personagem ter de sobreviver uma viagem intensa e dolorosa, acabou por criar uma ligação entre o jogador e cada um destes “bonecos” que podíamos controlar.

Poderá aqui entrar a questão de se Street Fighter foi influenciado por outros videojogos do género na sua época, como Fatal Fury, ou, se foi ele a influenciar os seus rivais? É outra pergunta delicada, e cuja resposta poderá não ser clara o suficiente, porque Tekken ou Virtua Fighter só ganharam tração anos após a saída de Street Fighter II (1994 marca a saída do primeiro Tekken). Fatal Fury: King of Fighters (1991) trouxe alguns elementos interessantes, mas nenhum que directamente influenciasse Street Fighter a desenhar as histórias de fundo das suas personagens.

Todavia, o aparecimento de novos jogos de luta poderá ter forçado Street Fighter a tentar optar por um storybuilding mais cativante com as suas personagens, de forma a se diferenciar e ganhar a frente nesta competição. Tekken depois viria a construir o “mundo” dos seus lutadores, e Mortal Kombat, que saiu em 1992, acabou por combinar os elementos fantásticos com a violência total (mais “realística”, talvez?) para criar o seu próprio nicho.

Porém, há uma certeza importante: Street Fighter foi o primeiro a introduzir o elemento “internacional” ao ringue, com várias nações a cruzarem caminhos e a verem as suas bandeiras, pormenores artísticos/culturais, e até acordes musicais (quem se esquece da bela rockalhada emotiva do stage de Guile?) a ganharem vida dentro destes cartuchos da Super Entertainment Nintendo System, e depois Atari, Amiga, e outras.  

Foi, talvez, dos primeiros jogos em que efectivamente tínhamos o elemento “internacional” em campo, com várias nações a cruzar caminhos e a verem as suas bandeiras, pormenores artísticos/culturais, e até acordes musicais (quem se esquece da bela rockalhada emotiva do stage de Guile?) a ganharem vida dentro destes cartuchos da Super Entertainment Nintendo System, Mega Drive e depois Atari, Amiga, e outras.  

Street Fighter II foi tão extraordinariamente forte e avassalador que acabou por gerar novas intra-sequelas, como Champion Edition, Turbo, Turbo – Hyper Fighting, The New Challengers, com estas edições a introduzirem novidades que iam desde os estilos de combate de Ryu e Ken a se diferenciarem, até podermos controlar Sagat e os restantes membros de Shadaloo, sem esquecer que em Turbo temos um hidden boss, e talvez dos melhore vilões de todo-o-sempre: Akuma!

Em cada Street Fighter II foram adicionadas ainda mais personagens, com mais histórias e um desenvolvimento narrativo ainda mais lato e sólido, pedindo só algo da nossa parte: imaginação. A história de Ryu tinha de ser parcialmente construída por nós, imaginando os diálogos que teria com cada rival, na sua ligação com Ken Masters e Chun-Li, passando depois para aquele super combate contra Sagat e, mais tarde, com Akuma. Street Fighter tinha deixado de ser um simples jogo de combate, de troca de golpes em que pulsávamos cada botão com uma força bruta ou agilidade leve, de modo a sermos os reis da rua, passando a ser também uma ruela carregada de histórias que era contada pelas reações pós-combate ou quando terminávamos o jogo, existindo ainda o pormenor da sua replayability.

Este “mundo” de combate de rua tinha deixado de ser um simples jogo de luta, de troca de golpes em que pulsávamos cada botão com uma força bruta ou agilidade leve, de modo a sermos os reis da rua, passando a ser também uma ruela carregada de histórias que era contada pelas reações pós-combate ou quando terminávamos o jogo, existindo ainda o pormenor da sua replayability.

Do salão das arcadas até à televisão na sala, Street Fighter depois desembocou em outros universos, como as cadernetas de cromos, onde cada personagem tinha a sua história contada (rica Panini), séries de animação (a de 1995 merece carinho e atenção de quem é fã de Street Fighter), atingindo até a grande tela (o podcast Isto Não é Um Jogo tem um episódio inteiro dedicado a este filme realizado e produzido por Steven E. de Souza).

Retornem por momentos a 1987 e à filosofia e moldes básicos de Street Fighter, e olhem agora para Street Fighter 6 que está a pouco meses de sair para as consolas de nova geração, e notem como esta série ganhou um multiverso extremamente divertido e dinâmico, surpreendendo-nos a cada nova entrada. Veja-se Cammy, uma das novas personagens de Street Fighter II: The New Challengers, que durante 30 anos teve sempre as mesmas vestimentas e maquilhagem, largando aquele body/leotard verde para algo mais actual, deixando cair por terra as suas longas tranças, para ter um look ainda mais agressivamente fixe! Mas esta mudança de look não tem só uma finalidade estética, tem também um objectivo narrativo, com Cammy a ter virado a página depois de (finalmente) derrotar Shadaloo, alterando toda a sua vibe para algo mais casual, como se tivesse chegado o momento de aproveitar a vida fora das guerras de espionagem.

À medida que novos jogos ganharam vida, desde Alpha ou Street Fighter III, mais o multiverso desta série foi ganhando dimensão, com novos filmes, séries, cromos, comics, mini-jogos, entre outro tipo de conteúdos da mais variada índole, subindo constantes patamares até termos um produto finamente articulado e imaginativo.

Em Street Fighter 6, espera-nos um novo capítulo de vida de cada uma das personagens, com Ryu a ter superado as tentações de Satsui No Hado, e assim atingido uma nova fase da sua viagem; Ken Master é agora um fugitivo, vítima de uma conspiração internacional; Chun-Li volta a ensinar depois de (aparentamente) Bison ter finalmente perecido em combate.

Se Street Fighter não evoluísse as personagens além de grafismos mais bem delineados, mais técnicas de combate (que parece-me que atingiu o tecto, sendo já difícil o suficiente), não teria o séquito de fãs que possui, nem a quantidade infindável de diversos meios para contar as histórias, existindo uma sede constante de quem está com o comando nas mãos.

Novos capítulos numa narrativa que cisma a querer inventar cada vez mais storytelling que não é feito em largos diálogos e conversações, mas sim em interações curtas pré e pós combate, ou mesmo durante os mesmos, algo que vemos em Street Fighter 4, isto quando temos os combates de rival. Ryu vs Akuma, no stage Volcanic Rim, continua a ser uma das interações mais emotivas de toda a saga, que merece ser revisitado vezes sem conta.

Nem todo o world building ou as narrativas têm de sair da mesma forma, ou forno, e Street Fighter é um exemplo de excelência de que é possível ter “histórias” emotivas num jogo dedicado a combates corpo-a-corpo, fazendo-nos trabalhar e sofrer para descobrirmos todas as camadas de cada uma das personagens, e perceber o brilhantismo deste universo.

Bem-vindos ao mundo de Street Fighter, cliquem em start, escolham a vossa personagem (a minha será sempre Ryu, mas o Ultra de Akuma Shun Goku Satsu é das coisas mais irresistíveis de todo-o-sempre) e imaginem-se na pele desse lutador que escolheram para vos representar!

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