Por: Francisco Isaac
(Sons impreceptíveis) tin tin, tiriiinn, tirrinnn, (continuam os sons impreceptíveis ao ouvido humano, canino ou felino)… taannn, tan tan taaan, taraaaannn!!!
Para quem não percebeu o que raio estava a tentar trautear, é a música Moon Theme, de Ducktales, a original de 1989/1990, uma das melhores composições de um jogo de consolas de 8-bits, 16-bits, 32-bits, 4K, o que quiserem, não só pela nostalgia que paira em cada nota e crescendo, como pela magia que injecta ou se desdobra num dos níveis mais emblemáticos de uma das séries de animação mais amadas dos últimos 50 anos.
Mas este não é um texto ou reflexão só dedicada à complexidade ou encanto de uma música que tem ganho evoluções cada vez mais emocionantes (na nova série de animação dos Ducktales tem lá duas cenas que simplesmente fazem jus à força do Moon Theme)… é sim uma tentativa de mostrar o peso que um videojogo pode ter para a formação de uma pessoa, independentemente de ter acontecido há 30, 25 ou 20 anos.
Ducktales foi dos primeiros jogos que joguei na Nintendo Entertainement System (NES), isto lá para os idos de 1994, tendo-me sido ofertado pelos meus pais. Como vários miúdos da minha geração (1987), o Tio Patinhas, Pato Donald, Huguinho, Zezinho e Luisinho, e a restante corte daquele universo da Disney fizeram parte do meu crescimento, e alimentaram horas de leituras e motivaram-me a imaginar mundos diferentes, ajudando a desenvolver algumas áreas da minha personalidade.
Deixando de lado a parte pedante da importância destas personagens para a minha individualidade, Ducktales, ou Patoaventuras como era conhecido em Portugal, era seriamente algo que jorrava felicidade e excitação, com aquela trupe a viajar por terras e locais misteriosos, a enfrentar seres lendários e arquirrivais temíveis, com aquela veia anedóctica a encher cada mini-tela.
Quando em 1994 recebi em mãos Ducktales, e tirei da caixa para, em primeiro lugar, olhar para o autocolante daquele cartucho, e de seguida o inserir dentro daquela maquineta chamada de Nintendo (era assim que a chamávamos), só me lembro de querer ver com quem podia jogar, que locais iríamos nos aventurar, e que tesouros iria ajudar o Tio Patinhas descobrir.
O verdadeiro primeiro grande momento de excitação deu-se logo com o menu inicial… pimba, música da intro da série de animação (decorreu entre 1987 e 1990, mas só a veria em 1993 fruto de umas VHS preciosas) logo a abrir, e a elevar o meu sorriso para um nível máximo de alegria. Carrego start e segue-se o segundo momento de apogeu: escolher por onde começar!
Parecendo que não, este foi um dos momentos que marcou o início da minha vida com o mundo dos videojogos (existiram outras, como ver o meu pai a ficar louco de irritação com Super Mario, ou a fazer um score brutal em Tetris, ou o início das minhas aventuras em Secret of Monkey Island), e que até hoje tenho perfeita recordação da sensação de ver as tais escolhas:
- Ir até aos Himalaias, e enfrentar as hordas de Yetis;
- Viajar até à Amazónia e descobrir os segredos ancestrais;
- Explorar minas esquecidas em África;
- Atravessar os medos e sustos da Transilvânia;
- Orbitar na Lua e defrontar vida extraterrestre;
Com uma música sempre brilhante por detrás, como a tal Moon Theme, o jogo permitia-nos explorar estes cinco universos na pele (ou penugem) do Tio Patinhas, que aqui e ali encontrava um amigo, como Launchpad McQuack, explorando cada passagem e espaço através de uns simples comandos: salto normal, salto com a bengala, dar uma bastonada em objectos para acertar em inimigos ou partes do cenário, baixar e subir por trepadeiras ou cordas. Ah, adicionar ainda que podíamos andar numa espécie de carrinho de transporte de materiais, sendo sempre uma experiência perigosa, porque ou coordenávamos bem o momento para saltar, ou lá íamos para um buraco e reset ou game over!
Tudo isto parece ser muito straightforward e fácil – sendo que o mais difícil era conjugar os tempos de salto com a chegada de um inimigo –, mas existia ainda outro pormenor delicioso que só me apercebi da sua total excelência quando comecei realmente a ter em atenção a certos detalhes: áreas secretas, chaves-mistério e tesouros! Para chegar a essas áreas escondidas tinha de explorar os níveis até ao mais ínfimo detalhe, tentando subir para zonas que pareciam inacessíveis, mas, que na realidade, permitiam-me encaixar dentro delas, como se fosse o Tio Patinhas a descer ou entrar por uma gruta secundária nos desenhos-animados.
Outros detalhes geniais iam saltando à vista, como os Irmãos Metralha a tentarem raptar um dos sobrinhos ou Webby, ou as ajudas preciosas dadas por um dos fiéis companheiros dos Patoaventuras, desaguando depois em alguns dos bosses finais mais memoráveis como Maga Patalójika ou o Rei dos Terra-firme, sem esquecer o nemesis do nosso protagonista, Pão-Duro MacMônei, sendo a perfeita transição dos nossos livros-de-quadradinhos e televisão para um videojogo.
Foi efectivamente a primeira vez em que comandei um protagonista de uma série da minha infância, sentindo-me não o “controlador” de Tio Patinhas, mas sim um fiel companheiro nas suas incríveis aventuras, ajudando-o a saltar e a ludibriar todo o tipo de adversários, na corrida para encontrar tesouros perdidos, e ajudar a encher a sua amada caixa-forte! E aí chego a um pormenor que ainda hoje me faz ficar com lágrimas nos olhos, e com um aperto (bom) no peito: as imagens e iconografias das histórias dos Patoaventuras.
Sou filho de dois pais com veia de artista no desenho e pintura – do qual eu herdei zero – e desde que me conheço, pedia-lhes para desenharem as minhas personagens favoritas, como se eles fossem realmente os artistas responsáveis pela concepção do Rato Mickey, Tio Patinhas, Pato Donald, She-Ra, ou Optimus Prime, arrancando um sorriso ensolarado da minha parte.
Quantas vezes interrompi jantares de amigos (desculpem pai e mãe) para os chatear com o repetido mesmo pedido “por favor podem-me desenhar a “casa” do Tio Patinhas, por favor?” (quando queria dizer casa, era a caixa-forte), saindo um deles da mesa de jantar para se sentarem no sofá e, num espaço de minutos, arquitectarem com um lápis aquela imagem tão fortemente associada ao Patoaventuras.

O poder da arte do desenho, do reconhecer certas e determinadas personagens, e de vê-las a ganhar forma e vida tanto à minha frente graças a um par de mãos dotadas de génio, como no ligar de uma caixinha mágica chamada de consola, e ver esses mesmos bonecos a ganhar vida na televisão e a pedir para me aventurar pelo seu mundo, era algo extraordinariamente inexplicável. A caixa-forte nas minhas mãos cravejada por cores escolhidas por mim, ou aquilo que pareciam níveis infindáveis altamente bem desenhados, faziam-me sentir ao mesmo tempo em “casa”, como a sonhar.
Os Patoaventuras e o mundo do Tio Patinhas e amigos (não confundir com o universo mais lato onde estava Mickey, Pateta, Daisy, Minnie, e afins, que seriam vindicados em Kingdom Hearts, com todo o mérito e justiça) foram parte fundamental da minha construção enquanto pessoa, não só pela loucura animada de cada uma dessas personagens, como pela vontade de ir em busca da história esquecida da “patonidade” e de ir atrás do desconhecido, mesmo que isso implicasse perder-me na espectral Transilvânia ou na longínqua e inalcançável lua.
Façam o favor de clicar no link aqui colocado, e ouvir esta espectacular reedição de Moon Theme e digam-me se isto não ressoa em vocês, particularmente aqueles da minha geração ou de gerações mais próximas.
Este Moon Theme é a plena evolução não só de um dos temas musicais mais fenomenais de Ducktales, mas também de cada um de nós, demonstrando que a criança em nós teve uma (esmagadora) palavra a dizer naquilo que acabámos por ser.
Em 2017, a Disney lançou novamente a série Ducktales e, num pormenor de génio (sim, a Disney consegue ainda brincar com os nossos sentimentos, deixemo-nos de pedantismo), atirou cá para fora a versão “actual” de Moon Theme.
Lembro que em 2013, Duckatles voltou a ser remasterizado e manteve tudo aquilo que o fez tão especial na altura, sendo prova viva que nem tudo tem de ser alterado a 100% para ser considerado de “bom”… basta fazer jus ao universo do qual proveio, e tentar ligar as diversas gerações bafejadas por esta série.
Não sei se estou destinado a ter filhos, e caso os venha a ter não vou conseguir desenhar as caixas-forte do Tio Patinhas ou os aviões do McQuack, mas prometo que lhes vou mostrar os videojogos do passado e presente, acompanhando-os nessa viagem, imitando as vozes das várias personagens, algo que tenho jeito para fazer.
Ducktales continua a ser um jogo de antologia e merecedor de uma visita apaixonada, séria e despretensiosa, sendo um daqueles tesouros da “velhinha”, mas poderosa NES que tem e merece um lugar especial, e Moon Theme (que despoletou todo este texto) é uma pequena prova disso mesmo.