Por: Octávio Silva
Basta olharmos para Wild Hearts para as comparações à série Monster Hunter, da Capcom, serem irrefutáveis. Estas comparações não são surpreendentes quando o conceito de caçar monstros foi aperfeiçoado e iterado pela Capcom, ao ponto de associarmos o género a uma das suas séries mais icónicas. Isso não quer dizer que outras produtoras não tentem a sua sorte e títulos como Dauntless da Phoenix Labs, God Eater da Shift. inc, e Toukiden da própria Omega Force, demonstram que ainda há espaço para experimentar num género onde é difícil vencer.
No caso de Wild Hearts, é impressionante identificarmos o nível de qualidade mecânica deste que já pode ser considerado como um dos melhores do género, ao demonstrar que percebe os seus fundamentos, e ainda é capaz de adicionar novos elementos que complementam muito bem com o que já existe. O que me surpreendeu foi perceber que Wild Hearts faz tudo isto sem tornar-se demasiado complexo, antes pelo contrário, é dos mais simples do género, oferecendo profundeza para quem quiser tirar máximo proveito de todos os sistemas ao dispor, mas mantendo-se como uma fácil entrada para novos jogadores interessados no género – embora sofra de graves problemas técnicos.
Do lado positivo, um dos grandes pontos fortes deste jogo é a sua vibrante apresentação visual, não só pelo estilo de arte, mas na complexidade dos ambientes que exploramos. Desde áreas com templos em ruínas a campos abertos cobertos em capim-dos-pampas, e um ilhéu cheio de diversidade marítima, cada área oferece um ecossistema único e distinto que varia de capítulo a capítulo. Um pormenor que poderia estar presente, mas cuja ausência poderá ter sido intencional, era vermos monstros à luta entre si em território alheio ou a meio de um combate, o que reforçaria a beleza e o perigo de cada local do jogo. Dito isto, é evidente que, em termos de fidelidade, o jogo não é tão atraente, embora seja um exclusivo para as novas consolas, e às vezes até pode ser confundido com um jogo da geração da PS3/Xbox 360 – particularmente a versão da Xbox Series S, que devem evitar a todo o custo -, mas o impacto é compreensivo devido aos vários elementos dinâmicos e destrutivos pelas batalhas com os Kemono, os monstros de Wild Hearts.
Um dos meus aspetos preferidos dos Kemonos é como cada um tem uma linguagem visual clara e distinta, que permite uma boa leitura nos pontos fracos e os tipos de ataque que eles executam, visto que são baseados em animais. Desde aves que usam os seus bicos para picar ou as suas asas para fazerem ataques aéreos, quadrúpedes que usam os seus corpos para pisarem, rebolar ou usarem as suas caudas e bípedes que dão aso aos seus braços para ataques mais potentes. As suas aparências também são deslumbrantes em termos de escala e detalhes, com o Kingtusk, um porco gigante do tamanho de um autocarro britânico de dois andares, e o Lavaback, um gorila de pedra coberto com lava, a serem dois dos meus preferidos. Digo isto porque o sistema de combate prioriza posicionamento e estratégias de alto risco, altas recompensas e ter uma leitura clara dos ataques inimigos é sempre importante para podermos suceder nos nossos esforços.

O combate em Wild Hearts é simplesmente incrível, e como mencionado antes, a Omega Force percebe os fundamentos do género em termos de mecânicas, balanço e sensação e aplica-os perfeitamente, mas as afinações executadas aqui, quando comparadas com os seus contemporâneos, são vastas, o que resulta numa experiência mais arcada do que o combate oferecido por Monster Hunter. A movimentação é rápida e precisa, vários ataques podem ser cancelados a meio de combos, e das 8 armas disponíveis, cada uma oferece uma mecânica única que quando dominada, dá-nos vantagem durante as caçadas. Por exemplo, a espada pode ser transformada num chicote, um guarda-chuvas aumenta o dano dado cada vez que atacamos com frequência ou bloqueamos no momento certo, e o bastão que contém 5 variações.
Durante o meu tempo com o jogo, criei duas builds, uma focada no guarda-chuva e outra com as claw blades, que diria que a referência mais próxima é o equipamento de manobras verticais presente no anime Attack on Titan. Mas além destas duas armas, também passei um bom tempo com outras opções, o que me fez compreender que o meu estilo, comparando agora a Monster Hunter, é baseado em variedade e existe um gosto em encontrar as armas certas para determinados Kemono – especialmente em sessões a solo. Para vos dar exemplos concretos, gostei de usar o guarda-chuva contra inimigos como o Kingtusk, e o arco e flecha contra o Lavaback. Além desta base, temos uma novidade mecânica através das Karakuri, objetos construtivos que oferecem um elemento de profundidade importante ao ponto de definirem a nossa vitória ou derrota em certas expedições.

Semelhante a Fortnite, em que podemos construir estruturas em qualquer instante, as Karakuri oferecem um nível semelhante de criatividade baseado em três camadas de complexidade. A primeira camada, denominada “simples”, permite-nos montar caixas para chegarmos a sítios altos, trampolins para esquivar, planadores para cortar mato e outras opções que podem ser combinadas para formar estruturas defensivas e ofensivas. É aqui que surge a segunda camada, conhecida com “fusão”, em que podemos montar muros, martelões, canhões, arpões, armadilhas, névoas de cura e muito mais. Admito que subestimei a importância de algumas destas estruturas e tive caçadas em que passava mal apenas por pura teimosia. Por exemplo, nos 4 últimos bosses do jogo, eu fiquei genuinamente preso com um deles durante dois dias até ter variado o meu uso de Karakuri, que me deu uma grande vantagem que não estava a espera, o que sinaliza que a Omega Force quer que tiremos proveitos de todas as ferramentas ao nosso dispor.
Claro que podemos jogar com estratégias diferentes e únicas para nós, e isso vê-se online com jogadores a fazerem builds focadas nos Karakuri e não nas armas, o que é impressionante. Fora do combate, as Karakuri também têm um papel importante na navegação das zonas que frequentamos, sendo estas vastas e abertas, semelhante a Monster Hunter, cheias de caminhos escondidos e segredos para serem descobertos. Aqui apresenta-se a terceira camada, de nome “dragão”, em que tendas definem os nossos pontos de fast travel, torres localizam os Kemono mais próximos, tirolês que nos levam de ponto A ao ponto B, entre outros que também servem um propósito decorativo. Já agora, se este excesso de informação parece ser um pouco intimidante, não se preocupem porque o jogo faz um bom trabalho em explicar com cuidado a função de cada mecânica e até a sugerir algumas mecânicas escondidas, algo que eu adoro.
Em termos de personalização e melhorias no nosso equipamento, o jogo está bem equilibrado com as recompensas que recebemos das caçadas, e as matérias que recolhemos ao longo da nossa expedição são bem explicadas pela enciclopédia presente no menu, mas tenho que reconhecer que há momentos em que o grind pode ser demasiado. Em alguns momentos absurdos, e embora existam vários Karakuri que nos ajudam neste aspeto, o jogo pode parecer injusto pelo número de recursos que nos dá, mas isso irá sempre depender da nossa paciência e dedicação a repetir confrontos. No que toca à narrativa, um dos aspectos frequentemente negligenciados ou pouco desenvolvido nestes jogos, senti que nem má ou perfeita, mas algo sólida e com coração que te mantém investido do início ao fim. Não só a narrativa com as personagens que interages, sendo elas credíveis e cheias de personalidade, especialmente o dialogo. A música também é um esplendor ao acentuar momentos épicos durante as caçadas e ao tornar as cutscenes, ou qualquer momento mais calmo, em algo mais empolgante.
A única grande praga atual é o online, que continua instável. Nos melhores momentos, um grupo de 3 caçadores, cada um com armas distintas a executar o seu papel, resulta em momentos entusiasmantes, e no piores, resulta em monstros a teleportar-se de um lado para o outro e conexões a cortarem abruptamente. Estes problemas serão resolvidas nas próximas semanas, mas se estiveres num ponto difícil em que queres a ajuda de outros jogadores, terás grandes dificuldades em te desenrascares, tal como me aconteceu durante as minhas últimas horas.
O lado técnico é despontante, especialmente no estado em que foi lançado. Com contexto, escrevo esta análise 2 semanas depois do lançamento do jogo, e mesmo com melhorias que o colocam num estado aceitável, continuei a registar vários problemas, especialmente na versão PC. Felizmente, estou a jogar a versão da PS5 no modo performance, e embora os problemas não sejam tão graves, ainda estão presente, sendo eles problemas de framerate, devido à intensidade da ação, e motion blur, que mancha a imagem ao invés de fazer o seu trabalho, que, já agora, recomendo desligarem se querem uma imagem limpa e clara. Fora disso, com mais de 40h investidas, o enredo principal finalizado e agora navegando pelo endgame, não só vejo uma forte fundação para o que pode ser um novo IP, mas também um produto capaz de competir com Monster Hunter, no que toca a convidar nova gente para este género, e com a confirmação de conteúdo grátis a caminho, o futuro promete para a Omega Force e Wild Hearts.

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