É fácil criticar o modelo open world e retirar-lhe mérito devido à sua popularidade e estandardização na indústria dos videojogos. Em primeira análise, podemos associar ao modelo muitos dos problemas que assolam as modas atuais de Game Design, desde as missões repetitivas, mas numerosas até aos mapas descaraterizados pela quantidade de conteúdos gamificados que servem apenas para manter o engajamento dos jogadores a longo prazo. No entanto, não podemos recusar e negligenciar o seu potencial. Não podemos, por exemplo, abraçar títulos como The Legend of Zelda: Breath of the Wild e considerar que experiências como Horizon Forbidden West são formalmente inferiores quando a base é a mesma – mudando apenas o foco. Eu faço parte do problema ao criticar em vez de procurar soluções e é isso que me faz pensar uma vez mais sobre o modelo devido a duas surpresas recentes que conseguiram resolver parte do meu problema com os mundos abertos.
Se os conteúdos excessivos são o alvo prediletos das críticas, peço que desviemos a atenção antes para a movimentação. Os conteúdos adicionais – missões, colecionáveis, DLC – são um problema, que já se enraizou permanentemente na indústria e nas produções AAA ao ponto de alterar por completo o ADN de séries conhecidas pela sua linearidade (God of War) -, mas à semelhança dos metroidvania, os jogos em mundo aberto só conseguem sobreviver se apresentarem mecânicas de movimento suficientemente fortes para aguentar a expansividade dos seus cenários. Como nos deslocamos em campo? Temos acesso a novos veículos e existe uma progressão nessas opções? A nossa personagem é suficientemente ágil para percorrer grandes trechos dos mapas? Existe um sistema de fast travel acessível e sempre disponível? Acredito que estas perguntas sejam preocupações sinceras quando iniciam uma nova campanha em mundo aberto porque, novamente à semelhança dos metroidvania, são experiências que dependem de backtracking para construir a sua progressão.

Um bom sistema de movimentação não resolve todos os problemas inerentes a este modelo – e é importante sublinhar que muitos são subjetivos, visto que continua a ser o modelo mais rentável e popular do mercado –, mas é curioso quando pensamos em títulos como Crackdown, Saint’s Row e Assassin’s Creed, entre tantos outros exemplos, onde um dos primeiros comentários que ouvimos sobre os jogos é a navegação ser divertida. Esta diversão não nasce através dos conteúdos dentro e fora das suas campanhas, mas do Level Design e das possibilidades de deslocação que encontramos na jogabilidade. É fascinante compreender como um mundo aberto, por mais extenso que seja, torna-se familiar quando o conseguimos explorar ao nosso ritmo e com as mecânicas necessárias para descobrirmos o seu mundo através de qualquer perspetiva, latitude ou longitude.
Este não é um ponto de viragem na minha opinião sobre o modelo, mas é um estender de mão e uma tentativa de compreensão para o que poderemos encontrar no futuro. Esta conclusão, que pouco ou nada tem de científica, surgiu-me enquanto jogava Sonic Frontiers, já disponível para PC e consolas, naquela que é a primeira aventura do ouriço azul num formato open world. Se jogaram Sonic Frontiers, de certeza que estão familiarizados com os seus problemas, muitos deles típicos do tradicional jogo em mundo aberto – missões semelhantes, quase sempre benignas, colecionáveis que estancam a progressão, bugs intermináveis, más transições entre sequências de plataformas e a exploração 3D –, mas admiro o foco no design da jogabilidade desta nova aventura da SEGA. Apesar de partilhar as convenções do género, Sonic Frontiers faz uma decisão muito acertada no que toca à sua exploração e progressão, que é definir a mobilidade enquanto recompensa. Ao longo da campanha, temos acesso a pontos de habilidade/defesa/ataque, tal como os tradicionais anéis e colecionáveis que nos ajudam a desbloquear novas missões, mas Sonic Frontiers aposta também em recompensas mais físicas. Sempre que concluímos uma missão principal ou secundária, o jogo desbloqueia novos atalhos que interligam as zonas de interesse das quatro ilhas.
É uma decisão aparentemente simples, mas que reflete não só o design de Sonic, enquanto personagem focada na velocidade, como demonstra uma certa inventividade na forma como o backtracking é pensado ao longo da campanha. A SEGA interiorizou que é impossível jogarmos sem revisitarmos vários pontos do mapa, até porque este encontra-se invisível até terminarmos algumas missões primeiro – o fog of war está associado também aos desbloqueios de novos métodos de mobilidade – e definiu que as missões têm impacto direto na forma como nos deslocamos ao longo das ilhas. Se uma missão desbloqueia novas plataformas e carris, o jogador interioriza que é importante não desperdiçar nenhuma oportunidade para criar atalhos que lhe permitam revisitar certas zonas sem necessitar de fazer o caminho mais longo. O backtracking é reduzido e Sonic Frontiers mantém a sua inércia ao longo da campanha mais extensa.

Este sistema funciona tão bem e é tão impactante que a opção de fast travel é relegada para segundo plano, ao ponto de se tornar descartável. A opção de viajarmos rapidamente entre pontos do mapa não está, inclusivamente, disponível quando visitamos uma das ilhas pela primeira vez e é necessário jogar o minijogo de pesca para termos acesso a essa funcionalidade – ou então descobrir todos os pilares das ilhas –, o que significa que existem mais passos para acedermos à opção automática do que aos novos atalhos. O desbloqueio da mobilidade é tão imersivo que comecei a tentar prever como as novas plataformas iam surgir ou como poderiam influenciar a forma como me deslocava em campo, ao ponto de me ajudarem nos confrontos contra alguns dos mini-bosses de Sonic Frontiers. A SEGA não conseguiu limar alguns dos problemas mais sérios deste regresso à ribalta, mas é preciso enaltecer a sua vontade em transportar a mascote para um formato que concilia a sua velocidade com uma experiência em mundo aberto.
Como Sonic Frontiers, Forspoken também constrói-se através de mapas extensos, alguns com uma escala impressionante, onde a ação resume-se novamente a missões descartáveis e a atividades secundárias, mas com a salvaguarda de um sistema de mobilidade como o centro da jogabilidade. A Square-Enix e a Luminous Productions – que foi recentemente absorvida pela produtora japonesa – decidiram enfrentar o problema da expansividade da mesma forma que a SEGA conjugou o progresso com a necessidade de velocidade no seu jogo, ao disponibilizar várias habilidades de movimentação a Faye. A jovem consegue correr a alta velocidade, escalar qualquer plataforma por parkour, saltitar para percorrer longas distância, utilizar um gancho para uma maior verticalidade na deslocação, planar das alturas de Athia e até navegar rapidamente pelos seus rios. Em Forspoken, estamos sempre em movimento, a uma velocidade aliciante se dominarmos as suas mecânicas e conseguimos conjugar as várias opções em campo. Com estas opções em jogo, é possível procurar por novos atalhos, até por aqueles não definidos pelos designers e criar uma jogabilidade mais emergente, sem tantas necessidades mecânicas como noutros jogos do género.

O problema que se levanta agora é o level design destes mundos, que nem sempre acompanha a aposta em sistemas de navegação profundos. É possível argumentar que Sonic Frontiers e Forspoken funcionam porque apresentam mapas extensos, mas representados por planícies desprovidas de personalidade, mais repetitivas do que propriamente pensadas para alimentarem o foco na deslocação. Penso que esta aposta reflete como a SEGA e a Square-Enix abordaram ambos os videojogos como diagramas de teste para futuras sequelas e projetos. Neste momento, ainda é necessário sacrificar o level design em prol de mecânicas que enaltecem a movimentação, onde a “possibilidade de escalar tudo”, como em Forspoken, acaba por limitar mais o desenho dos seus mundos do que propriamente ajudar na curadoria. Mas e no futuro? Penso que existe vontade em inovar dentro dos mundos abertos e procurar alternativas aos sistemas e mecânicas que já conhecemos, mas os passos são curtos. Por agora, é necessário ver estes exemplos como duas pequenas vitórias que poderão motivar outros estúdios a tentar elevar a fasquia.
Podemos identificar outros casos de estudo, como Solar Ash, mas considero que a mensagem é clara. Sonic Frontiers trata a mobilidade como recompensa, desbloqueando novos atalhos e acessos através dos seus conteúdos adicionais, e Forspoken procura justificar a expansividade dos seus cenários através de mecânicas assentes na velocidade e destreza da sua protagonista. Ambos procuram reduzir o tédio da movimentação de forma orgânica, sem dependerem necessariamente de fast travel, focando a jogabilidade em elementos concretos e diegéticos. Os seus designs não escondem, no entanto, os problemas mais graves, muitos deles ainda inerentes ao modelo open world, mas revelam escolhas inteligentes e interessantes para analisar quando comparados a outros títulos do mesmo género. No fundo, o formato open world acaba por partilhar muito do seu design com géneros como o metroidvania e até os clássicos Survival Horror, onde a progressão é construída por backtracking e o desbloqueio de atalhos – tal como Dark Souls e os consequentes RPG da FromSoftware. É tudo uma questão de intenção, de vontade em proporcionar uma experiência diferente aos jogadores e defendo que a mobilidade é um dos seus pontos mais importantes. Resta saber se estou correto.