The Adventures of Lara Croft: um contributo ao nível da Lógica de Aristóteles

Por: Francisco Isaac

Dinossauros, Área 51, vilões (e uma heroína) com sotaque inglês, cutscenes cutting edge (pelo menos para altura!), moto4, acrescentos musicais curtos e momentâneos excelentemente bem trabalhados, e uma linha de acontecimentos que fazia a delícia aos aventureiros do sofá. Isto era Tomb Raider III: Adventures of Lara Croft, o terceiro jogo desta saga espectacular da arqueóloga das duas pistolas, que depois de ter conquistado a Muralha da China, declamado acção numa sala de Ópera em Veneza, e procurado a paz interior no Tibete, abraçou uma nova aventura com viagens a locais exóticos, misteriosos ou cosmopolitas.

A 3.ª entrada de Tomb Raider foi, para mim, como uma daquelas pedras rolantes que perseguiam Lara em certos segmentos, numa mistura de adrenalina pura e pânico total, entre o querer fugir rápido e o pensar “onde é que gravei pela última vez?”, animando tardes de semana ou aqueles momentos do fim-de-semana que não estava no cinema ou a ver um filme qualquer com o meu pai.

Primeira admissão… não acabei Tomb Raider III em 1999 (adquiri 7 meses depois do seu lançamento, que foi em Novembro de 1998), porque tive grandes dificuldades em determinados níveis, como Londres (Thames Wharf), Pacífico (Madubu Gorge), ou Antártida (Lost City of Tinnos), e não tenho problemas em admiti-lo. O jogo era difícil, complexo, agressivo em todas as formas, frustrante… mas era um desafio tremendamente recompensador quando se conseguia ultrapassar os piores obstáculos, e descobrir uma nova área.

Mesmo tendo fracassado no chegar ao fim, e ter de esperar que um amigo terminasse (e me convidasse para ir assistir à conclusão desta aventura), foi-me impossível não apreciar o mundo que a CORE Design construiu e se esmerou por apresentar. Desde visitar florestas densas e tumbas perdidas na Índia, a descobrir tribos misteriosas numa ilha do Pacífico Sul onde ainda reinavam os dinossauros, explorando ainda a estranha Área 51 (e quem se lembra das teorias da conspiração das gerações mais jovens, quando a internet ainda estava nos seus estágios iniciais), a saltar e navegar pelos telhados e estações de metro de Londres.

Do 2º para o 3º jogo, não se deu uma evolução na jogabilidade, com os designs a só ganharem uma ligeira melhoria, mas nada de significativo, fugindo muito à “regra” que parece ter se estabelecido hoje em dia: da necessidade de se darem revoluções ou melhorias significativas entre prequela e sequela. Efectivamente o que a CORE Design (e se quisermos, a EIDOS) procurava fazer era a construção de mundos, estimular narrativas, desenvolver histórias, inventar novos inimigos, e permitir a Lara Croft (ou seja, nós) descobrirmos mistérios soterrados em espaços que foram esquecidos pelos olhos da humanidade, ou que estão bem à vista de todos sem ninguém dar conta disso.

Isto não é uma crítica ou ode anti evolução… os novos Tomb Raider merecem todo o carinho possível, e marcharam na direcção certa de oferecer a mesma experiência, mas agora desenvolvida para a exigência gamer actual, focando toda a acção num só (mega) local, com Lara a crescer de jogo para jogo. Contudo, é olhar para Tomb Raider I, II ou III e perceber que a cada nova entrada desta saga havia espaço para o “wow” ou “epá, espectacular”, com o último destes três a deter, para mim, uma mão cheia de detalhes memoráveis:

  • Descer de kayak por entre rios adormecidos do Pacífico, com cascatas e riachos a levarem-nos paras as entranhas da montanha;
  • Andar de Moto4 no deserto do Nevada, fugindo de um culto estranho;
  • Navegar nos canais submersos de Londres com a ajuda de um UPV, fintando frogmen e crocodilos;
  • Passear de dingy pelas águas glaciares de uma ilha esquecida na Antártida;

Se em Tomb Raider 2 já tínhamos sido apresentado à introdução de dois veículos, a chegada do terceiro jogo carregou-nos para um patamar superior em termos de variedade e surpresa, elevando a graciosidade desta saga que tinha uma força enorme no mundo da pop culture do fim dos anos 90 para o início dos 2000.

Ouvir inimigos nos níveis de Londres a soltar o “Oi”, carregado daquele sotaque cerrado (de acordo com o Dicionário de Cambridge, é um cumprimento rude de alguém que está zangado com algo), ou dar de caras com um mercenário aussie que no meio da conversa diz “dunny” (casa-de-banho) ou “bush” (é um tipo de floresta da Austrália) são detalhes que atualmente ainda nos fazem ficar impressionados, mesmo que caia algo dentro da estereotipação de certos povos e culturas.

Sim, se olharmos para Tomb Raider III com os olhos do agora, sem termos noção do quão único ou monstruoso foi para uma inteira geração de jogos, então perde-se noção não só da riqueza da série como a genialidade produzida pela CORE Design e EIDOS. Se optarem por esse caminho, mais vale também desconsiderar os feitos nos campos da ciência/literatura/história por Arquimedes ou Aristóteles, de Galileu ou Gutenberg, porque é similar a contribuição de Tomb Raider para a indústria de gaming.

Não só isso, como também o facto de Lara Croft ter sido a primeira protagonista de uma série de videojogos, sem ter tido a necessidade de ser acompanhada por uma contraparte masculina (apesar das intenções iniciais dos criadores) ou bafejada pelo síndrome de “princesa que precisa de ser salva”, impondo-se como uma personagem dona do seu destino. É impossível dissociar a parte física/sexual de Lara Croft, mas isso não a torna mais fraca, nem vulnerável, pois é ver a frieza, calculismo, genialidade e discurso satírico da própria, para perceber o quão poderosa é.

Pode parecer “pouco”, mas é recuar até aos anos 90 e perceber que o fenómeno Lara Croft realmente moveu montanhas, ganhou total respeito e abriu caminho para o se dar início a uma vaga de jogos dentro do mesmo género, como Assassin’s Creed ou Uncharted, capturando a essência de Indiana Jones, mas com vários twists e surpresas.

Noutra escala, Tomb Raider intensificou o gosto pela descoberta de antigas civilizações, chamando à atenção do público pelo antigo Egipto, a Índia da antiguidade, os povos milenares polinésios, a beleza imutável de Veneza, ou até nos empurrou para os mistérios de uma área militar denominada de 51, enriquecendo a nossa curiosidade numa época diferente.

A jogabilidade pode ter envelhecido mal e apresentar dificuldades extremas para quem não tiver paciência para aprender o pacing e saber respeitar as mecânicas (alguns saltos podem ser enervantes, ou a condução da Moto4 não era sólida), e a ausência de um mapa significava e significa duplicar ou triplicar a duração do jogo, mas isso são elementos da sua era e tempo.

Há que considerar toda a mestria da equipa de criadores composta por Troy Horton, Jamie e Richard Morton, Andrew Sandham, Chris Coupe, Martin Gibbins e Vicky Arnold, que conseguiram elevar Lara Croft e Tomb Raider para um 3º excelente jogo, e pontilhado por uma aventura ainda mais global, arriscando no expandir de horizontes e fronteiras. É só pensar que em 1998 era raro o jogo de action-adventure que possibilitasse o jogador a viajar por diferentes continentes, e fazer sentir na pele o que seria um arqueólogo-historiador-aventureiro-ladrão de tumbas munido de armas e uma inteligência mordaz.

Ainda há um elemento final que merece um foco especial: som e música ambiente. Em Tomb Raider III, como nos anteriores, não temos uma orquestra constante ou uma incessante composição musical a acompanhar-nos, mas sim é nos ofertado um crescendo em certas ocasiões, como no encontrar um objecto especial, o início de um set-piece, ou o surgir de um inimigo. Em Tomb Raider III lembrar-me-ei sempre quando Lara pega na Moto4 pela primeira vez, e, do nada, surge uma música com instrumentos de origem indiana/hindu a tomarem conta do palco, com uma sitar a ser acompanhado por uma tabla (uma espécie de pequeno tambor) a marcar o ritmo da aventura.

A simplicidade dos sons, o brincar com o silêncio e ligeiros toques no ambiente em redor, o saber usar do crescendo, impõem uma alteração de humores e emoções tão subtil que só apetece repetir a experiência, apesar da dificuldade extrema em conseguir regressar a esse mundo de Adventures of Lara Croft.

E, é isto… Tomb Raider III é um combo de elementos que tornaram a infância ou juventude (e também idade adulta) daquele final dos anos 90 ainda mais rica, e que soube dar sequência a outra das maiores obras-primas do universo dos videojogos, que foi Starting Lara Croft, e que tem de ser relembrada e estimada enquanto existir cultura pop.

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