Atomic Heart é um videojogo de excessos. Nas suas entranhas, conseguimos identificar as suas origens e inspirações, mas também o que poderia ter sido. Uma campanha linear, com uma estrutura mais próxima a um Immersive Sim ou até mesmo a qualquer outro clássico do género de ação na primeira pessoa, era o suficiente para Atomic Heart resolver alguns dos seus problemas mais graves. Uma viagem mais narrativa e centrada na ação num futuro distópico, onde a União Soviética conseguiu milagres tecnológicos devido à descoberta de uma nova substância, era a promessa, mas a Mundfish preferiu criar uma mescla de ideias, temas e funcionalidades que desvirtuaram o que Atomic Heart faz bem: o combate moment to moment.
Não quero justificar os problemas de Atomic Heart pela suposta ambição da Mundfish, até porque algumas decisões fazem parte do próprio design do jogo, mas é possível analisar e identificar os momentos em que Atomic Heart expandiu-se para ser algo que nunca deveria ter sido. O que temos agora é um jogo que mistura sequências lineares, que podemos considerar como níveis fechados, com momentos mais expansivos que procuram emular a experiência em mundo aberto sem ir a fundo nesta decisão. Para complementar a existência de duas estruturas, a Mundfish foi obrigada a expandir a campanha e adicionar mais recursos, mais missões secundárias, mais puzzles, mais combates, mais inimigos e mais linhas de diálogo que procuram aprofundar (e justificar) este mundo de tensões políticas e comentários sociais.
Se existisse foco, Atomic Heart seria um jogo muito mais simples e fácil de compreender. Nas sequências lineares, temos acesso a níveis com um design mais curado, onde a atenção aos pormenores, nomeadamente através da narrativa visual – que tenta contextualizar a tensão social do seu mundo distópico, mas também os eventos passados que levaram ao presente conflito –, são mais sentidos. Os objetivos também são mais claros, os momentos de ação são apresentados com o ritmo certo e existe uma maior vontade em envolver o jogador na sua ambiência. Nos melhores momentos, Atomic Heart sabe o que quer ser, até quando coloca o jogador a vasculhar salas em busca de recursos para aplicar nas árvores de habilidades do protagonista – que é um dos piores protagonistas que tive o desprazer de conhecer, ao ponto de rezar por uma opção que me deixasse desligar os diálogos –, mas também no desenvolvimento e criação de armas. É uma estrutura familiar, semelhante a alguns dos melhores trechos de Bioshock – comparação inevitável que a Mundfish abraça corajosamente ao aplicar um sistema de habilidades muito semelhante ao título de Ken Levine – e à estética retro-futurista de Fallout, mas, ainda assim, capaz de equilibrar o combate, puzzles e a exploração de forma satisfatória.

No entanto, os excessos não demoram a chegar. Atomic Heart decide extrapolar esta linearidade com momentos que desvalorizam o tempo dos jogadores ao colocá-los regularmente em tarefas mundanas e repetitivas. As missões recaem quase sempre sobre a descoberta de um objeto ou na ativação de qualquer manivela, ou interruptor nas várias instalações desta sociedade distópica. Isto pode parecer nocivo, idêntico a tantos outros FPS, mas Atomic Heart adiciona demasiadas tarefas para missões que são objetivamente simples. Em vez de termos um objetivo, o jogo obriga-nos a percorrer várias vezes as mesmas áreas a concluir tarefas pouco desafiantes que aumentam artificialmente o tempo de cada missão. É comum pararmos para ouvir um longo diálogo ou para seguir uma personagem que demora imenso tempo a deslocar-se, apenas para sentirmos que Atomic Heart é muito mais profundo do que é. Depois temos também a presença constante de puzzles físicos que pouco adicionam à dificuldade e à imersão do jogo, e muito até podem ser ignorados se tirarem partido da má colisão de certos objetos e subirem por onde não devia ser possível.
O que nos prende é o combate. As armas são variadas e apresentam vários acessórios e habilidades que podemos implementar e desbloquear para aumentar o seu potencial em combate. Os machados são pesados e os danos visuais nos inimigos robóticos ajudam a criar a ilusão de que estamos mesmo a infligir dano sobre os nossos adversários. A mira é muito fluída e os controlos são responsivos, com um menu radial a deixar-nos navegar pelo nosso armamento facilmente, tal como a opção de circularmos pelas armas através dos botões direcionais. É um sistema de combate que pede ao jogador para ser criativo e para combinar os seus vários elementos, daí a presença de atalhos e de várias armas em jogo. As habilidades acabam por funcionar como a cola que une todas as mecânicas de combate ao permitir a combinação entre estas opções. Podemos congelar os androids, eletrocutá-los e até atirá-los para o ar enquanto continuamos a disparar em busca de pontos fracos. Atomic Heart nunca chega a apresentar uma jogabilidade propriamente emergente, muitas mecânicas são apenas fogo de vista, mas a intenção está lá.

O sistema de combate podia ser muito mais profundo e envolvente se o foco não estivesse tão descentralizado e o jogo tão preocupado em adicionar mais mecânicas e funcionalidades do que a limar as que já tinha. Este é o problema de Atomic Heart, onde nem o sistema de combate consegue fugir aos seus excessos, cujo foco num modelo mais mundo aberto – se calhar mais um hub world, mas os dois modelos não são exemplos perfeitos – acaba por criar confrontos frustrantes e repetitivos que tornam mais evidentes os problemas da jogabilidade – como a falta de profundidade mecânica nas habilidades e as fragilidades das árvores de artributos. Atomic Heart é um jogo que quer mostrar o seu mundo e que procura surpreender os jogadores com a sua direção de arte, mas que é incapaz de parar para compreender qual é a sua maior vantagem. Enquanto exploramos os cenários mais abertos, somos levados a ponderar sobre os objetivos de Atomic Heart e as suas intenções. O que procurou a Mundfish transmitir com este jogo?
Esta frustração parte da forma como Atomic Heart lida com a exploração e a furtividade. Quando terminamos a primeira grande zona da campanha, somos atirados para o mundo exterior, que apresenta várias zonas de interesse e até locais de teste escondidos que guardam algumas melhorias únicas para as nossas armas. Somos introduzidos a este mundo extenso, misterioso, mas também atrativo que queremos conhecer melhor. Queremos investigar as casas abandonadas, compreender as pequenas histórias sobre os seus habitantes e resolver o puzzle em torno do ataque das máquinas que dizimou quase a população inteira. Infelizmente, Atomic Heart não parece tão interessado na imersão e coloca sobre o jogador a pressão de um conjunto de funcionalidades que não funcionam em harmonia. Isto porque Atomic Heart aposta num sistema de vigilância e alerta demasiado restritivos e opressivos para a exploração, onde basta sermos apanhados por uma das inúmeras câmaras para ativarmos o sistema e sermos rodeados por inúmeros androids prontos para nos matarem – e é aqui que também descobrimos que muitos dos inimigos são autênticas esponjas.

Quando comecei a explorar o mundo de Atomic Heart, senti que algo estava errado, mas não conseguia compreender o quê. Seria algo no combate? Na movimentação da personagem ou até o design das zonas em si? Ao ver o vídeo do canal Skill Up, que recomendo, ficou tudo mais claro. O meu problema estava no sistema de vigilância e na forma como a Mundfish decidiu nivelar a dificuldade do jogo. Atomic Heart não é propriamente um jogo muito desafiante, mas é cansativo, chato e impróprio. Porquê? Porque não só temos o sistema de vigilância constante, que prejudica a nossa deslocação em campo – com o sistema de furtividade a ser muito faltoso ao não compreendermos muito bem como funcionam os cones de visão dos nossos inimigos –, como existem pequenos robots que rejuvenescem os androids que acabámos de derrotar. Isto significa que lutamos constantemente contra os mesmos inimigos e a sentir que não avançamos. Estamos estagnados num loop onde nada acontece, para além de recebermos novos recursos. Podemos desligar o sistema de vigilância, é verdade, mas é apenas momentâneo. Não existe espaço para estarmos mais livres desta pressão e monotonia. Para quê explorar, combater ou utilizar a furtividade quando podemos simplesmente correr e evitar tudo?
Atomic Heart é um jogo que ambicionou ser mais, ao ponto de ser tão desequilibrado que se torna fascinante. A base para uma campanha sólida e mordaz está lá, mas a Mundfish tratou a narrativa e os seus temas com uma enorme infantilidade, de um humor descartável e datado, e o desenho do seu mundo distópico sofreu com isso. É um jogo de decisões contraditórias que procuram elevar algo que se queria simples. É inconcebível, incompreensível e frustrante quando todos estes problemas entram em choque. No entanto, é tão cheio de conteúdos e momentos de ação que eu acredito que venha a ser considerado um jogo de culto, respeitado e adorado por uma comunidade de jogadores. Respeito isso. Ao longe, muito longe, mas sou capaz de respeitar.
Código cedido pela Ecoplay.