FIFA Street e um regressar à toada (musical) de 2006

Por: Francisco Isaac

Pode uma banda sonora fazer um jogo? Pode uma banda sonora ajudar a definir o quão bom, replayable ou apaixonante é um videojogo? A resposta é claramente um retumbante “sim”, e não faltam bandas sonoras que ficaram ou são tão conhecidas como os jogos que acompanharam, seja qualquer um dos Final Fantasy dos últimos 15 anos, Persona 5 (Royal ou para a plebe, é indiferente), God of War, Nier Replicant, Undertale, The Last of Us, Hi-Fi Rush e tantos outros que continuam a alimentar playlists pelo mundo fora.

A arte de construir e aplicar uma bela sequência musical a um videojogo é das mais decisivas, isto na procura de se ter um produto final absolutamente viciante, que suscita no utilizador uma mescla de emoções que vão muito para além das barreiras e limites de qualquer experiência digital.

Estas emoções ficam coladas a experiências e momentos do passado, a eventos que vão desde uma tarde em que estávamos em casa a desafiar uns amigos para um Mortal Kombat, ou quando fizemos aquela viagem com os nossos pais pela costa alentejana com o nosso fiel Game Boy estava no nosso colo, à espera de darmos sequência à viagem de Red em Kanto. A experiência musical via videojogo fez e faz parte destes momentos de partilha ou comunhão, seja com amigos, parceiros, família, desconhecidos ou só com o ecrã.

Em nota pessoal, eu criei playlists com propósitos variados, seja “para o ginásio”, “quando estou a arriscar na cozinha”, ou “para ficar sozinho”, e todas elas são polvilhadas com músicas de diferentes origens, com os videojogos a terem um peso extremamente titânico: o What If, de Persona 5 Royal, está numa lista dedicada a pensamentos mais agridoces, e de reflexão. A The Only They Fear Is You, da autoria de Mick Gordon para Doom Eternal, está, como expectável, inserida numa sequência de exercício físico, porque é uma headbanger maravilhosamente intoxicante. E Ludwig, The Accursed & Holy Blade, do mundo de Bloodborne, está na lista das músicas “para inspiração transcendental”, porque é preciso.

Mas isto tudo para voltar ao ponto inicial: pode uma banda sonora ditar o quão genial um jogo pode ser, mesmo que esse um só seja feito para um séquito da população dos jogadores? Pode, e exemplos disso são as bandas sonoras de FIFA Street 1 e 2, jogos publicados pela Eletronic Arts, e que trouxeram para o campo um mundo futebolístico diferente: jogos de futebol de três para três com as tuas estrelas favoritas (com mais um guarda-redes em cada lado), jogados em campos de rua, seja à beira de uma discoteca em Berlim, ou nas traseiras de um bairro industrial “perdido” em Londres.

Praticamente “sem regras” (dar “lenha” nos adversários era permitido e um convite delicioso), carregado de maldades técnicas que colocavam uma sala de dois jogadores aos saltos e berros, e uma competitividade agradavelmente diferente daquela que os FIFA ou PES ofereceram durante décadas. Mas o que realmente fez de FIFA Street algo estupidamente estratosférico foi a banda sonora… oh a banda sonora.

De Bossa Nova brasileira com um twist inesperado, a beatboxes envolvidos em acrescentos musicais estrondosos (a Jawbreaker de Killa Kela ft. Aggi Dukes é uma delícia para os ouvidos), passando pelo Drum e Bass onde Pendulum era rei, viajando ainda pelo pop-rock de O Yeah dos End of Fashion (ainda é das primeiras músicas que meto a tocar quando o calor do Verão começa a suspirar pela janela), e concluindo no hip-hop, FIFA Street 2 era como um menu de fusão desconhecido, mas que merecia ser inteiramente explorado e consumido, nunca enfartando o seu cliente.

A larga maioria dos artistas e bandas que participaram neste projecto eram “menores” ou com um background não tão conhecido, ganhando um palco central neste mundo dos duelos de futebol de rua, sendo, para vários, a primeira grande oportunidade para se darem a conhecer ao público em geral. Era como uma “praça” musical, mas associado ao desporto mais praticado a nível mundial, e à distância de um “On”.

Quando FIFA Street 2 saiu cá para fora, em Novembro de 2006, eu tinha 19 anos e vivia entre o mundo da adolescência de poucas responsabilidades (tive uma vida privilegiada, e tal não nego) mas com o início daquela caminhada para a vida adulta e de ter noção das suas consequências, quer quisesse ou não. FIFA Street 2 era a combinação de poder ouvir uma banda sonora repleta de arranjos musicais ou composições artísticas com a arte dos videojogos, sendo uma simbiose profundamente enérgica e contagiante, especialmente para quem queria meter um travão no ter de pensar no amanhã.

Imaginem este setting: estar a perder por três bolas a zero frente a um conjunto onde constava Ibrahimovic, Raúl, Zidane e Buffon, e de repente, do nada, explode nas colunas Without Me dos British Beef. Como se a entrega musical tivesse tomado conta da minha consciência e corpo, de repente vejo-me a deambular por entre o chão molhado de um descampado em Marselha, e a deixar as megas estrelas para trás uma e outa vez. De um 0-3 preocupante, passei para um glorioso 5-3, fechando partida já com o Qué Isso Menina de DJ Patife ft. Trio Mocoto, indo na onda desta trilha brasileira de um sabor multidisciplinar e exótico, elevando-me como rei da quadra.

Sim, FIFA Street só por cima era uma experiência desportiva digital apaixonante, flamejada pelos panna na na ou nutmegs, sem esquecer os pot of gold (passar a bola por cima com ajuda do calcanhar) ou ZZ 360 (um volta completa com uma nota acrescentada por Zinedine Zidane), com os vários destinos a oferecerem um cenário pulsante e místico, adicionando ainda a presença das “estrelas” de várias gerações prontos para jogar com ou contra o utilizador.

Mas a banda sonora era aquela pincelada cromática que permitia as restantes cores ganharem vida, adornando aquela pintura com centelhas de genialidade sem cair em devaneios e arrogâncias exageradas. A descoberta musical da dupla FIFA Street permitiu-me despertar os meus ouvidos para outros universos, saboreando os combos mais inesperados, e inalando um perfume que me fazia sentir vivo, enérgico, positivo e com vontade de dançar com o meu comando nas mãos. Foi um “sítio” em que encontrei inesperadamente esta profundidade de baladas contemporâneas, e que ainda hoje habitam num lugar especial do meu dia-a-dia… as minhas playlists de YouTube ou Spotify. Sempre que decido dar no play (e modo aleatório, para sentir aquela surpresa) nesta playlist, lá vou eu em viagem a 2006, e tento relembrar como foi descobrir e apaixonar-me pela primeira vez, figurativa e literalmente.

Deixo-vos a Rádio Bongo, a estação oficial do mundo inventado de FIFA Street 2, e peço-vos que dêem uma oportunidade. Viajem pelas composições artísticas que vão de Londres a Buenos Aires, do Rio de Janeiro a Tóquio, e deixem-se ir no sentimento.

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