Pelos vistos, sim. Acabei o CrossCode que já adiava desde há alguns artigos. Aproveitei o embalo e também devorei o Eastward do backlog. Dois RPG diferentes, mas muito semelhantes entre si, se não pelo estilo, pelo quentinho com que me deixaram cá dentro. E ao mesmo tempo, bastante diferentes na sua abordagem.
CrossCode tinha a minha cara, o meu coração – e a minha Switch. A estética, a premissa e o combate frenético eram perfeitos para jogar em portátil e o tipo de jogo que se veio a revelar, confirmou a minha decisão. CrossCode é mais do que um RPG catita em pixel art, é um enorme quebra-cabeças que ladra, morde e não larga. Se houve momentos de eureka que me fizeram sentir a pessoa mais inteligente do meu prédio, houve outros em que desisti para seguir guias e vídeos. Não que fossem complexos (bem, também eram), mas muitos pediam destreza, velocidade e antecipação. E muita, muita, tentativa e erro. E tudo junto, deu uma soma de valentes horas a bater com a cabeça contra o estuque.
Foi por isso que inicialmente não cliquei com o jogo, mas sentia que não me devia desfazer de CrossCode. E essa vozinha tinha razão. Se metesse os puzzles na borda do prato (que eram só o grosso do jogo), ainda ficava a ganhar um combate viciante e uma história enternecedora.
Neste texto, falei do meu deslumbramento pelas séries .hack//SIGN e DUSK e dos seus mundos online envolventes enquanto tentava replicar a experiência em Final Fantasy XIV. Sem sucesso, CrossCode foi a segunda melhor alternativa, com um mundo de jogo online que combinava o plano virtual de CrossWorlds e o real, permitindo aos jogadores viverem aventuras imersivas. E Lea, a nossa personagem amnésica e muda era só a trope das tropes; o cliché dos clichés, mas estava escrita de tal maneira que era impossível não sentir empatia pela sua jornada e relações com o restante elenco. A história conseguia combinar elementos de jogo online real, como aceitar side quests; participar em raids e seguir a quest principal, enquanto íamos desenrolando o novelo de uma conspiração digital que envolvia a nossa identidade e personalidade. Mas também conseguia ser muito íntimo quando reduzia o escopo e se focava apenas nas personagens.
Mesmo não sendo original, senti-me imerso em CrossCode porque a escrita era apelativa e as personagens sentiam-se reais, como se fossem mesmo outras pessoas a jogar; até os muitos NPC a correr pelos cenários, também inteligentemente utilizados como bússola. E foi isso que me fez voltar uma e outra vez até o completar.
O combate era bem divertido! Ouçam: serei sempre da equipa devagar, devagarinho no que toca aos combates em jogos, mas estes puxavam por mim e obrigavam-me a dar uso a todas as habilidades e atributos da nossa Spheromancer – alguém que combate em proximidade e à distância; com quatro elementos para imprimir alguma variedade. Podíamos jogar a solo ou em grupo, com os parceiros da guilda, abrindo a porta a outras estratégias. Mas o melhor eram mesmo os bosses, enormes, agressivos e puzzles em si. Bem divertidos e caóticos!
Ainda bem que não me desfiz deste CrossCode!, gostei imenso dele num todo e acredito que perca a sua essência se retirar as partes menos boas (para mim) porque os puzzles foram mesmo as amizades que travámos e mantivemos ao longo do caminho. Podem ler a análise do Canelo aqui que diz coisas mais inteligentes.
O último foi o Eastward, que podia estar em primeiro, mas quis deixar o melhor para o fim.
A premissa deste era simples: The Last of Us, mas em pixel art, com um toque de Undertale e Earthbound, numa aventura com tanto de enternecedora, como de bizarra; um conto gaimiano que uniu um silencioso mineiro a uma fedelha de cabelos brancos de neve e que não sabia estar quieta. E foi à conta dessa irreverência (e curiosidade) que o par foi expulso do último refúgio subterrâneo de Potrock Isle por se atrever a sonhar com um mundo à superfície, com árvores, céu e muita liberdade. Esta premissa não nos foi introduzida de forma soturna e catastrófica, mas em tons de comédia que perduraram até estarmos desarmados para os golpes emocionais dos capítulos finais.
Achei este meu presente de aniversário absolutamente lindo, mas que demorei a chegar. Quando aconteceu, já não o consegui largar; e quando tinha de jogar outras coisas, só pensava em voltar.
Embora apontem, e com razão, o desiquilibrio na jogabilidade, os muitos momentos em que passamos a ler eram recompensados com uma história surreal e encantadora, onde nem as personagens secundárias escapavam com tanto por dizer e viver. Mas se quiséssemos uma pausa de tanto bla bla, Eastward ainda incluía um minijogo de Dragon Quest (ou Earth Born para não terem problemas) que podia ser jogado na íntegra. É um jogo num jogo, e podem começar com os memes.
Ao contrário de um CrossCode com longas masmorras e todas elas um puzzle, Eastward apostava na brevidade. Os níveis eram curtos, mas mais personalizados e condimentados, com um combate e resolução de puzzles que iam beber a Zelda. Só que em vez de uma espada sagrada, tínhamos era uma frigideira. E se num capítulos percorríamos as masmorras tradicionais, noutro estávamos a gravar um filme; a conduzir um carro rio abaixo ou a participar em duelos. Ou a tentar ganhar um concurso de culinária, ao som de um jingle viciante sempre que descobríamos pratos novos. Definitivamente, esta aventura era tal e qual a pequena Sam – não sabia estar quieta e ainda bem para nós!
Mas antes de me apaixonar pelo parágrafo anterior, foram os olhos a regalarem-se. Eastward é muito cores quentes e jogos de sombra. Lembrei-me da minha experiência recente com Stray, onde os cenários sentiam-se quase como personagens em si. Dava mesmo aquela vontade de me perder e falar com todos. Cada nova região diferia da anterior e até as personagens mais secundárias tinham o seu charme bizarro!
E não seria justo gabar apenas os visuais quando o trabalho de Joel Corelitz foi exímio em trazer as emoções à flor da pele, mesmo quando optavam pelos silêncios. Se existia atmosfera, era porque a música certa passava no momento certo.
Há algo na estética destes dois jogos, mas mais neste, que me atrai bem mais do que jogos hiper-realistas. Certo, que há espaço para ambos, mas é bastante mais hygge correr este género (numa portátil, ainda melhor), fechar os olhos e imaginar que o tempo retrocedeu a bons tempos. Mas outros bons tempos estão mesmo à nossa frente, com mentes abertas e talentosas a criarem jogos destes na esfera independente. E ainda bem!