Live A Live ou como a Internet diz: tocar em relva foi lançado em 1994 na SNES, mas apenas no Japão. Agora, vê-se nas mãos do mundo e nesta análise dedicada a todos vocês. Piadas à parte, olhem que não estou muito longe da mensagem porque Live A Live permite-nos viver a vida – permite-nos viver várias vidas e em várias épocas da “nossa” História, começando pelo passado pré-histórico para acabar num futuro longínquo. Ou pela ordem que quiserem!

Admito que não conhecia o jogo até ao anúncio num Nintendo Direct e fiquei muito feliz com a minha ignorância porque continuo confiante de que existem ainda mais pérolas à minha espera. Se saírem na Switch, e com este tratamento, ainda melhor!, porque esta moda do HD–2D é uma delícia para os olhos que comem e ainda não se queixaram. O mais engraçado é que mesmo ignorante da sua existência, já tinha tocado em jogos que, de uma forma ou de outra, beberam de Live A Live, como Chrono Trigger (mesmo produtor), Undertale (banda sonora) ou Octopath Traveler (estrutura narrativa semelhante).
E é nesse último exemplo que quero pegar: se podemos considerar muitos jogos de longas-metragens, especialmente os RPG, então Octopath e Live A Live são uma antologia de curtas metragens com estruturas episódicas acessíveis (ou até mesmo uma série), cujos episódios podem, ou não, atar no final. No caso de Octopath, seguimos oito protagonistas em aventuras distintas e com leves interações que culminam num lixado e épico final – e algo secreto. Já aqui, o culminar é literalmente as vidas que vivemos pelo caminho. E acho que vivi este jogo de tal maneira que quis ver os vários finais – um feito raro para mim que só foi possível graças à curta duração do jogo e aos práticos saves antes dos últimos confrontos.
Mas não estou aqui para vos falar do fim; estou aqui para vos motivar a começar estas aventuras e a encontrar a vossa época favorita – a minha? Uma luta entre as épocas do velho oeste, medieval e ambos os futuros. Mas um pouco sobre cada uma:
- Não existem registos de linguagem escrita na Pré-história, daí que os diálogos deste hilariante episódio sejam à base de ilustrações, grunhidos e… do olfacto. Uma mecânica que nos permite detectar inimigos ou o nosso objectivo – mesmo as descrições das habilidades/itens recorrem a frases mais simples e hilariantes: atira pedra a bicho mau, e não precisam de mais! Neste episódio, jogamos com Pogo e o companheiro símio para salvar uma jovem moça que querem sacrificar ao deus dinossauro.
- Na China imperial, prestamos homenagem aos filmes de artes marciais, enquanto passamos tudo o que sabemos aos novos discípulos. E foi aqui que levei uma chapada emocional porque mediante as nossas decisões, algo de trágico irá acontecer. Treinem bem, usem e abusem do grind genialmente aplicado ao capítulo.
- Saltamos para o Japão feudal, numa missão furtiva para resgatar um prisioneiro influente no futuro nipónico. Aqui, podemos optar por limpar o mapa de inimigos ou evitar conflitos ao equipar um manto de camuflagem, optar por passagens secretas ou enganar os guardas. Foi o capítulo onde demorei mais porque o meu sentido de orientação é fenomenal.
- O Velho oeste é mais linear e pega nos westerns, especialmente em Sete Magníficos, para nos meter a proteger um vilarejo ameaçado por malfeitores. Parte do capítulo envolve procurar recursos e gerir os habitantes para proteger as ruas antes que o tempo se esgote.
- E chegamos ao Presente: bastante curto e com bastante potencial, onde temos de ser o campeão e o mais forte do mundo. Para tal, teremos de defrontar e vencer vários adversários para aprender as suas habilidades numa mecânica que puxa da estética dos jogos Street Fighter.
- O Futuro introduz a mecânica da telepatia para progredirmos na história. E se fosse só isto, estava eu bem. Mas o episódio faz uma curva brusca para o épico e com direito a um tema orelhudo saído de uma série de heróis, dos sábados de manhã.
- Corremos ainda mais para um Futuro longínquo numa clara homenagem aos filmes Alien e 2001: Odisseia no Espaço, onde uma criatura aprende sobre a condição humana enquanto um monstro assombra os corredores da nave Cogito Ergo Sum.
- Seria lógico que tudo terminasse aqui, mas é preciso olhar para trás para encarar o futuro e o jogo abre para terminar na época Medieval, um capítulo tão tradicional e convencional para o género dos RPG que até teve direito a combates aleatórios – admito que já estranhava a ausência.
Apesar dos capítulos díspares e das várias personagens, mecânicas e estética, parte do meu amor por Live A Live vai para o combate: um híbrido entre combate por turnos e estratégico que se manteve consistente em todas as épocas. Aqui, a variedade é mesmo o condimento da vida e em nenhum ponto nos vamos aborrecer do combate pela maneira como o podemos abordar: tanto podemos varrer a arena de adversários ou eliminar o líder para acabar logo com a batalha; as personagens diferem q.b., com vários estilos de luta ou evolução, umas melhoram através do tradicional grind e outras necessitam de peças e componentes que vamos encontrando. Não existem pontos de mana ou MP consumidos com habilidades, mas uma barra de turno que dita a ordem de acção – uma habilidade mais fraca terá prioridade face a uma mais devastadora, e lenta.
Também não existem habilidades ou itens para ressuscitar a equipa, apenas um breve momento de inacção para alguém chegar a tempo de curar – mais dinâmico, mais urgente, também mais estratégico. Por outro lado, também recuperamos a energia assim que saímos do combate para aquela almofada de segurança. Se tudo correr mal, o melhor é mesmo fugir. Ou teletransportar, mas corremos o risco de parar em algum lado estranho…
Durante as horas de jogo, houve momentos em que me apaixonei várias vezes pelas diferentes estéticas das épocas e pensei para mim que Live A Live mantinha uma aura old school face a um Octopath Traveler ou Triangle Strategy, até que fui comparar com o original para ficar de queixo caído com as actualizações. Não bastou terem dado uma demão aos gráficos porque ele é: efeitos de luz, de sombra, ângulos de câmara cinematográficos e uma interface elegante que levou o Canelo a escrever esta peça.
De mãos dadas, vem uma banda sonora completamente renovada e orquestrada pela sempre fantástica Yoko Shimomura, que também nos oferece um dos momentos mais épicos da trama com a vocalização de Go! Go! Steel Titan! por Kageyama, a voz épica de aberturas de Dragon Ball. Esta vocalização não se ficou apenas pela música, uma vez que que muitos diálogos agora dizem e falam coisas em inglês – oficialmente!
Se repeti a expressão “épica” é porque Live A Live é uma panela de ideias, conceitos, personagens e momentos épicos. É a inspiração de muitos outros momentos em muitos outros jogos, e em altura alguma parece antiquado. Se tiver de me esforçar para apontar uma parte negativa, ou menos boa, é o facto de não conseguir organizar o inventário. Se o meu mal for este, então tudo está bem no mundo.

Código cedido pela Nintendo Portugal.