Por: Octávio Silva
Apesar de não me considerar um fã acérrimo da série Gran Turismo, tenho um enorme respeito pela qualidade, consistência e comprometimento de Kazunori Yamauchi e da Polyphony Digital em criarem um dos melhores (se não mesmo) o melhor simulador de condução da atualidade, naquele que é um salto significativo quando comparado a Gran Turismo Sport. Após Gran Turismo 4, Gran Turismo (PSP) e Gran Turismo 5, a fasquia poderia estar demasiado alta, ainda mais para um jogo que quis abraçar unicamente a vertente online, e não consigo esconder que me senti desiludido durante as minhas horas com Sport e o seu lugar na série.

Não questiono que se tratava de um jogo estável e com uma base funcional, mas não consegui ultrapassar a sua falta de conteúdos, em partilhar de um modo de carreira complexo e similar aos títulos anteriores. O manuseio dos carros também sofreu alterações que injetaram alguma rigidez no controlo de certos carros, como o Chevrolet Camaro SS ’16, que exigiam manobras mais arriscadas em determinadas pistas. Um problema que poderá variar de jogador para jogador, mas senti a falta de uma jogabilidade mais apurada e realista.
Com a chegada de Gran Turismo 7, as expetativas estavam elevadas. Os fãs da série esperavam pelo regresso da experiência clássica da série, livre das obrigatoriedades de campanhas puramente online (ainda que não esteja livre deste problema), daquele que é o rei das pistas de corrida. Depois de 22 horas, mais de 50 carros desbloqueados e sete campeonatos terminados com taças de ouro, posso garantir que a Polyphony conquista novamente o primeiro lugar. Gran Turismo 7 não é apenas uma verdadeira sequela em termos de conteúdos, com horas e horas de entretenimento, mas também na forma como evolui a série e apresenta-se como uma entrada acessível para os menos experientes em simuladores de condução. E tudo começa por Music Rally, o novo modo em estreia na sequela.
Na superfície, este modo existe apenas para desfrutares da música presente enquanto conduzes em pistas pré-selecionadas, mas a sua estrutura consiste em chegar à pontuação mais alta por baixo de um cronómetro associado a cada batida da música, forçando-nos a bater os checkpoints para não regressarmos ao ecrã de game over. Quando entras no ritmo, o modo é super viciante e sempre que ligo GT7, é sempre a primeira opção que seleciono para poder obter taças de ouro em todas as pistas. Até agora, tenho três taças de ouro, enquanto as três restantes são de prata, e a PD garante que haverá mais pistas adicionadas no futuro.
Através deste modo, somos também apresentados às funcionalidades do DualSense, que a Polyphony Digital soube tirar proveito, e é muito satisfatório e impressionante sentir como GT7 utiliza a vibração e os gatilhos do comando. As vibrações capturam perfeitamente as texturas de diferentes superfícies, desde poças de água a pistas de terreno batido, até aos momentos em que batemos o apex de curvas ou quando mudamos a alavanca da marcha e os gatilhos mantêm-se maioritariamente associados à pressão do pedal e ao rugir do motor em mudanças drásticas.

Depois de uma viagem pelo Music Rally, somos reintroduzidos ao World Map, que se estreou em Gran Turismo 2, naquela que é uma das principais caraterísticas da série e cuja ausência foi muito sentida em Sport. Em GT7, o modo volta às suas raízes e prioriza o World Map como a sua estrutura principal para o modo carreira. Dentro deste World Map, são apresentados um resort de automóveis e vemos o retorno de modos clássicos como: a Garagem, o Tuning Shop e Used Cars. De GT Sport temos o regresso de Brand Central, Scapes e o GT Sport Live.
No que toca à progressão, o jogo certifica-se que te familiarizarás com estes modos em crescendo, com alguns deles a estarem indisponíveis numa fase inicial da campanha. Com o tempo, mais opções estarão disponíveis e a experiência clássica da série floresce mais uma vez, mas não isenta de novidades. GT Café é uma das novidades e funciona como uma base de missões, onde recebemos vários objetivos, tais como: colecionar três carros de uma marca específica ou aceder a um dos modos no mapa conforme a sua funcionalidade (comprar carros, modificar aspetos técnicos, etc). Como recompensa, temos acesso a novas pistas, modos e campeonatos, com a progressão da campanha a ser não só satisfatória, como cativante.
E aqui gostava de voltar ao ponto que estabeleci no início: o quão acessível esta entrada é. Os controlos são super flexíveis, deixando-nos mudar completamente o esquema de qualquer botão. Se quiseres voltar ao esquema clássico da PS1 (Acelerar/abrandar no X/O respetivamente), usar motion controls como volante ou, por algum motivo, acelerar com o Touchpad, é bem possível, e além do DualSense, temos uma lista de periféricos também compatíveis, tal como volantes da Thrustmaster, Logitech e Fanatec, que recebem os seus próprios perfis de configuração.

A dificuldade varia de fácil para difícil e a assistência automática varia de máximo para nenhuma. Tendo experiência com a série, senti-me confortável com ambas no meio, mas se nunca guiaste um carro digital, o jogo oferece-te o License Centre. Este modo, tal como nas entradas anteriores, oferece 10 testes, no total de 50, e a cada 10 finalizados, somos premiados com uma licença que representa o nosso nível de condução. O jogo faz um bom trabalho em começar simples e elevar a complexidade com os termos e técnicas adequadas, existindo a possibilidade de vermos uma demonstração de como executar técnicas específicas, o que ajuda bastante.
Dentro das pistas, o jogo apresenta vários ícones (graças às opções de assistência) que ajudam os menos experientes a comportarem-se dentro de uma corrida. Tens uma linha contínua que te apresenta a melhor rota, marcadores em freios que demonstram o posicionamento ideal e também marcadores vermelhos que indicam quando se deve travar o carro para uma curva. Por falar nas pistas, a jogabilidade da série continua com a sua marca forte de simulador e não só aperfeiçoou como refinou alguns dos elementos introduzidos em GT Sport. Como mencionei anteriormente, não fui o maior fã do controlo dos veículos em Sport, mas sinto-me contente com as melhorias implementadas em GT7, que, em alguns pontos, aprimorou as mecânicas. Quando comparada a Sport, a nova sequela apresenta carros com maior nível de distinção, o sistema de IA foi ainda mais refinado e os condutores reagem realisticamente não só à pista, mas também às colisões entre veículos. Em alguns instantes, os adversários lutam contigo quando notam que estás prestes a ultrapassá-los, resultando em cenários desafiantes e excitantes.
O clima também afeta as corridas e o jogo ajusta-se dinamicamente às mudanças climatéricas, influenciadas por vários pontos meteorológicos reais. Lembro-me de estar num percurso da Porsche de cinco voltas, com o meu Porsche 911 Carrera ‘95, e à medida que avançava de volta a volta, o céu tornava-se cada vez mais cinzento, até que, na última volta, começou a chover, o que me atirou do primeiro para o último lugar. Isto aconteceu porque não estava preparado para uma pista molhada. Os meus pneus não eram adequados às condições em que estava e, por isso, saí da corrida e equipei os pneus apropriados para superfícies molhadas. Agora estava preparado para a eventual mudança de tempo, mas, desta vez, fiquei espantado quando não choveu ao longo das cinco voltas. Foi aqui que percebi que o clima ajusta-se automaticamente, por isso, fica o aviso: todo o cuidado é pouco quando quiserem correr.

Se não és tão dedicado em afinar o carro à tua medida, podes sempre guiar-te pelo nível PP (Performance Points), que simplifica o processo de representar se o teu carro está adequado o suficiente para competir em corridas. Sempre que uma corrida requer que tenhas, no mínimo, 500/550 PP em diante, podes saltar para o Tuning Shop e comprar peças que aumentam o valor PP da tua viatura. A personalização, além de peças, continua a ser outro aspeto forte, em que podemos modificar não só pinturas e desenhos nos carros, mas também do nosso piloto. O facto de os nossos dados salvos de GT Sport transferirem para GT 7, incluindo os desenhos, torna este aspeto o mais bem conseguido de qualquer outro título da série. Se não fores criativo, podes sempre explorar a biblioteca de milhares de designs publicados por outros jogadores. O único aspeto desapontante é não podermos personalizar o género ou etnia do nosso piloto o que, embora pareça um aspeto pequeno, rouba aquele charme de nos metermos na pele do piloto para uma audiência mais diversa, assim que saltamos para o modo Scapes, introduzido em GT Sport.
Dentro de Scapes, podemos fotografar os nossos carros e pilotos em locais específicos e reais, mas o aspeto mais impressionante é que temos modelos 3D de carros por cima de fotografias 2D. A iluminação é tão perfeita e natural que a imagem final assemelha-se genuinamente a uma fotografia real. Podemos posicionar carros e pilotos na mesma imagem e, em uma das opções, é possível abrir a viseira do capacete e observar a cara do nosso piloto. Como não podemos modificar o que apontei, quando chegamos a essa opção, aquela magia de termos um piloto personalizado, que se parece comigo ou com uma audiência mais diversa, perde-se.
O jogo também promove fortemente a convivência com outros jogadores nos modos Lobby, Sport e Meeting Place. Lobby é o modo multijogador do jogo, em que poderão jogar split-screen com outro jogador na mesma tela e também aceder a lobbies com outros e participar em corridas. Sport é semelhante, mas um modo super rigoroso com o regulamento, sendo que podemos até equipará-lo a um modo “ranked”. Por fim, Meeting Place, o meu preferido, permite conviver com outros jogadores sem nos preocuparmos com quaisquer regulamentos e pode ser usado para descontrair, exibir designs dos carros, conversar, entre outros. É similar ao estar numa chamada de vídeo com amigos ou numa party chat de um jogo multijogador, em que o foco é simplesmente interagir com outras pessoas.
A apresentação da série continua a deslumbrar com o seu trademark de estética simples e limpa, desde os menus, a seleção de músicas — que apresenta uma variedade de géneros (desde lounge jazz, rock, afro, funk, soul), divididos por músicas originais e licenciadas — tornando esta playlist numa das melhores da série, e os visuais realistas que estão sempre a ser puxados de geração a geração. Embora não exista um salto drástico entre Sport e GT 7, os visuais em 4K, com a adição de raytracing, acabam por torná-lo no jogo mais detalhado e bonito desta geração. Em termos de desempenho, joguei em ambos modos, raytracing e framerate, e ambos funcionam da mesma maneira, com a advertência de que o raytracing só está presente nos menus, replays, garagem, Scapes e GT Café. Isto significa que ambos os modos correm a 60fps, mas quando estiverem no Café ou em menus onde os carros estão presentes, o raytracing estará sempre ativo e o frame rate baixa para 30fps.

Infelizmente, esta beleza vem à custa do jogador necessitar de uma conexão constante à internet para poder desfrutar de todos os modos. GT Sport com o seu foco online implica uma presença contínua de estar conectado no servidores, que, se ausente, torna impossível salvar o progresso ou conseguir ganhar dinheiro ou XP. GT7 continua no mesmo caminho.
Isto é bom e mau. A título pessoal, posso indicar que cresci num ambiente onde a internet era, e ainda é, ocasionalmente problemática e sei o quanto isso influencia uma experiência online. As corridas tornam-se inconsistentes se não tivermos uma velocidade aceitável, o que nos leva a apostar numa experiência offline, mas sem alguns dos elementos que a Polyphony quis e quer adicionar ao jogo. Depois temos a questão da preservação, onde temos de nos questionar sobre o encerramento dos servidores, que não só armazenam os nossos dados salvos, mas também deixarão o jogo despido de modos. Em offline, têm apenas acesso ao Modo Arcada e Music Rally: muito desapontante quando colocamos em perspetiva.
Este ano, a série completa 25 anos e esta celebração torna-se evidente quando vemos e sentimos GT7 a dar continuidade ao amor e ao respeito da série pela cultura de carros, que se mantém vivo desde a sua génese. A celebração está presente em todos os aspetos do jogo. Olhemos para o Brand Central, que não só funciona como uma loja para comprar carros, mas também serve como museu onde podes explorar cada fabricante representado no jogo, tal como a sua região de origem. Estas páginas oferecem uma história extensa destes veículos e apresentam a evolução dos fabricantes, desde os seus primeiros dias, até aos tempos recentes. Já no Café, sempre que obténs os três carros requisitados, o dono explica a história de cada modelo da lista. Quando conversas com outros pilotos antes da corrida do menu, baseados em corredores atuais do Gran Turismo Championship eSports, estes contam-te vários aspetos das suas vidas, de como foram apresentados à série, os seus carros favoritos e alguns detalhes dos seus países de origem. Estes elementos culminam numa experiência que te irá fazer apaixonar e respeitar esta cultura mundial de uma maneira ou outra.
Gran Turismo é como uma garrafa de vinho. Cada vez que o deixamos envelhecer em barris, o cheiro e sabor tornam-se fortes e pungentes. Em anos específicos, dito vinho é retirado, testado e potencialmente lançado para as massas. Em 2022, chegou a hora de GT7 ser retirado do barril e está mais uma vez pronto para ser vendido, mas agora acompanhado por uma recomendação da Polyphony Digital, que indica que deve ser saboreado com acompanhamentos que realçam o seu sabor. Queijo (Opções de assistência), Camarão molhado em azeite e outras especiarias (Meeting Place), uvas (personalização de controlos), azeitonas (Performance Points), o que quiseres. O intuito é o de introduzir-te ao mundo dos vinhos e, acredito, que esta analogia encaixa perfeitamente no que Gran Turismo 7 representa como um produto. Não só serve como a culminação de anos de trabalho, refinamentos, melhorias e pequenos detalhes devidamente espalhados pela sua estrutura, mas também como um convite para os novos jogadores que queiram fazer parte deste convívio, apresentando-os ao que têm perdido nestes últimos 25 anos.

Código cedido pela PlayStation Portugal.
ATUALIZAÇÃO — 25/03/22: considerando a situação atual de Gran Turismo 7, mantenho a 100% tudo o que escrevi sobre o jogo. No entanto, é extremamente dececionante ver a direção em que a Polyphony Digital leva o jogo no que toca a progressão e a economia, com o fim de incentivar os jogadores a gastarem mais além do preço do jogo. A respeito da nota original, se a pudesse mudar, baixava de 9 a 7 devido às mudanças profundas que acabam por afetar a experiência final.