Horizon Forbidden West | GLITCH REVIEW

Parece estar a instalar-se uma fórmula no catálogo da PlayStation. Se calhar já é tarde de mais para colocar um travão ao que parece ser um modelo de sucesso para a gigante japonesa, que, ao longo da geração passada, moldou a experiência a solo através de mundos abertos e narrativas emocionais, muitas vezes de autodescoberta e de pertença num mundo transformado ou agora desconhecido para os seus protagonistas e para os próprios jogadores. A fórmula resultou, os números não mentem, e basta ouvir a comunidade para perceber como os exclusivos da PlayStation têm um lugar especial na indústria. Não é apenas a jogabilidade que fala mais alto, mas sim as suas personagens, a demanda dramática e o espetáculo visual que acompanham estas produções quase hollywoodescas.

Mas, no papel, a fórmula é muito mais básica do que aparenta ser. É fácil identificar os elementos que interligam títulos como Days Gone, Ghost of Tsushima, Horizon Zero Dawn e, até certo ponto, God of War, onde o design dos mundos é tudo menos original. A fórmula PlayStation, que podemos traçar até Infamous: Second Son, é simples: um mundo aberto, repleto de valores de produção e um conjunto de missões secundárias que se alimentam através de itens, equipamentos e mecânicas RPG que expandem a longevidade das campanhas para as dezenas de horas. Este não é apenas um comentário depreciativo: é a realidade. Qualquer um dos títulos identificados segue este modelo à risca, quase como se a sua existência dependesse disso (e depende), e de todos os exclusivos da PlayStation, não existia mais nenhum que se destacasse nesta aproximação ao modelo mundo aberto como Horizon Zero Dawn, um título que se consumiu mecanicamente até ao aborrecimento, tentando, a todo o custo, suplantar as suas falhas com a narrativa e a construção de universo que lhe valeram tantos elogios pelos fãs.

Para a sequela, a Guerrilla Games só necessitava de aumentar os valores de produção, ir a fundo na conceptualização deste futuro pós-apocalíptico e limar alguns dos problemas de jogabilidade que assombraram o primeiro título — como a falta de variedade em combate e o cansaço que se instalava devido à ausência de armas e ferramentas que adicionassem camadas à jogabilidade —, mas não esperava que este regresso a Horizon fosse muito mais do que isso. Estava à espera da típica sequela, de mais e melhor, mas igualmente vazia no que toca às mecânicas e à narrativa, mais uma vez presa à fórmula PlayStation sem procurar inovar e elevar a fasquia da série. Apesar de Horizon Forbidden West não ser uma experiência nova, agora sem o fator surpresa do primeiro título, é tudo o que queria nesta franquia exclusiva, transformando um crítico bastante sonante de Zero Dawn num novo e inesperado fã de Aloy e do seu universo povoado por máquinas assassinas. Para tal, a Guerrilla Games só precisou de reajustar a sua estrutura e narrativa.

O que me fascina em Horizon Forbidden West não são os seus visuais impressionantes, repletos de cores e de uma sensibilidade artística acima da média — especialmente na forma como adapta várias zonas da América do Norte a este futuro enferrujado e esquecido, onde vemos mais traços do passado e um mundo mais rico em detalhe —, mas sim a sua estrutura. A Guerrilla Games não mudou a fórmula ou tentou criar uma nova e inesperada experiência em mundo aberto, mas sim torná-la mais lógica e realística. Se, por um lado, continuamos a ter mapas repletos de pontos de interesse, desde ruínas antigas até ao regresso dos Cauldrons — que funcionam novamente como túmulos cibernéticos, onde temos acesso a novas habilidades —, por outro, encontramos um mundo mais rico, vivido e convidativo do que em qualquer outro exclusivo da Sony, com o Oeste Proibido a apresentar um elenco forte e zonas muito mais naturais e lógicas no que toca ao seu design, mas também ao seu posicionamento no mundo e na história do jogo.

Apesar de não impressionar a nível técnico, o novo jogo da Guerrilla Games demonstra como a produtora sempre foi exímia nos pormenores e na criação de mundos consistentes.

A narrativa comanda a experiência em Horizon Forbidden West, desde o elenco secundário, onde destacamos Varl e Kotollo, até ao sistema de diálogo e à construção do mundo. As pequenas cidades e acampamentos jorram vida, várias personagens perdem-se na sua rotina e o mundo reage não só à presença de Aloy — com algumas das suas decisões a terem repercussões ligeiras na progressão da história, ainda que seja um sistema que devia ser mais apurado para esta sequela, parecendo, muitas vezes, como uma adição de última hora do que uma mecânica bem pensada —, como acarinha o jogador e transforma esta realidade futurística em algo mais acolhedor e familiar.

São pequenas mudanças, algumas quase microscópicas, mas que conseguem dar uma nova vida ao que parecia ser um simples e muito rígido mundo de ficção científica, ao ponto de sentir que Forbidden West liberta-se das amarras do género para se banhar ainda mais nesta nova civilização humana e na sua realidade de tribos. São as tribos, por exemplo, que dão ainda mais textura ao mundo de Aloy, demonstrando vivências e realidades únicas entre elas, onde sentimos a profundidade das suas raízes culturais e as suas crenças através das personagens, mas também pela composição das suas aldeias e cidades, onde algo tão visual, como a pintura corporal dos Tenakth — que registam a sua história no próprio corpo —, ganha uma nova camada emocional e cultural. Basta olhar para Plainsong, uma comunidade que se construiu em torno de antenas destruídas, cujas habitações dividem-se entre caminhos verticais e camadas niveladas entre os pisos destas estruturas enferrujadas. Acima de tudo, olhem para Plainsong e absorvam a cultura, oiçam os seus cânticos e deixem-se levar por esta comunidade que escolheu viver de e para a terra, idolatrando máquinas como deuses, que continuam a ajudar os humanos na sua missão original. Existe uma beleza não só visual, mas temática em Forbidden West.

A variedade de zonas, acampamentos, cidades e biomas é impressionante e existe sempre algo surpreendente para descobrirem neste Oeste Proíbido.

É assustador olhar para o mapa de Forbidden West e ver alguns dos clichés do género, como os já mencionados pontos de interesse, algo que, infelizmente, a Guerrilla Games não quis eliminar por completo. No entanto, este trabalho de revisão não se ficou apenas pelo level design e pela construção do mundo, mas também dos seus conteúdos. É impossível não destacar e louvar as missões secundárias, que surgem em Forbidden West como uma das melhorias em comparação ao título original. Estas missões, que encontramos organicamente na campanha — dentro e fora dos acampamentos, às vezes enquanto exploramos —, apresentam um elenco forte e histórias pessoais e muito incisivas que demonstram como o mundo de Horizon é muito mais rico e quente do que aparenta ser através da frieza do género em que se insere. É verdade que não mudam muito no que toca à estrutura, e que se baseiam muito na eliminação de inimigos ou na recolha de um item — alguns hábitos e convenções são difíceis de morrer —, mas a demanda é tudo menos tradicional. Podemos ajudar uma aldeia a defender-se de tribos rivais para, no momento seguinte, banhar-nos nos seus rituais centenários, onde personagens choram o falecimento de entes queridos. O que me deixou mais satisfeito foi a aposta em missões únicas no que toca à narrativa, encontrando pouquíssimo momentos em que a história se atropela ou se repete desnecessariamente. É um mundo muito mais vivido e reconfortante do que qualquer outro no catálogo da PlayStation.

Com esta coesão visual e narrativa, não é de estranhar que Horizon Forbidden West seja também mais convidativo de explorar. O mapa, que engloba zonas como Las Vegas e San Francisco, expande-se por dezenas de horas de conteúdos, mas revela uma maior atenção aos detalhes. Se o primeiro título vivia da sua beleza natural, muito auxiliada pelo seu poderio gráfico — quase único para a sua estreia, especialmente no antepassado da PS5 —, já a sequela torna-se intemporal pela forma como pensa sobre o seu mundo e dá-nos regularmente algo novo para desvendar. Ao contrário de Zero Dawn, vi-me a querer explorar este Oeste perigoso, encontrando monumentos e indicadores visuais no horizonte que me alimentaram a vontade de explorar todos os seus recantos. Sentimos ainda mais a temática futurística da série ao vermos cidades destruídas, pequenas comunidades abandonadas, sinais de batalha — com a zona a ser ainda mais marcada pela presença de máquinas de guerra e de bases que remontam à batalha final antes da queda da Humanidade — e a forma lógica com que as tribos construíram as suas cidades em torno destes destroços do passado. Há uma curiosidade inerente ao mundo de Forbidden West, um “deixa-me só ver o que está ali”, que choca ocasionalmente com as missões repetitivas — como encontrar o Tallnecks, que apresentam, ainda assim, alguns desafios únicos, e as torres de vigia — e os colecionáveis, mas que nunca perde a sua novidade devido à beleza do mundo, onde um ciclo de dia e noite muda por completo a nossa perceção sobre a mais pequena zona destes enormes biomas.

Existem mais zonas subterrâneas, como cavernas e grutas subaquáticas, onde podemos dar aso às novas habilidades de Aloy.

A minha apreciação da narrativa e da estrutura da campanha não deve desvirtuar as melhorias na jogabilidade, onde Horizon Forbidden West consegue mais uma vez suplantar o seu antecessor. Não é uma evolução inesperada, uma revelação a nível mecânico ou algo nunca antes visto, mas é, à semelhança do que temos na estrutura da campanha, um limar das arestas e um reposicionamento do que tornava Zero Dawn num jogo tão curioso. O combate contra as máquinas, que surgem agora em novos formatos, é ainda mais desafiante e tenso, onde as mecânicas do jogo complementam finalmente a curiosidade e a inteligência dos jogadores. Não só temos o regresso da furtividade, novamente marcada por zonas de esconderijo e ataques surpresa, como vemos o arsenal de Aloy a ser devidamente recheado com novas armas e ferramentas. O foco continua a estar no ataque à distância, mas temos mais arcos, que são novamente personalizáveis — com vários níveis de evolução e de raridade — e novas flechas, como as ondas de choque, que rebentam com as armaduras das máquinas. As armadilhas continuam a ser ideais para quem quer adotar um estilo mais furtivo e o Focus deixa-nos criar estratégias ao longe antes de começarmos qualquer confronto.

Não é uma revolução, mas sim um novo foco no combate e é isso que torna Forbidden West num título ainda mais peculiar no catálogo da Sony. A Guerrilla Games não quis apenas surpreender pela escala dos seus cenários, mas também nos pormenores da jogabilidade e nos confrontos momentâneos onde as mecânicas ganham finalmente vida. Basta olharmos para o detalhe das animações, a fluidez das ações de Aloy e para a sua nova destreza em combate. Se o arco continua a ser a arma de eleição de Aloy, o combate corpo a corpo ganha um novo destaque em Forbidden West ao apresentar novas combinações que aprendemos organicamente ao longo da campanha. As combinações são densas e deixam-nos controlar grupos de inimigos, mas também imobilizar adversários diretos, tal como despi-los das suas armaduras. Existem combinações que nos permitem utilizar o corpo dos adversários para impulsionarmos Aloy e dispararmos no ar, tal como ataques rápidos que dependem do timing correto para serem bem-sucedidas e ainda habilidades especiais que exponenciam os atributos da nossa protagonista: como a capacidade de disferirmos golpes críticos ou aumentarmos a sua concentração no momento de disparo. E isto é apenas a ponta do icebergue. Existiu uma preocupação em dar mais opções e liberdade aos jogadores, onde os novos fatos e árvores de habilidades — agora divididas em cinco categorias — procuram criar o maior número de opções possíveis para auxiliarem dentro e fora dos confrontos. Faltou, no entanto, uma opção de defesa e de contra-ataque, duas ausências que se tornaram incontornável à medida que me aproximava da desafiante reta final de Forbidden West.

O Pullcaster muda substancialmente a exploração em Horizon Forbidden West, mas também a resolução de puzzles, permitindo a Aloy mover caixas, criar novas plataformas e navegar entre pontos de contacto.

A experiência de jogo só é prejudicada pelos problemas técnicos desta sequela presa entre gerações. Horizon Forbidden West é a primeira vítima da mudança estratégica da Sony, onde vemos o desempenho a ser limitado pelo hardware da última geração. Felizmente, a vossa experiência será muito diferente da minha. Durante mais de 30 horas, pouco antes de atingir a reta final, joguei sem acesso ao Day One Patch, que estará disponível no dia de lançamento, o que me levou a temer o pior para o exclusivo da Sony. Os bugs eram frequentes, desde personagens que desapareciam até a falhas no carregamento das texturas — onde encontrei, por exemplo, a cor da água a mudar enquanto nadava ou os modelos das personagens a perderem camadas e cores entre sequências de diálogo —, mas também problemas no pathfinding de Aloy, modelos que desapareciam, pop-ins e algumas falhas na IA dos NPC. Com o Day One Patch, a maioria destes problemas desapareceram, nomeadamente no que toca ao desempenho de Forbidden West, onde o carregamento entre zonas passou a ser mais fluído: mas não isento de entraves. Não é a experiência mais sólida que irão encontrar na PS5, não fosse este um jogo em mundo aberto, mas a Guerrilla Games conseguiu garantir que os consumidores têm acesso a uma versão sólida.

No entanto, é difícil não sentir que Forbidden West podia ter ido muito mais além a nível visual. Talvez esteja a ser demasiado exigente quando a Guerrilla Games já nos deu um mundo tão completo e variado, mas alguns bugs e pop-ins demonstram como a sequela continua presa entre gerações. Mesmo com as opções de desempenho, onde temos um modo a 4K, mas a 30fps, e outro modo mais modesto e dinâmico, que atinge os 60fps, Horizon Forbidden West não é a estreia next-gen que muitos de vocês estavam à espera. É um meio termo, onde a sequela se destaca mais pelas animações, a densidade na vegetação. nas partículas e na quantidade de NPC em campo. Fora isso, continua a ser estranho, até desolador, olhar para os exclusivos PlayStation sem termos mais experiências em 4K e 60fps sem sacrifícios.

A história tem sequências muito interessantes e momentos inesperados, mas peca um pouco pelo tratamento que dá aos vilões, especialmente a Regalla, que perde rapidamente a sua força na narrativa.

Horizon Forbidden West mudou a minha opinião sobre a série e este é o maior elogio que lhe posso dar: transformou um crítico em fã. Não é o salto tecnológico e de design que se procura numa sequela, mas é uma tentativa muito sólida no que toca à cansativa fórmula que acompanha a maioria dos títulos em mundo aberto. Mesmo com algumas limitações, tecnológicas e não só, conseguimos ver a vontade da Guerrilla Games em ir mais longe e deixar a sua ambição florescer através da estrutura das missões e da sua atenção à narrativa. É um dos jogos em mundo aberto mais sólidos do catálogo da PlayStation e um modelo a analisar de perto, mas ainda há muito para fazer, especialmente se tivermos em conta os valores de produção envolvidos num jogo como Horizon Forbidden West. É um excelente jogo ausente de surpresas e uma experiência rica em detalhe presa a convenções de género medíocres. Felizmente, ao contrário do primeiro jogo, a nova aventura de Aloy é muito mais memorável, reconfortante e até humana, destacando-se pela sua força e não pelo quão original é. Resta saber o que nos espera no futuro, quando a Sony abandonar finalmente a geração passada para nos dar uma sequela com os olhos postos no futuro.

A escala utilizada é de 1 a 10

Código cedido para análise pela PlayStation Portugal.

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