Por esta altura, Stranger of Paradise: Final Fantasy Origin é um meme. Um destino que podia ser pior do que a morte se a Square-Enix e a Team Ninja não tivessem abraçado o estilo e a alma desta reinvenção das origens de Final Fantasy. A sua fama já é impossível de parar, espalhada pela internet como um fogo rápido, mas como muitos de vocês, a minha primeira impressão foi péssima. O primeiro trailer foi uma dor de cabeça prolongada por dúvidas, más escolhas de design e uma sensação de desconforto sobre o propósito desta reinterpretação da icónica história dos Quatro Guerreiros da Luz contra o Caos personificado. Mas a demo revelou outro monstro, uma experiência mais mecânica do que podíamos antever e uma campanha que se quer tanto como uma homenagem, como algo inteiramente novo e único na série. E eu estou sinceramente curioso para experimentar o produto final.
Esta curiosidade não nasceu organicamente. Sinto, até certo ponto, que perdi pior exaustão. Não tinha outra solução senão apreciar Stranger of Paradise por aquilo que é, mas foi difícil aceitar deliberadamente um videojogo que se apresenta com um estilo moderno, mas também datado, com personagens feitas de cartão e de personalidade baforenta — de outras eras, daquelas que podiam nunca mais voltar —, e movidas por diálogos horríveis e arrepiantes, de quem nunca abandonou a rebeldia da adolescência. Parecia ser uma péssima interpretação do que é ser um “anti-herói” ou “anti-vilão” num videojogo e tudo isto conseguindo parecer que saiu diretamente de 2005. Mas um efeito secundário nasceu através do desdém que sentia — e que até certo ponto ainda sinto — pelo novo título da Team Ninja, um carinho e uma proximidade pela sua determinação em ser um produto irregular, repleto de rugas e problemas, pouco focado ou próximo da série original que não consegui ignorar.
Ainda não consigo determinar o que nos espera na versão final, à exceção de um foco estranho na reinterpretação de Chaos e da figura mítica de Garland — cujo twist foi revelado durante o último trailer —, mas a segunda demo mostrou-me como estamos perante um jogo bastante sólido a nível mecânico e com a profundidade certa para ser mais do que um mero RPG de ação. Com a Team Ninja no comando, agora com a experiência pós-Nioh, encontramos um jogo implacável, difícil, mas quase sempre justo, onde existe uma aposta na combinação de classes — que influenciam as armas e habilidades que podemos utilizar —, na defesa e contra-ataque, na recuperação de MP em combate, mas também na gestão simplificada da equipa e da utilização dos vários membros da nossa trupe de adolescentes raivosos a nosso favor.
Stranger of Paradise é muito mais profundo do que podíamos antever e não sei se consigo explicar devidamente todas as mecânicas que me deixaram empolgado. As classes têm uma árvore de habilidades simplificada e com poucas ramificações, mas seguem uma evolução singular que nos obrigam a escolher qual queremos utilizar e melhorar em combate. Com cada nova habilidade podemos não só definir os ataques especiais, relegados ao L2, mas também as combinações que usamos, com cada sucessão de golpes a dar origem a ataques mais destrutivos, dependentes de MP, que podemos utilizar. Seja Swordsman, Fighter ou Mage, as classes mudam eficazmente a nossa forma de jogar e não são apenas uma mudança básica de armas. O peso das espadas, a alteração para magias e a aposta em golpes com efeitos secundários transformam por completo Jack e isso é de louvar. A Team Ninja aprendeu muito com Nioh.

Vou mais longe: há muito tempo que não me sentia tão curioso com um sistema de classes. Na verdade, estou a evitar chamar o sistema pelo seu nome correto numa tentativa de criar mistério para os fãs da série Final Fantasy. O que temos em Stranger of Paradise é o Job System, mas com um foco num sistema mais vocacionado para ação. A Team Ninja adaptou perfeitamente este estandarte da série, ao ponto de termos a mesma progressão de certos Jobs ao longo da árvore de atributos. Se começamos com Swordsman, rapidamente terminamos as suas habilidades e temos à nossa disposição a possibilidade de desbloquear a sua classe avançada, dando origem à classe Warrior. E isto acontece para qualquer Job disponível no jogo, o que significa que temos de duplicar, talvez até triplicar, todas as opções que teremos na versão final. Isto é empolgante.
A personalização expande-se para os nossos companheiros de equipa e podemos definir os seus equipamentos e classes. Talvez não seja necessariamente uma surpresa para vocês, mas foi para mim, e até certo ponto revela que o foco de Stranger of Paradise está na liberdade do jogador e na sua aposta na personalização. Existem várias peças de armaduras que podemos colecionar e que influenciam os atributos de Jack, mas também os seus alinhamentos e vantagens. Não são as personagens que evoluem por níveis, mas sim os Jobs e as armaduras, o que significa que é necessário sabermos quais devemos combinar. Existe profundidade mecânica neste spin-off, de aspeto horroroso — a sua direção de arte e os gráficos esbatidos, de gerações passadas, ainda não me convenceram (e parece que foram melhorados durante os últimos meses, o que me deixa assustado) —, e até temos elementos sistémicos na sua jogabilidade, como a possibilidade de queimarmos a relva com fogo. Promete ser um dos capítulos mais divertidos da saga Final Fantasy.
O que me assusta é o seu desempenho. De momento, Stranger of Paradise é um pequeno problema técnico, com cenários desinteressantes e um constante soluçar entre ações que prejudicam muito a leitura dos combates e dos cenários. A segunda zona, que se estreou nesta nova demo, é ainda mais assustadora. Apesar de confirmar que o jogo não estará relegado a masmorras escuras, a zona é um pesadelo ao nível de desempenho, registando quedas acentuados de frames e uma falta de definição que me cansou ao longo das horas. Acredito que o jogo seja adiado mais do que uma vez. Depois temos uma aposta em distrações que pouco adicionam à jogabilidade, como o sistema climático desta nova zona, onde podemos alterar entre sol e chuva, desbloqueando algumas zonas de interesse: mas é apenas isto. O sistema não traz grandes alterações aos cenários e sinto que é um desperdício.

E mesmo sem esta profundidade mecânica e sem a presença de um bom sistema de personalização, sinto que Stranger of Paradise acabaria sempre por conquistar o meu coração. Podemos apontar-lhe todos os defeitos possíveis, podemos analisar todos os seus píxeis ao pormenor e escrever dissertações sobre a sua bizarria até à estratosfera, mas nada disso iria mudar a realidade de que se trata de um Final Fantasy diferente de tudo o resto. A forma como abraça o seu estilo e o coloca em primeiro plano, com um orgulho que é tão encorajador, como assustador, é tão cómica e destemida que nunca conseguiria resistir ao seu charme destilado algures em 2005. Stranger of Paradise é o videojogo que as personagens de Final Fantasy fariam se fossem game designers e este é o melhor elogio que lhe posso tecer até conseguir jogar a versão final em março do próximo ano.