Como se à sombra de uma hipotética bananeira, escrevo-vos em tom de férias prolongadas. De certeza que já notaram que tenho estado ausente, misteriosamente silencioso e de verve arrefecida pelo GLITCH, mas não se assustem: as pausas são para tomar e é isso que estou a fazer. No entanto, como sou um quebra-regras de raiz, talvez fruto das minhas origens alentejanas e das suas lutas contra um Estado que pouco ou nada queria saber de si, não consigo ficar em total silêncio durante muito tempo. E aqui estou eu, em toda a minha glória e com uma introdução desnecessariamente longa.
Tendo em conta o tom, parece que me preparo para escrever o texto mais sério, ponderado e analítico da minha carreira de crítico, mas se já leram o título, se são daqueles que leem títulos antes de clicarem num artigo – nada contra quem não o faz, pois, admiro a vossa coragem e determinação em permanecerem num estado perpétuo de surpresa – perceberam rapidamente que se trata de uma lista dos melhores jogos deste início de ano. Uma daquelas listas mais ou menos descartáveis, mas que, em jeito de busca de compreensão por parte do público, serve também para sugerir e aconselhar videojogos que poderão ter perdido em 2021. É uma boa desculpa, sem dúvidas.
NOTA: Antes que me relembrem que Mass Effect Legendary Edition , Returnal e Ratchet & Clank: Rift Apart não estão nesta lista, quero apenas recordar que as escolhas são pessoais. Não que isso vos impossibilite de comentar, mas acho que é de bom tom fazer esta nota e confirmar que ainda não tive a oportunidade de jogar estes três lançamentos. Obrigado e um bem-haja.
Resident Evil Village
A Capcom continua a lançar videojogos que desafiam a minha noção e visão de crítico, conseguindo enublar a minha opinião e invalidar quaisquer críticas que possa tecer aos seus projetos em prol da diversão e da loucura que emanam de cada um deles. Admito que Resident Evil Village não devia funcionar e muito menos ser tão divertido como é, mas a sua junção entre exploração, níveis mais lineares e narrativos, tais como sequências de combate e até de terror psicológico elevam-nos ao estatuto de melhor feijoada dos videojogos sem nunca perder o sabor delicioso e tradicional das suas raízes de terror e sobrevivência.
Nier Replicant
O regresso à mente de Yoko Taro foi marcado por um mar de lágrimas e memórias saudosistas que me transportaram diretamente para 2010. Nier Replicant, cujo título completo ainda me recuso a escrever, é um videojogo inesquecível no que toca à sua narrativa e ao desenvolvimento de personagens, mas também aos seus pequenos momentos, à interação com o mundo e às estórias paralelas que se desenvolvem à medida que ajudamos dois irmãos num futuro pós-apocalíptico.
Monster Hunter Rise
Ainda estou longe de considerar-me um fã da série, mas depois de passar horas a caçar monstros com amigos, sinto que não conseguirei ficar indiferente ao futuro de Monster Hunter. A nova aventura aproveitou os alicerces de World, mas expandiu a jogabilidade com novas mecânicas e uma progressão muito mais intuitiva que serve de ponto de partida para quem não tem experiência com a série. Os combates continuam a ser o foco deste, por agora, exclusivo da Nintendo Switch, mas a campanha equilibra tanto a exploração, como a noção de estratégia dentro e fora dos confrontos.
Cruelty Squad
É fácil desvalorizar Cruelty Squad e reduzir a sua crescente popularidade a uma contracultura mais focada na irreverência, na arte extravagante, sarcástica e pós-modernista como se não existisse também uma profundidade mecânica e temática no seu mundo corporativo e doentio. Se Ville Kallio conseguiu equilibrar uma jogabilidade livre e arcade com o design de níveis de um título imersivo, apresentando caminhos alternativos, armas e habilidades que desbloqueiam novas abordagens em cada nível, também foi capaz de construir uma experiência assustadora que serve de espelho para a nossa realidade capitalista e digital, onde qualquer cidadão pode ser controlado não por policiamento, mas pelos seus próprios sonhos e desejos – e tudo isto mantendo a sua aura hipnotizante e enjoativa, tanto na arte, como na banda sonora. É um ataque aos sentidos que serve de indoutrinação e aviso em simultâneo.
Little Nightmares 2
É difícil ultrapassar a fasquia imposta pela PlayDead no que toca ao género de plataformas narrativo, mas não é impossível. A Tarsier Studios fez uma tentativa fantástica com Little Nightmare 2, uma sequela mais arrojada e destemida que conseguiu criar uma experiência muito mais cinematográfica e intensa do que a original. A narrativa nem sempre é perfeita, mas o domínio do género de terror e de um excelente trabalho de planificação colocaram esta sequela num patamar que me deixou curioso para saber o que a produtora fará a seguir.
Ys IX: Monstrum Nox
A série Ys sempre me fascinou e tenho recebido cada novo capítulo com um enorme sorriso na cara. Apesar de ter jogado alguns dos primeiros capítulos da saga, especialmente Ys III: Wanderers from Ys e Ys IV: Mask of the Sun, foi com The Ark of Napishtim que comecei a acompanhar a série de perto e a acompanhar as aventuras de Adol a cada novo lançamento. Depois de Memories of Celceta e do excelente Lacrimosa of Dana, a antecipação para Monstrum Nox era enorme e não fiquei desapontado. Com um sistema de combate simples, mas divertido e um mundo extenso para explorar, onde podemos escalar quase todas as superfícies, tal como masmorras, segredos e uma banda sonora frenética, este é um RPG de ação que têm de experimentar se apreciam o género.
Mundaun
Vivo numa busca constante por novos jogos de terror, mas sou raramente surpreendido pelo género. Vi demasiado, joguei ainda mais e encontro-me agora num limbo onde é difícil sentir-me satisfeito ou surpreso com um novo lançamento. Mundaun não reinventa o género, mas é um projeto aliciante que se constrói sobre um estilo visual muito próprio, a lápis de carvão, e numa narrativa que evoca lendas locais antigas numa campanha com o ritmo e estranheza perfeitos.
The Black Iris e outros
Infelizmente não consegui dedicar o meu tempo a indies de peso, mas as minhas viagens pelo itch.io, que podem seguir no GLITCH, levaram-me a descobrir um mundo criativo e que merece ser explorado mais afincadamente. A maioria destes projetos são gratuitos, mas podem sempre ajudar os produtores, caso apreciem o que jogaram, e fica o destaque para The Black Iris, um título de terror cheio de estilo, Caim, feito em Portugal, e ANGER FOOT, um protótipo que espero que seja revisitado pela equipa.