Ainda é cedo para determinar o que é, nesta janela de lançamento, um exclusivo da PS5. As novidades são escassas e a maioria das jogadas, fora algo como um Destruction AllStars, são seguras, mas é impossível não ficar fascinado com o papel de Returnal, o novo título da Housemarque, neste início de geração. Para todos os efeitos, Returnal é um roguelike com elementos narrativos e um foco na ação arcada, mas é também um poderio gráfico, longe das aventuras lineares da geração anterior e que se assume como uma experiência tão tradicional, como única devido às possibilidades tecnológicas da nova consola e do comando DualSense. Talvez não seja o futuro dos exclusivos PS5, mas Returnal já conquistou o seu lugar no pódio.

A Housemarque é uma das produtoras mais consistentes no catálogo da PlayStation, mas o seu foco em experiências rápidas e numa jogabilidade frenética colocam-na numa posição constrangedora. Se, por um lado, é capaz de oferecer exclusivos sólidos e visualmente impressionantes, por outro, funcionam dentro de um espectro de nicho, onde são poucos os jogadores que aceitam o desafio das suas mecânicas. Se Resogun foi popular no início da geração anterior, já Nex Machina e Matterfall, dois títulos incríveis dentro dos seus géneros, caíram no esquecimento. Temíamos o pior caso a Housemarque não garantisse o apoio da Sony, mas depois de Returnal o futuro é brilhante.
No entanto, a produtora finlandesa continua a funcionar dentro de géneros pouco convencionais. Desta vez, Returnal traz-nos a tradicional experiência dos roguelikes, com os mapas gerados aleatoriamente e com um foco no combate imediato – tal como a evolução passiva de habilidades –, onde a campanha se foca tanto no avanço ponderado dos níveis, como no recomeço constante: é normal perderem. Mas o exclusivo PS5 banha-se num maior foco narrativo, ainda que não atinja o auge de Hades e do trabalho fantástico da Supergiant Games, com Serene a explorar o planeta de Atropos enquanto descobre mais sobre o seu passado e luta contra criaturas que parecem ter saído diretamente das páginas de H.P. Lovecraft, H.R. Giger e do pintor polaco Zdzisław Beksiński. Uma mescla de estilos que dão a Returnal, como a utilização do impressionante Unreal Engine e de ray-tracing para a iluminação desconcertante dos ambientes, uma beleza assustadora e hipnotizante.
É difícil julgar Returnal depois de experienciarmos a progressão narrativa de Hades, mas é igualmente interessante verificar como o género roguelike continua a tentar quebrar o seu próprio molde. Mesmo que a aventura de Serene não seja original, existe aqui uma vontade em criar uma experiência mais cerebral, até surrealista, que se constrói em torno da estrutura e da repetição de um roguelike. Os momentos narrativos vão surgindo à medida que escolhem salas e avançam pelas zonas de Atropos, mas nunca sabem o que vão encontrar do outro lado. Com o foco no loop e na repetição constante, passamos a estar atentos aos pormenores, ao que mudou entre tentativas, e isso cria nos jogadores um maior envolvimento, como se fossem eles a construir a narrativa de Returnal.

O começo e recomeço fazem, assim, parte da própria estória que Returnal quer contar e apresenta um sistema de identificação que nos leva a crer que estamos todos presos em Atropos – mas como versões passadas de Serene. Passamos a explicar. Tal como em Nioh, Returnal tem um sistema que nos permite identificar jogadores que foram derrotados na zona em que estamos. Não podemos recolher itens ou informações importantes sobre os nossos companheiros de guerra, mas cria-se assim a ideia de loop, de recomeço, onde existem várias versões da mesma personagem – só que em tempos diferentes. É uma escolha narrativa que serve, na nossa opinião, a temática e jogabilidade de Returnal, um pormenor que faz toda a diferença. É pena a aventura de Serene não ser sempre tão cativante na sua história.
Se a narrativa, infelizmente, não nos surpreendeu, já o combate, especialmente para aqueles que já conhecem o catálogo da Housemarque, revelou ser o grande destaque deste exclusivo. Serene é rápida, ágil e tem à sua disposição armas, habilidades e boosts temporários – que são revertidos quando perdemos – que lhe dão a vantagem necessária para enfrentar as criaturas alienígenas. A campanha divide-se por níveis, cada área com o seu próprio estilo, onde as salas aleatórias revelam confrontos frenéticos – muito inspirados por títulos bullet-hell – onde têm de utilizar as habilidades da astronauta, mas também o próprio terreno. Como se trata de um roguelike, não esperem o melhor design de níveis do género, mas funcionam dentro dos confrontos ao darem aos jogadores plataformas, zonas de esconderijo e espaço para se movimentarem sem terem de lutar contra a câmara.

Foi fácil ficarmos embrenhados no mundo de Returnal, mas se não apreciam o género roguelike e têm dificuldades em encontrar a magia do recomeço constante, então não será o título da Housemarque a mudar a vossa opinião. É certo que estamos perante uma sensibilidade mais arcada, com a jogabilidade – em união com o DualSense, que revela ser, mais uma vez, um poderio nesta geração – a manter a fluidez do género, mas a experiência é puramente roguelike do princípio ao fim. No entanto, não se trata dos títulos mais difíceis que jogámos, à exceção de alguma falta de equilíbrio nos bosses, e podem contar com a evolução permanente de habilidades, tais como pontos de transporte entre níveis. Pensem em Dead Cells e na forma como as suas habilidades desbloqueavam novos atalhos e zonas para compreenderem melhor como Returnal funciona dentro do género.
De facto, a originalidade de Returnal não se encontra na jogabilidade, mas sim na experiência sensorial que propõe. Para todos os efeitos, é um dos primeiros títulos que merece a designação de “jogo da nova geração” ao conseguir criar cenários tão ricos em detalhe e com um desempenho incrivelmente sólido, que se reflete também nos tempos de carregamento quase inexistentes. Os efeitos de luz, as partículas, as texturas nos inimigos e cenários são tão surpreendentes que é impossível não ficar impressionado com o trabalho de um estúdio que nos trouxe sempre experiências mais comedidas. Mas em Returnal, a Housemarque parece ter-se libertado das amarras dos orçamentos e abraçado o apoio proveniente da exclusividade PlayStation, e nós, jogadores, somos os verdadeiros vencedores.
Também é impossível não reforçar o trabalho do DualSense nesta experiência fora do comum. O comando da PS5 continua a ser um verdadeiro colosso neste início de geração e seria de esperar que os exclusivos puxariam pelas suas funcionalidades ao máximo. Returnal poderia funcionar sem os sensores hápticos, a coluna de som ou os gatilhos melhorados, mas a experiência não seria a mesma – há um antes e um depois de jogarmos com o DualSense. No caso de Returnal, são os pequenos toques que lhe dão uma certa tridimensionalidade, como a resistência nos gatilhos e o cair de gotas no corpo do comando, que nos transportam diretamente para Atropos. São os pormenores que tornam Returnal tão especial, cuja interatividade e poder de resposta vão acima da média.
Ainda é cedo para sabermos se o tempo será amistoso para Returnal e se a sua experiência roguelike será apelativa para os jogadores – ou se estamos perante um primeiro flop para os estúdios da PlayStation –, mas uma coisa é certa: não vão encontrar outro jogo idêntico na PS5. Se querem acreditar que a Sony continuará a apoiar estúdios e projetos mais experimentais, não vão mais longe, pois Returnal é esse jogo: um exclusivo peculiar, mas muito cativante que se encaixa perfeitamente nesta janela de lançamento. Não é original, mas é um showcase para a nova consola e um passo tremendo no catálogo da incrível Housemarque.

O código para análise foi cedido pela PlayStation Portugal.