Os próximos anos prometem ser duros para a nossa geração com a promessa de nos relembrarem constantemente que estamos a ficar mais velhos. O tempo não perdoa. Parece que ainda foi ontem que descobrimos algumas das séries mais icónicas da indústria e hoje, quase sem aviso – como um piscar de olhos –, vemo-nos em celebrações de 10, 15 ou 20 anos destas franquias que cresceram connosco. Ainda este ano, em janeiro, desejámos os parabéns à série Onimusha e agora chegou a vez de fazermos o mesmo com a franquia Resident Evil. O ponteiro não pára.
É impossível não ficar nostálgico quando penso que as portas da Mansão Spencer abriram em 1996 quando ainda tinha oito anos. Tive a sorte de acompanhar a série da Capcom desde o início, exatamente em 1996, onde ouvia o meu primo mais velho a falar sobre um videojogo de terror como nunca viu antes. No Templo dos Jogos, Resident Evil também conquistava os seus fãs com uma aposta na sobrevivência, nos ângulos pré-definidos e num ambiente de horror permanente que escondia as suas origens como uma sequela espiritual de Sweet Home. Subitamente, parece que tudo mudou, um desvio acentuado no paradigma não só do género de terror, mas da indústria de videojogos, com o 3D a moldar as produções – juntamente com Tomb Raider, que também celebra o seu 25º aniversário – e a catapultar a Sony para o topo da indústria. Um verdadeiro marco nos videojogos.

A minha experiência real com a série, no entanto, não nasceu com a versão original, mas sim com a Director’s Cut, que chegou acompanhada com a demo de Resident Evil 2. Era demasiado novo para ver, quanto mais jogar, Resident Evil, mas às escondidas de avós, pais e tios consegui explorar a mansão com Chris e Jill à medida que desenvolvia novos pesadelos que me manteriam acordado durante a noite. Mas foi onde tudo começou. Este amor pelo terror, pela vontade em assustar-me e por um certo masoquismo que ainda hoje me acompanha tiveram origem em Resident Evil.
O meu gosto pela série rapidamente transformou-se em amor com a sequela. A viagem de Leon e Claire elevou a fasquia para a estratosfera com a sua aposta em cenários mais detalhados, expansivos e numa nova noção de terror, que aqui se conjugou com maiores sequências de ação e tensão. Resident Evil 2 é tudo o que uma sequela deve ser: mais e melhor. É um dos meus jogos favoritos e é também uma caixa de memórias para uma época onde tudo ainda era tão simples. Passei tardes a jogar com aquele que era o meu melhor amigo, a tentar encontrar segredos e a resolver todos os puzzles para concluirmos a campanha. Demorámos 18 horas na nossa primeira tentativa, fruto de voltas constantes pela esquadra e o laboratório sem ainda percebermos muito bem como funcionava aquele mundo de mortos-vivos. Criámos imensas memórias naquelas tardes e esta obsessão levou-nos a concluir a campanha várias vezes para termos as melhores pontuações e o verdadeiro final. Hoje mal nos falamos.

Resident Evil viu-me crescer, tal como eu a vi crescer e mudar com a passagem dos anos. Tenho uma mão-cheia de estórias para cada um dos jogos, até para os spin-offs e os piores títulos da série, e existe uma sensação de calor reconfortante apesar de ser, no final do dia, uma experiência de terror – talvez isto diga mais sobre mim do que sobre a franquia. Resident Evil 3: Nemesis foi outro marco, o último da série principal na PlayStation e o fim de uma era. Já todos sabem a estória sobre a sua produção e prefiro contar a minha do que estar a repetir o guião de mil vídeos no YouTube. Resident Evil 3: Nemesis saiu na Europa no início de 2000, mas eu joguei-o meses antes. A minha ansiedade era tal que aproveitei a oportunidade de jogar a versão japonesa assim que tive a oportunidade. O meu melhor amigo, que tinha colegas com acesso à internet, arranjou esta versão quando Resident Evil 3 ainda era imagens pequenas e desfocadas nas revistas portuguesas. Ainda me recordo de ficar eufórico quando peguei no CD gravado e apercebi-me do que tinha nas mãos. Foi inexplicável.
Eu não sei japonês e a não ser que vá trabalhar para o Japão, não me vejo a aprender a língua tão cedo, mas naqueles meses parecia dominar a leitura de kanji como um nativo. A língua não foi um impedimento para aquele que viria a ser um dos meus jogos favoritos da série e ao fim de umas horas já dominava as mecânicas e as descrições dos itens. Não foi fácil, mas nada me ia parar de jogar Resident Evil 3, nem mesmo a barreira da língua. Terminei tantas vezes esta versão que já conhecia os mapas como a palma da minha mão. Conquistei todos os itens secretos no modo Mercenaries, tais como os fatos adicionais. Quando o jogo saiu finalmente na Europa já era uma memória para mim.

Antes de Resident Evil 4, naquele que viria a ser o maior salto de design da série, tive a oportunidade de experimentar Code Veronica e Survivor. O primeiro continua a ser um título divisório, um salto de tom e o início de um foco na ação, com o segundo a ser intitulado ainda hoje como um dos piores percalços da série – ainda que sinta um enorme carinho pela sua aposta numa perspetiva na primeira pessoa. Não existem dúvidas que a série precisava do regresso de Shinji Mikami ao lugar de diretor e Resident Evil 4 foi a mudança que tantos esperavam. Só o pude comprar quando saiu na PS2 e ainda hoje tenho a minha cópia original.
Se são fãs da série, presumo que perceberam que houve um pequeno salto temporal. Não é uma tentativa de criar tensão ou implantar a dúvida se me esqueci ou não desta deliciosa fase da série, mas sim a ordem cronológica em que experienciei alguns destes jogos. É impossível, e sublinho, não referir dois dos jogos mais interessantes da saga. Antes de Resident Evil 4, Mikami levou-nos naquela que viria a ser a versão perfeita da série sob o seu modelo clássico, um aperfeiçoar da jogabilidade e da estrutura. Resident Evil Remake, como é hoje conhecido, redefiniu o género, a saga e toda a noção de terror na sua estreia, munindo-se dos ângulos pré-definidos para criar uma experiência nova e mais aterradora. O layout da mansão foi trabalhado num misto entre o antigo e familiar, onde nem os fãs do original saberiam o que os esperava. Novos inimigos, bosses, zonas, armas e sequências narrativas construíram aquele que considero, ao lado de Resident Evil 2, como o melhor da série. Já Resident Evil Zero, por melhor que seja, é o equivalente ao irmão mais novo hiperativo que não consegue ficar concentrado num só tom ou estilo. É um percalço competente nesta nova fórmula que, infelizmente, não pôde crescer e desenvolver-se com tempo.

A série está repleta de vitórias e das mais completas derrotas. Se Resident Evil 5 foi um sucesso estrondoso, conquistando o topo da tabela de vendas durante anos, já Resident Evil 6, Operation Raccoon City e Umbrella Corps demonstraram um total desentendimento entre uma Capcom desnorteada e os fãs sedentes por um regresso às raízes – sentimento que foi agravado pelas adaptações cinematográficas que pouco ou nada se esforçaram em manter o tom da série. Mesmo com a popularidade de Revelations, a saga precisava de uma terceira vida, de uma ressurreição, algo que fosse além da transformação que tivera sido Resident Evil 4, e a resposta veio sob a forma de Resident Evil 7: biohazard e o aperfeiçoamento da perspetiva na primeira pessoa. Os efeitos desta mudança ainda se fazem sentir, mas o regresso ao terror foi completado com os remakes de Resident Evil 2 e Nemesis. Olhando para o estado atual da série, parece que não existiram tumultos ou momentos baixos, mas sim um estado permanente de popularidade e crescimento, mas com a aposta em lançamentos regulares, resta saber qual será o fôlego desta série agora com 25 anos.
Antes de fechar esta pequena retrospetiva, quero destacar um aspeto interessantes sobre a série: a sua vontade em mudar. Resident Evil é quase uma série camaleónica, no sentido em que não tem medo de se reinventar e seguir modas para dar algo novo aos jogadores. Nem sempre funciona – até argumento que a maioria das experiências foi desastrosa –, mas é de louvar a sua resiliência ao tradicionalismo do género e às suas raízes. Até na sua conceção a série foi combativa ao renegar as suas origens em Sweet Home e a sua dedicação em descartar ideias e versões completas dos seus jogos se não fossem inovadoras o suficiente. Versões como Resident Evil 1.5, como é hoje apelidado, que foi cancelado quase no final do seu desenvolvimento, onde Mikami e Kamiya procuravam dar algo diferente aos jogadores. Esta versão é um tesouro que está a ser descoberto lentamente pelos fãs, que tentam reconstruir uma das suas builds, e mal posso esperar para conhecer esta visão original. O mesmo aconteceu com Resident Evil 4, que passou por vários formatos, estórias e visões antes de chegar à final com os La Plagas e as one liners de Leon. Recordam-se da demo na mansão com fantasmas/alucinações? Nem imaginam a quantidade de vezes que vi esse trailer num dos DVDs da PSM2.

A série Resident Evil é tão importante para mim que é impossível verbalizar todas as estórias e memórias que tenho. Apesar de ter descrito e partilhado tantos acontecimentos não consigo não sentir que faltou imenso por dizer. É impossível reduzir 25 anos de história quando uma série é-nos tão marcante como Resident Evil. Em 2021, preparamo-nos para receber Resident Evil Village, o próximo passo na saga, mas desafio-vos a voltar atrás e a redescobrir onde tudo começou – exatamente na mansão Spencer. Hoje é dia de celebrarmos uma das franquias mais revolucionárias da indústria e uma das memórias mais importantes que tenho comigo enquanto jogador. Não desejo que venham mais 25 anos de Resident Evil, pois ninguém merece tal desejo, mas sim novos e melhores títulos que um dia fechem esta saga com sucesso. Até ao futuro.