Falei recentemente sobre estratégias para se desfazerem do vosso backlog e métodos para lidarem com a acumulação de novos videojogos. Contudo, foquei-me em grande parte na oferta de serviços de streaming que nos dão acesso a uma quantidade tão astronómica de conteúdos de entretenimento que podem até colocar em causa a nossa apreciação e divertimento com cada um dos títulos. Esta oferta de videojogos, divididos por vários catálogos, deixa-nos a ponderar mais sobre o que devemos jogar a seguir do que a… jogar. Isto poderá ser o futuro: zappings infinitos como quem muda de canal constantemente numa aborrecida tarde de domingo (lembram-se da Televisão?).
Neste meio do entretenimento, a ideia de backlog também é utilizada para o acumular gradual de jogos, filmes, álbuns e livros, e não se foca só na oferta de serviços, o que faz com que muitos consumidores sintam que o PS Now ou o Xbox Game Pass não são a fonte dessa ansiedade e desejo, isto porque não são adquiridos por meios convencionais. Não existe uma compra, ou seja, “não são nossos para sempre”.
Por um lado, admiro esta posição e de alguma forma a invejo. Afinal de contas, esse desejo e ansiedade, também definidos muitas vezes por FOMO – o medo de ficarmos de parte –, desaparecem. A mentalidade passa a ser “jogo quando conseguir” e não “tenho de jogar o mais rapidamente possível”, pois o foco mantém-se na aquisição de um videojogo e não na dependência às subscrições. Elimina-se, portanto, uma das maiores preocupações de quem decide enveredar pelo formato digital e streaming: os prazos de estadia num serviço.
As ideias de posse e aquisição serão devidamente discutidas e analisadas nos próximos anos, mas é impossível não traçar já a evolução da indústria do entretenimento sem equacionar a vitória do formato digital. Não sou nenhum Nostradamus, mas os sinais são claros – algo que a pandemia veio impulsionar num só ano. Existirá esta necessidade de comprar um videojogo? Um tema a ser discutido à parte, mas a verdade é que, independentemente do formato ou do serviço que utilizemos, os videojogos continuam disponíveis para os seus utilizadores.

Regressando ao tópico, tenho de descartar este afastamento dos serviços de streaming como acumulação de videojogos por duas razões. Por definição, “backlog” é a reserva ou acumulação de algo, seja stock, trabalho, lazer, etc. É uma lista de afazeres, problemas e atividades, com ou sem ordem, para ir completando ao longo do tempo. É uma extensão de “log”, ou registo, algo que se aponta depois de terminado. Por isso, quando definimos uma ordem de tarefas, ou a prioridade com que vamos experimentado jogos, o backlog existe para esse utilizador e não há ninguém que possa argumentar o contrário.
O termo backlog, de origem norte-americana, data do século XVII para descrever um tronco ou pedaço de madeira que é colocado mais para trás numa fogueira. Figurativamente, o termo transformou-se para definir algo que pudesse ser usado mais tarde – e que fica também para trás –, à medida que vamos encontrando mais atividades, trabalhos e elementos que se sobrepõem a um inicial ou principal. Assim, a noção de backlog pode ser aplicada praticamente a tudo, como já aqui defini, incluindo, quer se queira, quer não, aos serviços de subscrições. Mesmo com o tempo a contar e a presença de alguns jogos a desaparecerem nestes serviços, a vontade, o desejo e a curiosidade em experimentar continua a acumular e a criar um… backlog. O elemento psicológico não deve ser colocado de parte, queiramos adquirir ou não um videojogo. Mesmo que decidamos jogar só cinco minutos de cada oferta, a verdade é que o catálogo continua a crescer e os jogos que queremos destacar mantém-se numa longa e quase interminável espera. Com o digital, entramos no backlog perpétuo.
O hábito de consumo varia de utilizador para utilizador, assim como o seu desejo ou vontade em investir o seu tempo e recursos, mas o uso do backlog – prático ou simbólico – é até importante para nos orientarmos e até para fazer conversa e partilhar experiências com amigos: até porque o backlog tem um papel pessoal e social bastante difícil de ignorar e de evitar nas nossas vidas. Uma coisa é certa. O mercado vai mudar e transformar-se numa subscrição permanente de catálogos de videojogos. As prateleiras estão vazias, mas o backlog continua cheio. E assim será.