The Black Iris – Terror Cósmico em formato VHS

Fiquem de olhos postos nos produtores independentes. Se ainda não o fazem e se, por algum motivo, conseguiram ignorar alguns dos maiores lançamentos dos últimos anos, tentem corrigir essa falha. Existem projetos menos conseguidos, alguns até criados somente pela piada, mas praticamente todos têm algo que o mercado AAA não tem: ideias e coragem de as colocar em práticas. Nem sempre com os melhores resultados, claro, mas existe uma crescente aposta em projetos pessoais com mensagens muito desafiantes, diferentes da forma, alguns influenciados por décadas de cinema e vídeo-art, criando assim um híbrido conceptual longe dos olhares do público geral.

O género de terror é, pelo que consigo averiguar, perfeito para estas sensibilidades. E se alguns se copiam e regurgitam o que já existe, outros, como Jamie Ferguson, tentam elevar a fasquia entranhando-se no experimentalismo e num olhar artístico apurado, originando projetos curtos, mas muito focados. The Black Iris não é uma revolução no género, mas é um projeto com uma visão artística forte, com o seu próprio conceito e com uma narrativa e técnicas cinematográficas que o destacam dos restantes.

Para todos os efeitos, Ferguson criou um clone de Resident Evil. Tiremos as comparações fáceis do caminho e identifiquemos os seus elementos menos originais. The Black Iris utiliza uma câmara na terceira pessoa, por cima do ombro, mas mune-se de ângulos pré-definidos para criar alguma ambiência e tensão nos seus cenários. É clássico, apesar de não ter momentos de combate, e fruto de uma experiência pessoal com o género, mas é também uma porta para a utilização de outras técnicas fora dos videojogos.

Na narrativa, The Black Iris caminha entre a exposição e o mistério completo. Estamos em 1983, no Nordeste da Escócia. Como um engenheiro, somos encarregues de descobrir o que aconteceu à anterior equipa de investigação e desligar as instalações clandestinas de uma megaoperação, colocando um ponto final às explorações na área. Pouco se sabe sobre o que aconteceu naquela zona da Escócia, apenas que algo, que alguns apelidam de The Black Iris, influenciou a equipa de trabalhadores que participavam nas perfurações. Algo hipnotizante, impossível de desviar o olhar ou de abandonar por completo. Cultos nasceram a partir desta entidade e agora só resta silêncio. São nos campos abandonados, pós-tragédia, que exploramos este mundo apocalítico.

O efeito VHS adiciona algum grão à imagem, dificultando a leitura dos cenários, algo que injeta uma sensação de medo e de insegurança à campanha.

A estrutura e a jogabilidade, que se resumem a caminharmos por campos vazios e a recolher notas, são as bases seguras com que The Black Iris se constrói. É um jogo que vive do seu ambiente e das suas sensibilidades artísticas, construindo, por exemplo, a passagem entre zonas com cartazes estilizados que revelam não só o tom de cada segmento, como o crescente mistério. Ao utilizar modelos poligonais, muito próximos do que vimos na PS1 e Nintendo 64, Ferguson cria também um ambiente febril, pouco claro ou definido, onde as cores quentes se misturam e confundem os jogadores a cada passo. É um pesadelo vivo, como se estivéssemos a entrar num mundo que não é nosso, apesar das semelhanças.

O que me fascinou, no entanto, foi a sua vontade em experimentar com a forma do projeto. The Black Iris utiliza uma câmara fixa e ângulos pré-definidos, mas mune-se igualmente de outras técnicas, como ecrãs divididos, filtros, perspetivas forçadas e até uma câmara na segunda pessoa para contar a sua narrativa. Cada zona apresenta um novo elemento, algo que refresca a experiência e que nos mantém na expetativa, unindo tudo com uma banda sonora misteriosa, eletrónica e, em simultâneo, melódica e até emocional que complementa o crescendo narrativo. Não sei quais foram os filmes que influenciaram Ferguson, mas arrisco-me a dizer que The Void, de Steven Kostanski e Jeremy Gillespie (2016), Beyond the Black Rainbow (2010) e Mandy (2018), de Panos Cosmatos, e a filmografia de Yorgos Lanthimos, tais como clássicos dos anos 70 – sendo que tem um estilo muito retro-futurista – e até a nova vertente de terror no cinema, como os filmes de Ari Aster e de Robert Eggers, foram auxílios visuais que utilizou no seu jogo.

Fica, no entanto, a questão: será um projeto capaz de sobreviver para além da sua longevidade? Terá espaço para evoluir? Esperemos que Ferguson responda em breve a esta questão.

The Black Iris é muito curto, mas é uma experiência completa. É o equivalente a uma curta-metragem experimental que poderá, quem saber, dar origem a um projeto maior e mais ambicioso. As suas técnicas não são novas e o seu foco numa narrativa contada por trechos e diários poderá não satisfazer os mais curiosos. O final também é demasiado rápido e revela como a ideia chegava ao seu limite, sem espaço para crescer, mas o seu olho artístico, a sua vontade em criar um ambiente memorável, psicadélico e aterrador merecem uma menção. É disto que o género de terror precisa, desta ambição e desta vontade em arriscar: esta fome por criatividade contra todas as adversidades. Não interessa se é o melhor exemplo do género, mas sim se as ideias e a visão artística estão lá: e The Black Iris tem ambos. Não venham pela estória ou as mecânicas, mas sim pelo espetáculo visual.

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