Nunca devemos modificar o formato de uma série – seja de televisão, livros e até mesmo podcasts – sem antes definirmos o seu tom. É um dos maiores erros que podemos cometer e arriscamo-nos a alienar os possíveis leitores/espetadores/jogadores que não compreendem o que queremos fazer com a nossa série: mas aqui estou eu. Se Nem Tudo É Mau começou como um olhar sobre videojogos problemáticos ou incompreendidos, decidi abranger novos temas e falar sobre a Wii U e o seu GamePad.
Parece que foi há décadas, mas o triste fado da Wii U é mais recente do que a nossa mente gosta de admitir. Lançada no final de 2012, e dando início à oitava geração, a consola da Nintendo caiu como um pedregulho num lago lamacento, não fazendo nenhum barulho, mas sujando todos aqueles que estavam atentos. Para muitos, a Wii U era apenas uma atualização da Wii, agora em HD – uma mensagem que a Nintendo nunca conseguiu combater –, e falhou em captar a atenção do público ou dos estúdios third-party. Até 2020, foram vendidas 13.56 milhões de unidades.

A Wii U é um flop interessante, talvez dos mais interessantes dos últimos anos, e muito se especula sobre a sua falta de presença no mercado. Para todos os sentidos, a Wii U foi uma espécie de teste para o que viria a ser a Nintendo Switch, mas a consola da oitava geração era – até certo ponto – mais ambiciosa: a ideia era criar uma experiência tridimensional nos videojogos, ao ponto da ação acontecer no ecrã da televisão e no ecrã do GamePad. A Nintendo é conhecida pela sua vontade em quebrar moldes e em criar novas formas de jogar, basta olhar para a Wii e os dois ecrãs da Nintendo DS, mas a Wii U parece ter sido um entrave aos planos da produtora. Mesmo com a portabilidade híbrida da Nintendo Switch, parece que algo se perdeu neste salto geracional e o ponto comum é o GamePad.
A Wii U não era tão poderosa como as suas rivais, uma falha grave que a Nintendo teima em perpetuar, mas o GamePad é, na minha opinião, um dos acessórios/comandos mais interessantes dos últimos dez anos. Sempre fui defensor do comando híbrido e quanto mais nos aproximamos da nona geração, onde o foco está nos serviços digitais, mais sinto saudades desta vontade em transformar e evoluir a forma como pensamos nos videojogos e os abordamos. O GamePad foi um dos pregos no caixão da consola, um destino cruel – que foi exponenciado pela falta de apoio das produtoras (muito justificado devido ao trabalho adicional) – mas mostrou-nos que existe um mundo para além do ecrã da televisão e de menus desnecessários e confusos.

Não venho defender esquemas de controlos rebuscados ou contranatura, como em Star Fox Zero, onde o jogador tem de utilizar forçosamente o comando para pilotar e disparar, mas quero que pensem nas possibilidades de termos um ecrã adicional que substitui a necessidade de acedermos a ecrãs de pausa e a menus secundários. Pensem, por exemplo, na possibilidade de equiparmos novas armas sem pausas à medida que exploramos num RPG, cortando assim ecrãs de carregamento e mantendo a ação fluída e sem artificialidades. Com o ecrã tátil, seria fácil mover itens e organizar o inventário, mas também alternar entre habilidades. Arrisco-me a dizer que seria um método interessante para contornar alguns dos problemas associados à passagem de títulos PC para as consolas.
Ainda não estávamos perante uma verdadeira portabilidade, mas a Wii U desafiou desde cedo a ideia de estarmos presos à televisão. A Nintendo compreende o mercado portátil melhor do que ninguém e a Wii U, em finais da sétima geração, decidiu moldar a forma como olhávamos para as consolas domésticas. O GamePad não era o mais confortável, mas o seu ecrã era muito funcional e responsivo, com capacidades táteis que raramente falharam ou atrapalharam as minhas horas de jogo. A sua presença conquistou-me de tal forma que ainda hoje olho para a Switch e penso que poderei fazer o mesmo: controlar tudo através do seu ecrã. Infelizmente, não. A Nintendo parece estar tão desinteressada no ecrã tátil que muitas vezes me questiono sobre a sua presença na consola. Aliás, não se esqueçam que não podem usar o ecrã tátil em The Legend of Zelda: Breath of the Wild, apesar de ter sido desenhado com essa funcionalidade em mente quando ainda era um exclusivo Wii U (basta olharmos para os menus para perceber).

O GamePad não está – e nem poderia estar – imune a críticas pesadas, como a sua bateria e peso desconfortável, mas pesa-me o coração saber que não veremos nada semelhante tão depressa. Podemos argumentar que a Switch mantém o seu conceito vivo, mas não: apenas a sua praticabilidade. Ainda é cedo para definir como será a próxima geração, mas pela primeira vez sinto o peso de não ver inovação na forma como jogamos e abordamos um videojogo. A Switch está a relegar os controlos por movimento para segundo plano – e logo agora que finalmente os compreendi e vejo o seu potencial –, a Xbox Series X/S mantém o mesmo formato de comando e a PlayStation 5 promete abanar o status quo com o DualSense: mas até que ponto não será outro Sixaxis? As atenções estão focadas noutras funcionalidades, como o online, e aqui fico nostálgico.
Apesar do seu potencial, a Wii U estava destinada a falhar. O conceito não foi bem traduzido para o público, o catálogo de videojogos nunca convenceu e a Nintendo não soube tirar partido da consola e das suas franquias durante estes quase cinco anos de tormenta interior. É uma consola amaldiçoada, mas acredito que se torne numa das favoritas dos colecionadores com o passar dos anos. Por agora, ainda é muito cedo, muito recente, mas veremos como estará daqui a 10 anos. No entanto, espero que a memória do GamePad continue viva e que mantenha viva a criatividade da Nintendo quando chegarmos à incontornável décima geração, tal como o génio e criatividade de Satoru Iwata. É apenas um pensamento, claro, mas é bom ver que nem tudo é mau.