Estamos quase a chegar ao final de 2020 e a época natalícia já começa a dar de suas graças com novos lançamentos de peso. A próxima geração também está a um mês de distância, uma verdadeira mudança de paradigma, mas até lá, nada melhor que nos debruçarmos sobre as produções independentes.
Vigil: The Longest Night
Em outubro, estou destinado aos metroidvania, aos saltos complexos, às habilidades especiais e ao retrocesso constante em busca de segredos e caminhos alternativos. Esta viagem por um género que adoro, e que me é próximo, começa com Vigil: The Longest Night, a primeira aposta da Glass Heart Studio, que mistura mecânicas RPGs com um sistema de combate implacável e desafiante. É um passo positivo, especialmente no seu design e inspirações Lovecraftianas, mas parece ter faltado algo para tornar esta estreia memorável.
Vigil: The Longest Night agarra-nos pela sua arte, pelo estilo europeu e mistura entre cenários e modelos 2.5D, tal como a aposta numa narrativa sempre presente e repleta de reviravoltas, mas é na sua jogabilidade que encontra alguma identidade. Como um RPG de ação, Vigil divide a sua campanha entre a exploração – e a sua aposta numa estrutura metroidvania – e o combate desafiante, onde sentimos as inspirações de Dark Souls, mas também de clássicos do género de plataformas como Castlevania. Apesar da presença de uma barra de stamina e da aposta no combate lento e ponderado, Vigil aproxima-se deliciosamente mais da série da Konami, algo que lhe dá um charme incontornável – nem todos têm de ser Dark Souls e ainda bem.
O mundo está dividido por zonas e é necessário encontrar as habilidades e itens necessários para desbloquearmos novos caminhos que nos levam numa aventura extensa e sempre tensa. O mundo é muito detalhado, mas os cenários são, por vezes, difíceis de ler, e nem sempre sabemos onde podemos saltar. É um problema que varia de zona para zona e que não é, felizmente, constante, seja nas catacumbas, nos cemitérios ou nas cascatas que encontramos na campanha. O retrocesso é simplificado e a navegação entre zonas é intuitiva, sabemos sempre para que lugar vamos e porquê, mas Vigil aposta ainda num sistema de transporte rápido que nos permite saltar automaticamente entre pontos de gravação.

Esta aposta na navegação rápida coincide com a possibilidade de melhorarmos Leila e os seus equipamentos, algo que nos obriga a regressar regularmente à cidade principal. Não só podemos personalizar as espadas, adagas, machados e arcos no que toca ao seu poder de ataque, como é possível acrescentar poderes elementais, mudando assim as suas resistências. O sistema é muito simples e direto, não existem complicações desnecessárias ou a necessidade de estudar afincadamente os parâmetros e evoluções das espadas, mas a melhoria das armas está relegada a itens e recursos específicos que teremos de gerir ao longo da campanha. Esta aposta na personalização continua presente na árvore de habilidades, onde, à medida que evoluímos de nível, temos acesso a pontos de atributos que podemos melhorar à nossa vontade. As habilidades estão divididas em categorias – como espadas, arco e pontos gerais de saúde e stamina – e são bastante variadas, permitindo melhorar o tempo de resposta de Leila, a sua energia e também o número de ataques que consegue disferir no ar ou a sua aptidão para os desvios. Simples, funcional e bem implementado na jogabilidade.
Vigil: The Longest Night não é um jogo fácil e fui constantemente derrotado por inimigos implacáveis e por armadilhas inesperadas. O posicionamento dos inimigos nem sempre é o melhor, com alguns a caírem em cima de nós e sem aviso, mas funciona dentro do ritmo lento dos confrontos. É preciso ter alguma paciência em combate, algo que acaba por contrastar com a rapidez tradicional dos metroidvania, mas é algo que conseguimos contornar se evoluirmos Leila e melhorarmos regularmente as suas armas. Temos também à nossa disposição várias ferramentas e recursos, como facas e dinamite, que podemos utilizar em combate. Com a presença de um menu rápido e radial, é fácil trocar entre recursos e armas, dando-nos a possibilidade de mudarmos de estratégia a meio de um confronto contra os bosses. A espada não está a funcionar? Então mudem para o arco e ataquem de longe. Existem boas opções para os combates e acreditem que vão precisar – os bosses não são apenas surpreendentes no seu desenho, com os seus designs horríveis, muitas vezes nojentos e pegajosos, mas também desafiantes e implacáveis.

O sistema de combate apresenta uma pequena variante à barra de stamina que achei interessante. Apesar de estar saturado da sua utilização em RPGs de ação, Vigil consegue inverter a sua utilização e apresenta a possibilidade de levarmos a personagem à exaustão. Quando chegamos ao final da barra de stamina, não somos obrigados a parar e podemos continuar a atacar, dando assim origem a uma segunda barra. Quando esta barra amarelada chega ao seu limite, Leila não para apenas de atacar, mas fica exausta, desprotegida e completamente à mercê dos seus inimigos. Isto significa que temos uma escolha: ou recuamos e recuperamos o fôlego, ou continuamos desesperadamente a atacar, sabendo que poderemos ficar indefesos. É uma escolha muito interessante, mas, infelizmente, Vigil não explora todas as possibilidades desta mecânica. No entanto, não deixa de ser uma boa solução para um sistema cada vez mais cansativo e desprovido de novidades.
Vigil: The Longest Night tem uma batalha árdua pela frente. Outubro não é o mês mais competitivo deste final de ano, mas a sua aposta na dificuldade e numa estrutura próxima dos metroidvania coloca-o num barco a transbordar. Existem demasiadas opções e Vigil não se destaca. Tenho ainda de mencionar os loadings enormes quando começamos uma partida, alguns slowdowns e bugs visuais que encontrei ao longo das minhas horas, e espero que sejam corrigidos com o tempo. Não é um jogo marcante, mas é um bom jogo que precisava de mais inovação e personalidade.

O código para análise (Switch) foi cedido por Jesús Fabre – Video Games Communications and Publishing.
NOTA: A versão testada não inclui o patch que será lançado no lançamento do jogo, no dia 14. De acordo com a distribuidora, os tempos de loading são corrigidos neste patch.
Unrailed
Enquanto 2020 nos continua a confinar em casa e longe de amigos, familiares e colegas, a indústria dos videojogos tem complementado esta falta de comunicação e de contacto pessoal com experiências cooperativas e multijogador que têm marcado de forma positiva estes oito meses (quase nove) de isolamento. Se Fall Guys e Among Us transformaram-se em fenómenos mundiais, outros, como Good Job!, caíram rapidamente no esquecimento, mas serviram o seu propósito. Unrailed, da Indoor Astronaut, parece ter caído na segunda categoria, mas é um título cooperativo muito interessante e uma aposta cooperativa diferente das anteriores.
Com um estilo visual muito simples e limpo, construindo um mundo por blocos onde tudo é destrutível, Unrailed traz-nos uma experiência igualmente limada e focada no que toca às suas mecânicas. No seu cerne, é um jogo de sobrevivência e cooperação onde dois jogadores terão de recolher recursos, construir carris e manter uma locomotiva em funcionamento à medida que lidam com vários tipos de perigos – naturais e não só. Com esta simplicidade cria-se uma jogabilidade frenética onde temos regularmente de encontrar madeira, metal e água para construir novos utensílios, apagar fogos, alternar entre ferramentas – como o machado e a picareta, onde só podemos usar um de cada vez – e garantir a sobrevivência do comboio por mais uns minutos.
Unrailed nunca para e a campanha obriga-nos a estar sempre em alerta. Com o avanço automático do comboio, temos de pensar rapidamente e decidir o que devemos fazer primeiro, se destruir a floresta mais próxima para garantirmos o acesso à madeira ou libertar o caminho para que seja possível continuar a construir carris. Em equipa, terão de alternar regularmente entre tarefas e garantir que a comunicação nunca se torna confusa entre vocês, pois basta um deslize para o comboio pegar fogo e ficarem sem recursos. É divertido, desafiante e sempre recompensador quando finalmente chegamos a uma estação – que servem como checkpoints – e temos acesso a melhorias permanentes e a desafios adicionais.

O mundo está dividido por ilhas e o objetivo reduz-se a tentarmos avançar o mais possível ao longo de uma campanha que vai ficando progressivamente mais desafiante. Não só encontramos mais obstáculos, como teremos ladrões e outras personagens que tentam destruir os nossos recursos. Unrailed torna-se ainda mais divertido com amigos quando é necessário estarmos em constante movimento. Para ajudar, têm acesso a vários modos, como Endless, que injetam alguma longevidade à campanha, tal como a possibilidade de jogarem a solo – ainda que não seja totalmente recomendável.
Não é um jogo capaz de parar a indústria e chegar ao topo da popularidade no Twitch ou Twitter, mas é um título cooperativo divertido que não tem outra ambição senão a de ser simples e perfeito para jogarem com amigos. Os gráficos tornam-se cansativos, a banda sonora é muito desinteressante e sinto que a passagem entre ilhas é um pouco injusta e demasiado exigente quando podemos deixar itens para trás – como o machado ou o balde de água –, mas para partidas curtas, online ou offline, Unrailed é uma boa distração.

O código para análise (PS4) foi cedido pela Best Vision PR.