Odiei a versão original quando saiu…
Não me perguntem como nem porquê, mas assim que me passaram o comando para as mãos, fiquei com uma alergia àqueles puzzles que nem continuei a história. Convém dizer que na altura, eu não conhecia a série Persona ou Shin Megami Tensei, estava fora do meu elemento, mas recordo-me deste comentário: este jogo ficaria bem numa portátil.

E esqueci-o. Entretanto, fui molhando os pés nas séries da Atlus e apaixonava-me por cada jogo que terminava: as histórias, as personagens, a estética, a banda sonora, mas o que mais me atraía era o slice of life, a vida escolar ou as interacções corriqueiras entre as personagens e como se misturavam com os elementos fantásticos do jogo, que acabavam connosco a desafiar deus numa pausa entre os deveres e um copo no bar.
Entretanto, saiu a Nintendo Switch. Anos depois, veio o anúncio deste Catherine: Full Body e lembrei-me do que havia dito no passado. Esperei. O PC recebeu a versão original e era bem provável que a Switch também a recebesse, mas nope, recebemos a melhor versão no meu aniversário! Arrisquei porque: era mais um jogo da Atlus, DLC de Persona 5 e queria ver se o jogo era mesmo melhor numa portátil.
Resposta curta: é. Resposta longa: é só ler para baixo.
É um prazer engolir as minhas palavras e admitir que Catherine é um jogo fantástico! À primeira vista, tem tudo para falhar: um visual novel com puzzles. Um visual novel com puzzles! Ou segue a fórmula e é um visual novel do início ao fim, vá, com elementos point and click ou é um jogo de puzzles. Ou é um RPG normal da Atlus!, mas quando começamos a jogar, tudo faz sentido. Mas é que faz mesmo e o que odiava em 2011, passei a amar em 2020, falo dos puzzles, claro. O resto é o prato do dia do estúdio: qualidade.

Catherine coloca-nos na pele de Vincent, um tipo normal que trabalha, namora e convive com os seus amigos. Tem a vida feita e zero preocupações, mas tudo muda quando conhece Catherine, uma loira sedutora e despreocupada, o completo oposto da sua namorada Katherine, séria e sabe o que quer da vida. Depois de uma noite de pesadelos, acorda junto à primeira e começam os problemas – e o jogo.
Os visuais vivos e coloridos contrastam com o tom sério e pesado da história; não se trata apenas de saciar fantasias virtuais, trata-se de lidar com as consequências dos nossos actos e com a culpa. Catherine é um jogo sobre amor e adultério; também é sobre crescer, amadurecer e assumir responsabilidades; também é sobre o compromisso, aventuras fugazes e a importância de sermos independentes e honestos connosco. As lições serão sempre diferentes, afinal há cerca de 13 finais!
O jogo divide-se em duas partes: o slice of life durante o dia, que tanto adoro, e os puzzles durante a noite. Na primeira parte, quando não estamos a trabalhar, estamos no bar Stray Sheep com o pessoal. A história desenvolve-se entre copos e conversas com os convivas ou pelo telemóvel. Para influenciar a história, é importante ponderar os nossos diálogos ou a forma como respondemos às SMS ou se atendemos às chamadas, sequer! Bebemos mais um pouco, vemos as notícias que nunca são animadoras: a cada noite que passa, morre mais um homem de causas misteriosas. Então começam os rumores…
Depois, a noite. Nunca tiveram aqueles pesadelos onde estão a cair e acordam mesmo antes de baterem no fundo? É o que o Vincent sonha, mas ele não cai. Para evitar morrer no sonho, e na realidade, ele terá de escalar a uma enorme torre composta por cubos e cheia de armadilhas, obstáculos e outros coitados que dão o seu melhor. A única maneira de o conseguir é puxar, empurrar e organizar os cubos de forma a conseguir trepar ao topo!
Eu sou péssimo em puzzles, os meus tempos de reacção não são os melhores e entro em pânico facilmente, cometendo erros básicos, e quase que adivinho que foi por isso que não gostei do jogo inicialmente, mas agora com mais idade, treino, paciência e algum chá de camomila, adorei. Tão simples quanto isso.
Com várias dificuldades, os puzzles conseguem ser complicados e stressantes; os companheiros de escalada partilham técnicas e itens, mas no calor do momento a cabeça esquece-se de tudo e é o salve-se quem puder. Encravei bastantes vezes, mas quando consegui avançar, o momento ah-ah era tão bom que era impossível não gostar do que estava a acontecer à minha frente. E isto trouxe um grave problema: o problema do só mais um nível.
Passei horas seguidas colado como há muito não o fazia. Em parte, porque os desafios eram viciantes, mas também porque a história era boa, mas tão boa. E as personagens podiam bem ser nós e os problemas nossos.
Mas demorei a entender como é que o jogo funcionava. Apesar de lidar com escolhas e morais, não é como um da Telltale, onde cada acção pede uma reacção. Dei por mim passivo, a assistir às situações que caíam em cima do nosso Vincent e só aí é que reagia, mas não será essa outra mensagem? A apatia e o conformismo? O mexer apenas quando estamos mal ou perdemos alguma coisa ou alguém? Podia discutir as mensagens deste jogo para sempre…
Volto a dizer que o jogo é lindo! Este Full Body dá uso ao motor do Persona 5 que combina belas sequências in-game com partes animadas para contar a sua história, mas a maneira como estão “filmadas” dá sensação de que estamos a ver uma série, com os close ups e os movimentos de câmara – e não estou longe da verdade, mas depois vêem. O jogo é prova de que não precisamos de gráficos reais e personagens ultra detalhadas, olho para aquele bar, para a mesa e vejo os quatro tipos a conversar, a beber e vejo pessoas reais, com expressões reais e bem vivas e isso também é graças ao excelente trabalho de voz; joguei em inglês e tenho a dizer que o trabalho está fenomenal Tenciono jogar em japonês numa próxima volta, mas tão cedo não vou esquecer a alma que aqueles actores deram às personagens e que as fizeram suas.
O jazz e os arranjos clássicos vão ao encontro da temática do jogo, relaxados, sensuais, adultos com partes mais mexidas para quando o jogo pede para mexermos o rabo nos puzzles. A Jukebox do bar tem uma selecção catita de temas da Atlus, portanto toca a meter a Beneath the Mask em loop.

Ainda bem que esperei estes anos; achei que os meus gostos deviam amadurecer para poder apreciar este jogo como deve ser. É um jogo que até faz pensar bastante e não só durante a escalada, mas na vidinha.
Assim pude saltar logo para a versão encorpada que inclui uma nova personagem, a Rin, e horas de conteúdo adicional; tem opções de acessibilidade para quem quiser ver só a história, modos para dois jogadores e outras surpresas. E que esta frase seja a única onde direi algo de menos bom do jogo: tive problemas com a câmara quando tentava rodar o mapa, mas contornei bem a questão.
Não preciso de uma sequela ao Catherine, preciso é de mais lançamentos da Atlus na Nintendo Switch e que estes cheguem em tempo útil porque já não estamos nos tempos da PS2. Dito isto, quero o Persona 5 Royal e o Scramble.
