A 5 de Novembro de 1274, 80 samurais defrontaram uma força invasora de milhares de mongóis, chineses e coreanos na praia de Komoda. A história dos 80 samurais de Tsushima não é a dos 300 espartanos de Termópilas e a Batalha de Komodahama não foi um sacrifício vitorioso mascarado de derrota. Foi um fracasso completo e trágico. Ghost of Tsushima abraça essa tragédia.
Lama, sangue e aço. O mote é levado a peito e, graças a isso, Ghost of Tsushima destaca-se num género confortável com banalidades numa indústria acostumada a romancear a guerra. O mundo que a Sucker Punch construiu conjuga as paisagens idílicas japonesas com uma violência sempre presente na forma de núvens de fumo, de ruínas de aldeias e de cadáveres pendurados de árvores e abandonados na beira das estradas.
Jogos de mundo aberto assentam em três elementos: história, mundo e jogabilidade. Encaixar estas três peças, em vez de serem aspectos isolados, é uma arte por si só e nem todos os jogos são bem-sucedidos. Em Ghost of Tsushima, não é o mundo que nos diz qual o estado psicológico de Jin Sakai, esse é-nos dado a compreender através da jogabilidade. Essa concretização é lenta, pautada, e ganha mais força à medida que exploramos a ilha de Tsushima e nos relacionamos com os seus habitantes.
A exploração é um elemento fulcral da experiência. Não há sistemas de caça ou crafting tradicional – todos os recursos servem a economia do jogo de uma forma ou de outra – e o mapa é maioritariamente vazio, reminiscente por vezes de Shadow of the Colossus. No entanto, esta sensação de isolamento é premeditada. As missões principais estão sempre visíveis no mapa, mas a maioria das secundárias só surgem à medida que falamos com os NPC e isto torna a experiência mais orgânica.
Ainda que divididas entre primárias e secundárias, todas respeitam o tema e nunca me senti deslocado do contexto da invasão. Mesmo as actividades extra que vão preenchendo o mapa (aldeias ou postos para libertar, tempos para escalar, banhos termais, locais para compor haikus ou testar a lâmina da espada em troncos de bambú) trabalham em conjunto com a história para dar corpo ao mundo.
Mas apesar do foco na exploração, a principal forma de interacção com o mundo e os que o habitam é através da katana. Desde a revelação que a Sucker Punch deixou claro que o combate é o foco de Ghost of Tsushima. Lama, sangue e aço, o próprio mote remete para a brutalidade dos samurais, e em boa parte o jogo cumpre com essa promessa. Os golpes, tanto os nossos como os dos inimigos, deixam marcas profundas e os encontros são tensos, em particular os duelos.
Esta tensão inicial, infelizmente, não resiste à progressão do jogo. À medida que aumentamos as opções de equipamento (armaduras e fatos), melhoramos o nosso arsenal e habilidades (dano da katana, bombas e projécteis, rapidez de execuções furtivas, precisão e alcance do arco) e a capacidade de Jin recuperar do dano sofrido, a maioria dos golpes passa a não ter o mesmo impacto. Há ainda talismãs que oferecem reforço a determinadas capacidades (defesa, ataque ou probabilidades de desencadear um efeito especial) e tudo isto em conjunto acaba por contrariar a sensação de impacto.
A sensação que fica é que há demasiadas vantagens para o jogador e Ghost of Tsushima tenta combater esse aumento de poder com inimigos mais resistentes ao dano e em maior número. O resultado são confrontos mais arrastados no terceiro acto porque os adversários requerem vários golpes para matar, mesmo depois de quebrada a defesa. Haveria maior equilíbrio se cada benefício de equipamento impusesse uma contrapartida, se a vida (hp) de Jin não aumentasse ou, pelo menos, não tivéssemos tantas oportunidades de recuperar do dano e da morte certa.
Ainda assim, o combate é a alma de Ghost of Tsushima, e os diferentes tipos de inimigos obrigam a abordagens distintas, cada um vulnerável a uma técnica de kenjutsu com golpes específicos. De um modo geral, os golpes mais avançados dependem de timings precisos, mas são os que mais prazer dão de executar. A complexidade do sistema de combate e a diversidade dos inimigos, que não se limitam em esperar pela sua vez, compensam em muito os aspectos mais desapontantes de design.
A dinâmica furtiva também é interessante e acarreta tensão quando estamos perante uma situação de reféns. Nestes momentos somos obrigados a olhar para os elementos do mapa com outros olhos, mas nunca estamos presos a tácticas furtivas. Esta liberdade de escolha entre uma abordagem directa ou tácticas Ghost elimina a ideia de caminhos predefinidos tão característica de secções furtivas. Por outro lado, não existe um perigo real em falharmos e deixarmos soar o alarme e isso diminui a sensação de risco.
A dualidade de Jin, porém, não se traduz apenas na abordagem ao combate. O seu crescimento enquanto Ghost está intrinsecamente ligado à história e à relação que tem com o mundo e com o seu tio e mentor. A decisão de não incluir um sistema de moralidade é refrescante, e o resultado é uma narrativa que desafia as convenções da indústria e que aborda temáticas difíceis, moralmente complexas, de uma forma adulta com peso e determinação. Não há personagens fracas e mesmo as mais tradicionais testam os limites do arquétipo que lhes é atribuído.
De um modo geral, os aspectos que me desiludiram em Ghost of Tsushima não são problemas do jogo, mas do género e da indústria. O desafio esmorece perante a necessidade de oferecer ao jogador uma fantasia de poder, de o tornar num Yojimbo de Kurosawa sem que o próprio mereça a glória das suas vitórias. É um engenho comum, empregue para transmitir uma noção de progressão, mas que retira mérito ao jogador quanto mais intrusivo for. Fica a esperança de que seja incluído um New Game Plus posteriormente ao lançamento para aumentar o desafio.
De qualquer modo, as qualidades de Ghost of Tsushima sobrepõem-se aos seus defeitos de forma triunfante. É surpreendente que tenhamos tido de esperar tanto tempo para vestir a pele de um samurai no Japão feudal, mas dificilmente poderíamos pedir uma melhor estreia. O combate é profundo e exigente, o mundo convidativo e embrenhado no tema, dissipando a familiariedade que temos com os elementos mais banais do género, e a história de Jin Sakai carrega o peso que o contexto merece.
Referi-o no início: jogos de mundo aberto estão demasiado confortáveis com banalidades. Ghost of Tsushima é tudo menos banal. Numa era pós-Witcher 3 e Red Dead Redemption 2, a Sucker Punch prova estar à altura dos novos padrões e este título junta-se a God of War e The Last of Us Part 2 como um dos melhores exclusivos PlayStation na conclusão desta geração. Para os jogadores que sonham em viajar pelo Japão feudal de katana em punho, Ghost of Tsushima não é uma mera recomendação. É um título obrigatório.

O código para análise (PS4) foi cedido pela PlayStation Portugal.
Que jogo!
Isto parece um grande, grande jogo!
😀
Vamos esperar para ver! 😀
Gostei do artigo! 🙂
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