O mundo dos simuladores é fascinante e desleal. À distância, longe de um PC de jeito e do mercado de baratas do Steam, vi crescer um género que é, em tudo, tão empolgante como matreiro, munindo-se de piadas fáceis e de mecânicas simples para enganar, roubar e viciar os jogadores que procuram alento nas tarefas mais monótonas. Mas nem sempre foi assim. Antes da cultura da internet, das piadas e do Steam Greenlight, existia um mercado saudável para quem queria apenas conduzir um avião ou comboio, ou para quem queria ser um polícia de trânsito e agricultor.

Os simuladores fascinam-me, mas sempre apreciei a distância entre nós. São videojogos para ver ao longe, para ler ou ver no conforto do sofá, mas sem nunca jogar. Como já começa a ser padrão no GLITCH, o destino é imperdoável e depois das minhas horas com Farming Simulator 2019, colocou-me em rota de colisão com House Flipper, da Empyrean, que acaba de chegar às consolas. A curiosidade manteve-se forte, o medo de não saber o que me esperava também, mas decidi ver o que este simulador de compra e revenda de casas tinha para me oferecer. Duas horas depois, estava viciado.
Não existiram motivos maiores, filosóficos ou de game design que me levaram a gostar tanto de House Flipper. Decidi tirar o meu chapéu de crítico e apreciar apenas o que encontrei neste simples, mas muito competente simulador. É incrível como House Flipper consegue transformar tarefas aborrecidas, como a limpeza e pinturas de casas, em atividades divertidas, dando aos jogadores a liberdade de criar e decorar as habitações à sua vontade e quase sem limites. Mesmo com um motor gráfico pouco surpreendente, que parece ser de outra década, e com modelos desinteressante e pouco criativos, repletos de texturas pouco ou nada convincentes, deixei-me levar pelo mundo do imobiliário e em poucas horas já tinha decorado e comprado várias casas, vibrando com o constante crescimento da minha conta bancária – que me levava a adquirir mais e melhor imóveis.

House Flipper divide-se em duas partes. A primeira foca-se em trabalhos encomendados, que acedemos através do nosso computador, com várias tarefas associadas para terminar. Sejam casas que necessitam de uma limpeza a fundo ou da construção de novas divisões, existindo a opção de demolirmos e reconstruirmos paredes, estes trabalhos são o primeiro contacto com o mundo de House Flipper e a melhor forma de começar a juntar verbas. Imaginem que são um trabalhador independente, de trabalho em trabalho, com o objetivo de comprar a sua primeira casa para revender. Assim é o início do jogo.
Os trabalhos encomendados nunca perdem a importância em House Flipper, mas com o tempo, entramos na sua segunda parte, no seu grande destaque e onde iremos permanecer até ao final da campanha. Trata-se da compra e venda de casas. Não vos consigo descrever o entusiasmo que senti quando comprei a minha primeira habitação, mas é um misto de euforia desmedida e de vergonha, dois adjetivos que servem para descrever toda a experiência do jogo. Há um entusiasmo, é aliciante escolher a casa certa e tentar remodelá-la para conseguirmos o maior lucro possível, com a lista de clientes a crescer a cada habitação que recuperamos. À medida que vendemos, temos acesso a novas informações sobres os nossos potenciais clientes, que reagem, em tempo real, às alterações que efetuamos nas casas, cuja lista de preferências pode ser acedida através do tablet. Todas as informações estão sempre disponíveis à distância de um click.
Mas como funciona House Flipper? E porque me agarrou desta forma? Para todos os efeitos, é um simulador na primeira pessoa onde temos acesso a várias ferramentas para melhorar e modificar casas. Através de um menu radial, podemos escolher rapidamente se queremos pintar, construir, tapar, limpar ou simplesmente redecorar todas as divisões. É um jogo imediato que não perde tempo com conteúdos desnecessários e que foca a ação nas casas, e apenas nas casas, não existindo nada para além da remodelação. A Empyrean percebeu e enalteceu os pontos fortes de House Flipper, e construiu um jogo difícil de olhar, mas muito fácil de jogar e adorar. Soube, portanto, perceber que existe diversão na monotonia.
É esse o seu segredo: o controlo da monotonia. É esta a fórmula de sucesso dos melhores simuladores, esta ideia de imitar e moldar a realidade às regras dos videojogos. House Flipper está tão dedicado à monotonia que nos coloca a seguir todos os passos nas instalações de eletrodomésticos ou de instalações sanitárias, onde temos de colocar cada parafuso antes de darmos a tarefa por terminada. É isto que me fascina. É totalmente realista? Claro que não, é um videojogo que transforma tarefas de 2 horas em 10 segundos, mas é também um simulador que nos obriga a pintar individualmente cada trecho de cada parede das casas. Mesmo com a existência de pontos de atributos, que melhoram a velocidade da personagem – e não só –, as tarefas nunca mudam e recaem sempre sobre a repetição das ações e a monotonia de transformar uma casa de raiz.

Esta dedicação à fórmula é aliada a uma paz que desconhecia existir num género como este. Mas existe. House Flipper é relaxante, muito descontraído e calmo, colocando o tempo nas nossas mãos. Não existem metas ou objetivos que exijam a nossa rapidez. Não há pressão para vender as casas o mais depressa possível. Nada. Nós controlamos o tempo que dedicamos às habitações, se queremos pintar tudo calmamente ou voltar a decorá-las. Podemos até comprar e só depois remodelá-la para venda. É uma experiência “zen”, um jogo que nos reconforta depois de um dia de trabalho. E para mim, que adoro a ideia de limpar e arrumar algo, de sentir a satisfação de ver os resultados de horas de trabalho e de limpeza, este loop nunca deixa de ser gratificante. É um jogo para pessoas estranhas – e ainda bem.
Não sei quanto tempo irá durar este amor por House Flipper, mas uma coisa é certa: irei continuar a jogar até adquirir todas as casas. A jogabilidade simples, o ambiente descontraído e a possibilidade de limpar e decorar as casas deixaram-me rendido a uma fórmula que, à distância, não me dizia nada. Afinal há amor nos simuladores, há dedicação e atenção aos pormenores, mesmo que estejam repletos de bugs e de problemas visuais. Mas há amor. Perante isso, só me resta continuar a jogar.
O que é que tu foste fazer!!!!!!!! Já tenho planos em familia para esta quarentena COVID-19 😀
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Ainda bem que pude ajudar!
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