Há uma razão por ter escolhido a série Yakuza como tema para estes artigos mensais.
Até há várias: o jogo precisa mais do nosso apoio por cá e porque não há um momento na minha vida recente de jogador que não meta Yakuza ao barulho. Oh boy! Há os memes de Yakuza que só quem joga vai entender. Oh boy…, as músicas do Karaoke a passarem durante as limpezas, o Roomba que se chama Majima e até o nome do peluche do cão! Há roupas no armário, há copos de uísque quando quero ser pretensioso a escrever artigos do género.
Há toda uma mentalidade e desejo de visitar aquele universo ao vivo e desapontar-me porque não é igual e é provável que não regresse vivo.

Portanto, vamos a isto e começamos com o Yakuza 0!
Não vamos pela ordem de lançamentos, mas pela ordem cronológica da série. E faz algum sentido pegar no 0 porque é um bom jogo para apresentar a série aos novatos, óptimo para os veteranos que já conhecem os cantos à casa e querem levantar o véu do passado dos nossos heróis e como acabaram nos anos entre este 0 e o primeiro Yakuza. E como serve de prequela ao resto da série, também este artigo será uma prequela para o que irei escrever durante 2020.
E porque isto não é um artigo da Wikipedia, não irei contar a história toda do jogo ou estaria a tirar a piada à coisa. Vou é lançar o isco e esperar que seja bom o suficiente para arriscarem.
Estamos nos anos 80, em 1988, e o Japão vive numa bolha económica onde o dinheiro é sacudido nas ruas para chamar táxis, companhia e vícios. Todos se divertem, excepto aqueles que não conseguem fechar os dedos à volta do papel.
Os problemas começam por aí, quando o jovem Kazuma Kiryu é acusado de ter morto alguém durante uma colecta de dívida. Um yakuza matar não é o problema em si, mas aquela gente tem um código de honra incrível que matar discriminadamente é um grande não-não com repercussões de ondas gigantescas que envolvem não só o indivíduo como a família. E o jovem Kiryu matou alguém e o cadáver desse alguém acabou num terreno abandonado: o “Empty Lot” que é e vai ser o palco para a trama deste jogo – e da série.
Se o distrito de Kamurocho é um marco dos jogos Yakuza, quase como uma personagem em si, a Millennium Tower pode ser considerada como o nariz dessa personagem, algo que lhe dá personalidade por ser o palco das grandes revelações, reviravoltas e confrontos. Ter este Zero a voltar atrás com as personagens mais novas é lindo, mas voltar aos anos em que a torre não existia, mas sim um terreno baldio, é o assentar dos alicerces para o que aí vem. Sim, o Empty Lot que os mauzões querem à força toda é o terreno onde será construída a Millennium Tower.
Claro que aqui, ainda ninguém sabe de nada. Só o jogador que já a visitou um ror de vezes! É como poesia, rima.

Também é um jogo importante porque estabelece as personalidades das personagens principais e respectiva evolução ao longo dos jogos. Por que é que o Kiryu é uma pessoa estoica; ou o Majima parece ter um parafuso a menos; ou por que raio anda aquele tipo a roubar calças!; depois, as secundárias que vão aparecendo neste e naquele jogo, enriquecendo este mundo colorido e demente de Yakuza. Como é uma entrada zero, teve de ter muito cuidado para não introduzir nada que pudesse contradizer os primeiros jogos da PS2, nos idos dois mil. Quis com isto dizer que morre muita gente. Sim, Yakuza não poupa o seu elenco.
E porque também é japonês, o nível de dramatismo e representação é bem elevado, e sempre a aumentar. Com sequências alucinantes de tareia de homem contra homem ou homem contra homens. Vários. Com motas. Sei lá! Há romance, momentos carinhosos e intervalos para o jogo respirar ao longo dos 17 capítulos. Sim, é enorme, mas o tempo passa a voar.
É importante que existam estes momentos porque quem conhece Yakuza sabe que há muito para fazer entre a história. Ou nada. É com o jogador, a sério.
Num momento estão a fugir pelos esgotos de Kamurocho ou a evitarem atentados terroristas como estão a recrutar um galo para ser agente imobiliário; a ajudar um clone do Michael Jackson a gravar uma nova versão do Thriller; apanhar gatunos de jogos de vídeo ou a gerir clubes de acompanhantes, onde as treinam, escolhem a roupa e a maquilhagem e servem os clientes, tudo, mas tudo com glamour.
Yakuza é isto, tanto é sério no seu núcleo, como consegue ser excêntrico para caramba na hora de rechear o jogo. O estúdio podia criar uma experiência linear e sacudir as mãos, mas a equipa de escrita está sempre a perguntar: e se, e se, e se. E se tivéssemos mais músicas no Karaoke? E se houvesse um coliseu secreto? E se numa missão, uma dominatrix precisasse de treino para ser assertiva? E se houvesse uma pista de dança? Quer dizer, e porque não?
Mas, por outro lado, Yakuza é dado à repetição e à preguiça – tópicos que terei de abordar quando já tivermos alguns artigos na mão. Nenhum jogo é perfeito e Yakuza está longe de o ser, mas se é divertido? Podem apostar os vossos ienes!

O Yakuza 0 também chegou numa altura estranha quando o ocidente pedia pela localização dos jogos, mas a Sega nem estava aí. Os jogos demoravam a sair devido à localização, vinham censurados (iremos lá chegar), davam-nos spin-offs de qualidade dúbia e era preciso que os fãs fizessem trinta por uma linha e implorassem para ter os jogos principais. Ainda assim, quando acabavam por sair, as vendas ficavam muito aquém do esperado e, por outro lado, não vinham unidades suficientes para as lojas. Preso por ter cão e preso por não ter, não é? Tanto que se cansaram e o 5 saiu só em formato digital.
O facto deste Yakuza ter saído por cá foi um milagre! Para além de ter sido o primeiro jogo na PS4, foi a canção do cisne da série e que estampou o nome nas cabeças dos jogadores. Afinal até está aqui uma série porreira. Com o sucesso brutal da prequela, os remasters Kiwami do primeiro e do segundo Yakuza saíram sem frete e o Yakuza 6, o último do Kiryu, teve uma campanha de marketing nunca antes vista no ocidente. E isso trouxe um grande problema…
Depois de terminarmos o melhor Yakuza, só havia um caminho: jogar os Kiwami e voltar atrás antes de pegar no 6. E isso implicava tirar o pó das PS3 e jogar do 3 ao 5 com mecânicas e visuais arcaicos. Enquanto a essência dos jogos continuava lá, era estranho retroceder em nível de qualidade, a um tempo em que a série procurava equilibrar-se e evoluía contida até ao grande, em tudo, quinto capítulo.
E depois terminamos no 6 que, de certa forma, também é um passo trás e alguns para o lado. Com o novo motor Dragon Engine, via-se que ainda se estavam a habituar ao bicho até chegarem ao Kiwami 2 (o 1 não usa este motor) e ao Judgment.
Dito isto, o Yakuza 0 é a tempestade perfeita de história e de qualidade para novos e veteranos. Tem os melhores visuais, as melhores mecânicas, os melhores vilões, as melhores substories, incluindo uma que envolve um culto que continua durante vários jogos e que não me deixa passar por igrejas brasileiras sem imaginar as situações ridículas em que me vi envolvido. É o início das rivalidades entre os clãs Tojo e a Omi Alliance, das tatuagens, enfim. No entanto, é preciso uma mente aberta e força de vontade para jogar tudo.
Mas se gostarem deste e gostarem dos Kiwami, não há desculpa para não jogarem do 3 ao 5. E se forem pacientes, os remasters saíram agora na PS4.
Até ao próximo artigo, Yakuza 1 e todas as suas versões.