Still not bitten?

Depois de quatro temporadas, eis que a jornada de Clementine chega ao fim com The Final Season. Para mim, um desfecho agridoce que demonstrou, uma vez mais, que esta coisa de as escolhas não serem somente “preto e branco” é mesmo verdade – mesmo que estejamos a falar de mundos digitais.

Já falei da minha experiência com The Walking Dead da Telltale no passado e, portanto, não é novidade a ligação emocional que tenho a esta série. Terminá-la foi um misto de emoções: felicidade por poder dar um desfecho a esta história (graças à boa vontade da equipa e da Skybound); e alguma tristeza pela forma como os acontecimentos foram contados.

O destino de Clem

(seguem-se spoilers de The Walking Dead: The Final Season)

Antes de mais, importa referir que está é uma opinião totalmente pessoal (a análise, essa, podem lê-la, aqui) relativa ao final da última temporada do jogo da Telltale. Assim sendo, vou direta ao assunto: quatro temporadas, e muitas aventuras depois, preferia que a Clementine tivesse morrido. Sei o que devem estar a pensar e, portanto, passo já a explicar: a admiração que tenho pela personagem, e pela história que vivemos juntas, faz-me exigir um final de honra para ela. Por isso, lidar com uma Clementine que, por ter ficado sem perna, se irá claramente resignar ao papel de decisora ou diplomata, ao papel de quem fica a guardar a base enquanto outros desbravam caminho, não é fácil. A escolha de manter Clemetine viva traz um final feliz que, na minha opinião, só o é à superfície. A que custo fica Clementine viva? Não tomar a decisão difícil de a deixar ir é realmente positivo para a personagem? Como será o seu futuro? E será que esse futuro espelha aquilo que a personagem foi até aqui?

Sinceramente, a Clem que fica viva será uma Clem diferente do que vimos até aqui. Poderemos, claro, argumentar que a própria última temporada nos transmite, por si só, esta mudança. É, sem dúvida, uma espécie de “coming of age” para a protagonista que, agora, lida, pela primeira vez, com questões como a sexualidade, maternidade e uma fase mais madura enquanto mulher. Tudo decisões acertadas e que fazem sentido para a continuidade do desenvolvimento da personagem. Contudo, à medida que ela cresce, é-nos impingido um desfecho quase paradoxal: Clem, agora com mais poder enquanto mulher, perde-o enquanto guerreira neste mundo pós-apocalíptico. É-lhe retirado o poder enquanto executante da ação – na verdade, se imaginarmos o que a série nos mostra, é claro que, sem uma perna, não vai sair para explorar ou combater, aliás, essa tarefa é delegada ao CJ.

Depois da sequência na qual Clementine reencontrou Lee, ficou, para mim, claro que este deveria ser o ponto de partida para um desfecho que não fizesse do “final feliz” a muleta (literal) de Clementine. Poupá-la após ter sido mordida, acrescenta profundidade a CJ, mas remove uma camada importante à protagonista, colocando-a à margem da ação, conferindo-lhe um atestado de invalidez que diz: afinal, o “still not bitten” deve ser lema, mesmo que a qualquer custo. O grande problema é que Clem nunca aceitaria isso – foi por isso mesmo que nunca desistiu, foi por isso que voltou para trás para salvar o CJ e foi por isso que lutou durante quatro temporadas. Nunca, em algum momento, viu a ação a partir das linhas laterais – nunca, pois o medo que sentia ficou naquela casa da árvore que abandonou no início da história.

CJ deveria tê-la morto, numa decisão narrativa que reforçaria o posicionamento na história deste novo personagem e que seria um fechar de capítulo simbólico – para Clementine, Lee e para a própria Telltale. Depois de quatro temporadas, e tendo em conta a escolha narrativa de ter Clementine a ser mordida, a história deveria ter sido finalizada com o reencontro final dela com Lee. Um argumento que ganha força, especialmente se tivermos em conta, que no momento do sonho, ambos falam de passado, presente e futuro, de igual para igual. Lee passa a ocupar, desta forma, um lugar de conselheiro (e não de alguém que manda na Clem), dando-lhe espaço para confiar nas suas próprias decisões e opiniões. São, a partir desta sequência imaginária, e mais do que nunca, pares.

The Walking Dead terminaria, então, com duas realidades paralelas – a de Clem e Lee e a de CJ e restantes sobreviventes – numa derradeira conversa entre dois companheiros que, à merce do mesmo destino, traçaram caminhos iguais e interligados.

O outro lado da moeda

Pensei bastante sobre este final e, verdade seja dita, considero que talvez não tivesse a mesma opinião sobre o destino de Clem se a narrativa não tivesse envolvido o momento em que ela é mordida. Na verdade, num texto anterior, escrevi: “decreto que a Clem caminha, agora, em direção ao Sol, longe das cidades (como o Lee sempre lhe disse para fazer), de cabelo curto e chapéu na cabeça. Vira-se para nós e diz, com a segurança de quem ainda tem tanto para viver: ‘Still not bitten’”. Assim sendo, é mais do que claro que imaginava um final de continuidade e coesão para Clementine – que não é o mesmo que dizer um final feliz, atenção.

Manter Clementine viva foi uma escolha segura, com medo da opinião dos fãs ou de gerar polémica. Foi o triunfo dos óculos cor-de-rosa e de uma vontade de agradar a todos. Nenhuma destas características tem a ver com a série, – que sempre se focou em temáticas como a perda, o drama e o quão cinzentas podem ser as zonas que envolvem escolhas difíceis – com a história ou com aquele que deveria ter sido o final desta personagem feminina incrível.

Clementine, lamento que te tenham colocado nas linhas laterais da ação para bem do politicamente correto. Merecias mais e, no desfecho que criei na minha cabeça, estás de facto a caminhar em direção ao sol, de cabelo curto. Contudo, já não te viras para nós… viras-te antes para o Lee, colocas-lhe o boné na cabeça, e dizes: “Bitten, but forever a badass”.

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