Sekiro: Shadows Die Twice | GLITCH REVIEW

Durante décadas, a From Software parecia estar destinada a ser uma produtora de culto. Apesar da popularidade de Armored Core, especialmente no oriente, a produtora japonesa continuava a ficar atrás das gigantes da indústria, da Square-Enix, da Capcom, e da Konami, no que toca à sua presença no ocidente. Mas com o lançamento de Demon’s Souls, em 2009, algo mudou. A From Software mudou e a própria indústria mudou. Com Dark Souls, em 2011, a produtora ganhou finalmente o reconhecimento que sempre mereceu e com Sekiro: Shadows Die Twice, a From Software dá-nos o seu segundo renascimento. Este é um novo recomeço, é uma homenagem ao passado e a sua recusa – tudo num só jogo. Sekiro é especial e é, sem quaisquer dúvidas, um dos melhores da geração – senão mesmo o melhor do catálogo da produtora.

A From Software conseguiu criar um jogo que é tão familiar como novo, num equilíbrio incrível entre a jogabilidade e a estrutura que popularizaram a série Souls com uma nova aposta em níveis verticais e mais furtivos. Sekiro é um produto interessante de analisar, onde a sua estética é claramente sinónima da From Software, desde a iluminação aos menus do jogo, com alguns elementos da jogabilidade a serem uma vez mais readaptados para uma nova experiência. Há algo no ADN do estúdio japonês que continua a interligar todas as suas séries, desde o lançamento de King’s Field até a Sekiro e à sua reinvenção do estilo da produtora. A familiaridade mantém-se não só no design dos níveis, mas também na forma como a história é contada e as personagens são desenvolvidas, novamente envoltas em mistério e em diálogos crípticos.

Apesar de apostar novamente no mistério, implementando um maior foco nas memórias e num jogo entre vários espaços temporais, Sekiro tenta assumir uma estrutura mais clássica quando comparada à série Souls. Wolf, o nosso protagonista, é uma personagem mais desenvolvida e com personalidade própria, onde a sua voz é tão reconfortante como indispensável para a narrativa e para o seu impacto. Sekiro é uma viagem pessoal e dá-nos um mundo melancólico, mas não tão negro como nos restantes títulos da From Software, onde ainda existe a esperança e a possibilidade de redenção num país consumido pela guerra. As personagens, no geral, são mais humanas, ainda que um pouco frias, e é através delas que encontramos algumas das melhores histórias do jogo. No que toca à história, a From Software não alterou o seu formato, mas expandiu-o e readaptou-o a um novo género.

Há muito para descobrir no mundo de Sekiro e é interessante ver como a From Software construiu cada nível e desenvolveu as suas personagens. A narrativa é novamente complementada através de uma componente mais visual, mas também através de notas e de missões secundárias, que expandem a sua história para além do nosso protagonista. Dou ainda destaque à possibilidade de ouvirmos as conversas dos inimigos, que nos dão, muitas vezes, informações sobre futuros bosses ou itens escondidos. Estas conversas servem também para dar mais vida ao mundo do jogo e relembrar-nos que existem outras pessoas presas neste cenário de guerra, muitas vezes dispostas a tudo para sobreviverem. Desde Bloodborne que não me sentia tão envolvido numa história da From Software e Sekiro parece ser uma evolução palpável no que toca à escrita do guião e à sua estrutura, sendo mais direto, mas igualmente misterioso, quando comparado aos outros jogos. A adaptação do período Sengoku dá mais personalidade e realismo à história, que é complementada por elementos fantásticos para construir o seu mundo.

Apesar do foco no combate, as personagens dão vida a Sekiro e adicionam-lhe uma mitologia e vivacidade que complementam o mundo consumido por guerra em que se inserem.

Mas Sekiro é uma quebra notória no modelo da From Software e uma mudança há muito esperada. Se a indústria continua interessada em imitar Dark Souls e as suas sequelas, já a From Software parece querer manter a distância, inspirando-se na sua franquia apenas para construir algo novo e, na minha opinião, superior no que toca a alguns aspetos da sua jogabilidade. Sekiro não é um RPG de ação, mas sim um jogo de ação furtiva com alguma personalização, onde a nossa personagem não evolui por níveis, mas sim através das suas habilidades inerentes.

A progressão do jogo foi reinventada e segmentada por sistemas, com Sekiro a oferecer uma maior variedade no que toca à evolução do nosso shinobi. Como não existe uma progressão por níveis, o jogo oferece-nos a possibilidade de desbloquearmos novas técnicas através de pontos de experiência e de várias árvores de habilidades. Existe assim uma maior liberdade na construção da nossa personagem, onde temos a oportunidade de criar um lutador mais agressivo, com habilidades que ajudam no desvio de ataques mais poderosos, ou um ninja mais focado na furtividade.

A forma como evoluímos a vitalidade e a resistência da personagem também foi retrabalhada e está inteiramente dependente do combate contra os inimigos mais poderosos. Por cada mini-boss, temos acesso a uma conta (beads) que, ao juntarmos quatro, temos a possibilidade de transformar em vitalidade, aumentando assim a energia da personagem. Pensem em Devil May Cry 5 e nos Blue Fragments. Como não existem armas ou equipamentos para colecionar, o ataque só pode ser melhorado através do sacrifício das memórias de Wolf, que ficam disponíveis após o combate contra os bosses mais poderosos.

Sem uma evolução por níveis, o jogo exige-nos que dominemos o seu sistema de combate e que não dependamos tanto do desbloqueio de novas habilidades e próteses.

Não é só na progressão que Sekiro quebra o molde. Como um todo, é um jogo mais furtivo, ainda que um pouco limitado no que toca à sua estratégia, e implacável em combate. Wolf não é muito resistente e sendo um shinobi, é mais poderoso se estiver nas sombras e se for capaz de surpreender os seus inimigos. O jogo oferece sempre uma alternativa ao combate, há uma recompensa palpável se explorarem os cenários e encontrarem caminhos secretos, com os confrontos a ganharem uma nova dimensão através de ataques-surpresa que nos dão uma clara vantagem. A exploração está inerente ao combate e é ai que Sekiro constrói a sua personalidade e nos dá uma experiência totalmente nova.

O design dos níveis complementa totalmente esta nova vertente, oferecendo cenários mais verticais e repletos de caminhos alternativos. Apesar de existir uma progressão mais linear, quando comparada a Dark Souls, Sekiro mantém a filosofia de design da From Software ao oferecer atalhos e zonas secundárias, muitas delas desaconselhadas para os iniciantes. É possível passar qualquer nível sem sermos vistos se dominarmos o layout dos níveis e aliarmos esse conhecimento à utilização do Grappling Hook, que expande a movimentação do jogo a um novo patamar. Apesar de só conseguirmos utilizar o gancho em determinados pontos do mapa, representados por uma bola verde, não existem dúvidas que será difícil olhar para outro jogo da From Software sem esta mecânica. Os movimentos são tão fluídos, tão leves e certeiros que me vi muitas vezes a explorar os cenários sem um objetivo em mente, apenas pelo prazer de ver o jogo em ação.

Se a furtividade dá uma nova alma à jogabilidade, já o combate demonstra-nos como este é um novo início para o género. Bloodborne já nos tinha dado um pequeno vislumbre de um mundo pós-Dark Souls, mas é em Sekiro que a From Software eleva a sua própria fasquia ao dar-nos o sistema de combate mais visceral, frenético e desafiante do género. Nem em Devil May Cry 5, que saiu também este mês, encontrei uma sensação de perigo e de impacto tão presentes, algo que Sekiro domina em todos os seus confrontos. Isto porque se trata de um jogo de duelos, maioritariamente em um contra um, onde o ataque é a melhor defesa.

A maioria dos combate acontece em 1v1, o que nos dá um maior contexto sobre o nosso adversário e o cenário em que o defrontamos.

Em Sekiro, a metodologia da From Software foi virada do avesso, onde a agressividade de Bloodborne é exponenciada através de um sistema de defesa e ataque que muito certamente iremos ver replicada por outros jogos no futuro. Aqui, é absolutamente essencial desviar os ataques dos inimigos e quebrar as suas defesas através do desgaste. Apesar do ataque ser importante, é na defesa e no contra-ataque que Sekiro se destaca, oferecendo combates rápidos onde o tempo de resposta é essencial. A barra de stamina, popularizada pela série Souls, foi substituída pela defesa e pela barra de postura, algo que teremos de desgastar à medida que cansamos os adversários com os nossos desvios. Quando a postura é quebrada, temos a hipótese de desferir um golpe mortal que finaliza a maioria dos confrontos. Isto significa que é importante não darmos descanso aos inimigos, mas sim manter a ofensiva e aprender o seu ritmo, dando aos combates uma intensidade entusiasmante. Quando vencemos, sentimos que foi através da nossa própria destreza e não da evolução da personagem ou dos seus atributos. Sekiro é pura técnica. E sendo um jogo sem multijogador cooperativo, isso significa que só poderão depender da vossa própria destreza.

Escusado será dizer que Sekiro é, em todos os sentidos, um jogo difícil. Apesar de alguns sentirem que é mais acessível que a maioria dos Souls, é um jogo que requer que dominem o desvio e o contra-ataque para vencerem, com alguns bosses a serem um desafio tão intenso que irão ter vontade de desistir. No entanto, não é cruel, apostando num maior equilíbrio entre o desafio e a recompensa e adicionando caminhos alternativos que nos poderão dar uma maior vantagem contra os bosses. Wolf é um shinobi, é suposto atacar pelas sombras e apanhar os inimigos desprevenidos, algo que não devem menosprezar enquanto exploram os vários níveis. Apesar de ter encontrado alguns combates que foram condicionados pela câmara, um problema constante nos jogos da From Software, e alguns problemas de performance, pude verificar que isso só aconteceu em espaços mais limitados e fechados e em determinados níveis. No geral, Sekiro coloca-nos em arenas espaçosas onde é fácil lermos os movimentos e ataques dos inimigos, que são coreografados.

Esta dificuldade está também presente no sistema de ressuscitação e nas suas penalizações. Ao contrário da série Souls, não temos a oportunidade de recuperar toda a experiência e dinheiro que perdemos quando morremos. Em Sekiro, conseguimos ressuscitar uma vez em combate, existindo, no entanto, a possibilidade de aumentar o seu número de utilizações, e quando morremos definitivamente, perdemos metade dos nossos pontos de experiência e de dinheiro. Isto acontece sempre que somos derrotados, um castigo suficientemente pesado para nos fazer pensar antes de agir. No entanto, existe a possibilidade de mantermos todos os nossos pontos depois de uma morte através de uma mecânica aleatória que só é ativada de acordo com a nossa sorte. O Unseen Aid, cuja percentagem pode ser verificada nos menus, determina a sorte de Wolf e a regularidade com que a nossa experiência e dinheiro são salvos depois de uma morte. Isto não é, no entanto, uma garantia e devem enfrentar o jogo com noção dos seus riscos.

A ressuscitação não é apenas uma mecânica interessante no que toca à jogabilidade, mas também pelo seu impacto no mundo do jogo. À medida que morremos e ressuscitamos, estamos a envenenar o mundo com o nosso sangue amaldiçoado, espalhando uma doença, intitulada Dragon’s Rot, que começa lentamente a afetar a saúde das várias personagens. Isto determina também a probabilidade de ativarmos o Unseen Aid, reduzindo a sua percentagem à medida que afetamos mais personagens. O mundo em si pode sofrer alterações profundas se não revertermos os efeitos da doença, algo que nos dá uma maior sensação de urgência e um peso incontornável às nossas ações. Sentirmos que o bem-estar das personagens depende da nossa prestação é algo que nos acompanha do princípio ao fim e que nunca perde o seu impacto na jogabilidade. Felizmente, existe um método de limpeza através da utilização de Dragon’s Blood Droplets, um item limitado que poderemos comprar e encontrar pelos níveis.

Ainda que não exista uma relação próxima entre personagens, a ideia de sermos responsáveis pelo seu bem-estar nunca desaparece da jogabilidade e encontrei situações onde desesperei pela falta de itens para os curar.

Ao sistema de combate, juntam-se as próteses e as suas modificações. Espalhadas pelos níveis, estas próteses dão-nos acesso a armas secundárias que podemos usar em combate, desde machados até a escudos. Cada prótese tem as suas vantagens e desvantagens, existindo sempre um inimigo ou boss onde poderão ser utilizadas para facilitar o seu confronto. As próteses complementam a rapidez do combate, mas a sua utilização está limitada através de Spirit Emblems, que podem ser comprados, adquiridos em combate e colecionados pelos mapas. Pensem nas balas de Bloodborne e terão uma ideia da sua utilização, com cada prótese a necessitar de um número diferente de Spirit Emblems.

Em 2015, quando Bloodborne foi lançado, não tive a oportunidade de o analisar. Vi os meus colegas à distância, num misto de curiosidade e de inveja assumida, pensando se um dia teria a mesma sorte. Quatro anos depois, vejo-me a analisar Sekiro: Shadows Die Twice, agora ao lado da minha equipa e de colegas de área, com quem posso partilhar o entusiasmo e amor pelos videojogos. É difícil falar de Sekiro sem perder horas a identificar todos os pormenores e mecânicas que fui encontrando nas minhas horas com o jogo. Há muito para falar e elogiar, mas é uma aventura que deve ser descoberta por cada um de vocês, não pelos outros. Da minha parte, só resta dizer algo que consiga resumir todos os meus sentimentos da forma mais direta possível: é melhor que Dark Souls e tão bom como Bloodborne. E isso, é o melhor elogio que algum jogo alguma vez receberá.

A escala utilizada é de 1 a 10

O código para análise (PS4) foi cedido pela Ecoplay.

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