Os metros de Moscovo ficaram para trás, mas novos terrores esperam-nos nesta viagem por uma Rússia destruída pela guerra nuclear. Pela primeira vez, a série Metro transporta-nos para cenários mais extensos, com uma nova história e várias missões secundárias para descobrirmos, mas sempre com o mesmo foco na sobrevivência e nas escolha narrativas. Mas será esta a evolução que a série precisava? O Canelo e o David juntaram-se para chegar a um consenso.

Canelo – Apesar do meu interesse pela série, Metro Exodus foi anunciado sem a fanfarra pessoal que esperava por uma sequela. Não sei se foi a sua revelação inesperada ou o facto de Last Light, lançado em 2013, me ter deixado satisfeito e com uma conclusão suficientemente válida, mas houve um distanciamento pessoal que não senti em relação aos outros títulos da série. Ao contrário de mim, não és tão dado à série Metro e começo a nossa análise por perguntar qual foi a tua reacção ao mundo pós-apocalíptico de Exodus e à sua aposta em mapas mais extensos, agora longe dos corredores lineares dos jogos anteriores.
David – Devo dizer que sou completamente ignorante ao género, desde as suas influências, como S.T.A.L.K.E.R., à série em si. Desta forma, acabei por seguir o desenvolvimento e a antecipação em volta do jogo um pouco de longe, apenas olhando para os aspetos técnicos e promessas para este período final da geração. Mas respondendo mais diretamente à tua questão, o meu primeiro contacto deixou-me dividido.
No que toca ao jogo em si, as primeiras horas foram algo complicadas para entrar no ritmo e na filosofia de jogo, mas devo dizer que no que toca à narrativa, não me senti alienado por nada. O jogo faz um excelente resumo do que aconteceu para trás, apresenta devidamente as personagens principais com quem vamos interagir, assim como o seu conceito principal. O resto foi uma aventura.
Canelo – Até certo ponto, Exodus parece ser um capítulo à parte, não fosse pela presença de personagens-chave, como Artyom, o nosso protagonista, e os seus companheiros de combate. O jogo funciona muito bem dentro do seu próprio mundo e é eficaz na construção dos fios narrativos e até das suas reviravoltas, mas há um enorme problema de ritmo que não consegui contornar. Exodus parece estar sempre a parar e a arrancar, a experimentar novos acontecimentos, mas sem saber como os conciliar. Parece que existe uma vontade e uma necessidade tão grandes em avançar e em surpreender o jogador que é normal encontrarmos sequências em que somos presos, capturados e libertados em poucos minutos ou horas. Apesar da sua eficácia em construir o mundo do jogo, a 4A Games continua a não saber dar ritmo aos seus jogos e a injectar uma repetição narrativa incontornável nas campanhas que constrói.
E isso talvez aconteça devido à aposta num mundo mais aberto, dividido por hubs repletos de missões secundárias e de recursos para recolhermos. Já sabemos que este tipo de estrutura acaba por desvirtuar a história e penso que Metro Exodus é vítima disso, especialmente quando temos uma história que nos leva numa viagem de um ano por várias zonas. Mesmo com estes problemas narrativos, não existem dúvidas que esta passagem foi saudável para a série, um sacrifício necessário que acabou por reinventar a jogabilidade do jogo e dar-lhe uma maior profundidade. O que achaste do mundo?

David – De facto, concordo contigo em quase tudo. O jogo não é muito coeso em termos de ritmo devido às várias áreas por onde vamos passando na nossa jornada. Há momentos em que acerta em cheio com os hubs mais expandidos e que motivam a exploração, mas de repente somos enfiados em corredores com uma urgência completamente diferente daquela a que o jogo nos tem habituado, cortando um pouco as asas no que toca à exploração e ao tom do jogo. Lembro-me em particular de num nível entre dois hubs onde começamos a jogar como se fosse um DOOM. E mais para o fim, temos ainda regiões que, ainda que abertas, não revelam a expansão das anteriores. Em retrospetiva, as áreas mais abertas parecem ter servido apenas para queimarmos tempo e para justificar algumas ramificações interessantes.
No que toca ao mundo, houve um certo crescendo em vários departamentos. Os locais apresentam-se sempre com paletas de cor bastante distintas, com ciclos de dia-noite e com condições atmosféricas dinâmicas que resultam bastante bem e tornam a minha e a tua experiência bastante distintas em algumas situações. O jogo parece que vai ficando mais bonito à medida que avançamos, algo que, honestamente, não me deslumbrou no início. Na realidade, fiquei um pouco desapontado com a apresentação geral do jogo no que toca aos gráficos.
Canelo – Existem altos e baixos, sem dúvida. A ideia de termos uma viagem, dentro de um tempo fixo, ajuda na criação de empatia com as personagens e o mundo em si, mas se o ritmo não for cuidado, acaba por afastar os jogadores e tornar a história cansativa. No meu caso, senti demasiadas vezes esta repetição, este pára/arranca onde tanto temos sequências onde tudo acontece como passamos para missões descartáveis e desinteressantes.
O mesmo não posso dizer do seu mundo, nomeadamente a nível estético. Adorei as minhas horas com Metro Exodus e toda a sua estética europeia, relembrando-me jogos como S.T.A.L.K.E.R. e alguns clássicos do cinema russo, como a filmografia do realizador Andrei Tarkovski. Pela primeira vez, vi-me a parar e a captar alguns dos cenários que encontramos ao longo da campanha e a absorver o mundo à minha volta, fosse durante o inverno, na costa gelada de Volga, ou nos desertos quentes de Caspian. É uma pena a performance ser um pouco consistente na PS4 básica, especialmente quando estamos a falar de um jogo que foi tão falado e elogiado devido ao seu poderio gráfico.
Depois de dois jogos no interior do sistema metropolitano, devo admitir que os cenários mais extensos e as suas zonas de exploração foram uma lufada de ar fresco, especialmente no que toca à jogabilidade. Ainda que seja mais pesada que o normal, é reconfortante perceber e sentir que a jogabilidade continua a manter a mesma lógica dos títulos anteriores, mas agora num formato mais extenso e que puxa pela imaginação dos jogadores.

David – Não há dúvida que o departamento de arte acertou em cheio, é fácil localizar-nos geograficamente num país de leste, ainda que esteja completamente desolado, e há um excelente trabalho de imersão no jogo nesse sentido. Por isso é que os visuais, em especial nas nossas consolas, me desiludiram, pois raramente fazem justiça à sua ambição. Muitas texturas são de uma qualidade mais baixa e a quantidade de filtros e efeitos de pós-processamento parecem que abafam a imagem do jogo e escondem efeitos de iluminação bastante raros nas consolas, onde é preciso ser um pequeno geek para os apreciar.
Infelizmente, o desempenho do jogo também não acompanha o seu potencial e os seus 30FPS, juntamente com a jogabilidade pesada e lenta, tornam o jogo por vezes aborrecido e sem grande sensação de polimento. Foram várias as alturas em que parecia que estava a jogar Kingdom Come: Deliverance, devido ao peso das animações da personagem. Isto tudo em conjunto também não trabalha muito bem em nosso favor durante os confrontos com inimigos, criaturas e, em particular, bosses.
Ainda no que toca à jogabilidade, gostei de sentir que podíamos recorrer à ação furtiva. O jogo faz até uma certa pressão para o abordarmos dessa maneira, recompensando-nos com ramificações a nível de história, mas no fundo, acaba por não ser muito prático pela falta de pequenas mecânicas habituais em jogos furtivos, como, por exemplo, esconder corpos ou arrastar inimigos para zonas mais escondidas.

Canelo – A série sempre teve este foco na ação furtiva, nas escolhas e na forma como abordamos um confronto, que complementa a vertente de sobrevivência que sentimos desde Metro 2033, mas não existe uma evolução palpável da jogabilidade neste terceiro jogo. As sequências furtivas são divertidas e é excelente existir uma escolha e uma alternativa, mas tal como indicas, continuam a faltar certas mecânicas importantes do género. Esconder os corpos seria essencial para quando exploramos um edifício ocupado, mas Exodus não dá esse passo.
Eu gosto que a ação e as nossas escolhas estejam diretamente ligadas à progressão da história, com certos acontecimentos a determinarem até a sobrevivência de personagens secundárias. Acho que a série deve ter esse peso na sua jogabilidade e as consequência devem ser sempre claras, mas Metro Exodus também gosta de nos apontar o dedo sem nos avisar de que há um caminho alternativo.
Ao contrário do que esperava, esta passagem para hubs e cenários mais extensos veio complementar a jogabilidade, ainda que, tal como estamos a identificar, com alguns percalços. A sua base não foi reinventada, por assim dizer, continuamos a jogar com a mesma filosofia de design e de progressão dos jogos anteriores, mas notei que há uma maior aposta na liberdade e na variedade de caminhos e abordagens que temos em cada missão. Esta aposta verifica-se até nos acampamentos secundários que encontramos, com o ciclo dia-noite a ser um elemento importante para a nossa exploração, alterando o número de inimigos e de perigos que encontramos no mapa. Também sentiste isto ou achas que faltou algo no mundo de Metro Exodus?

David – Eu acho que faltou muito foco. As ideias estão todas lá, mas sentem-se incompletas. Um pouco à semelhança de outro jogo recente (cof cof Anthem), Metro sofre de algumas falhas a nível de características qualidade de vida. Como bem dizias, o jogo esquece-se de nos dar informações relevantes, uma delas essa ação/reação das nossas…ações, que podem dar aso a pequenas histórias e confrontos bastante diferentes, como aconteceu connosco a certa altura.
Eu apercebi-me disso graças a outro problema, que resultou na perda de uma hora de jogo com um bug que não me deixava avançar na história. O sistema de checkpoints do jogo é péssimo e obrigou-me o tempo todo a fazer gravações por cima das anteriores, o que, por exemplo, me impediu de repetir certas partes sem ser ao regressar ao início dos capítulos. Isto é um problema relativamente grave, agora tocando na história, quando temos personagens em risco de vida consoante as nossas ações e escolhas no cumprimento das missões secundárias.
Apesar de pedir emprestado um formato muito semelhante a, por exemplo, Half-Life 2 e apesar de ter gostado imenso da sua jornada, não posso, nem consigo ignorar o modo como a história (numa vertente mais íntima e pessoal das aventuras de Artyon e companhia) é contada. A construção do mundo e o que se passa no pano de fundo é contado de diversas formas, sendo a mais aparente o visual storytelling, mas a quantidade de exposição juntamente com os diálogos e interações das personagens é simplesmente hilariante.
Talvez seja o facto do jogo, que é polaco, ter sido escrito primeiro na sua lingua nativa ou pelo facto dos atores não terem o inglês como língua nativa, mas a escrita aliada ao desempenho dos atores deu-me uma enorme vontade de rir ao longo desta jornada, mesmo em momentos mais tensos e emocionais. Tu que és fã do “tão mau que é bom”, o que achaste de toda esta parte?

Canelo – Eu vejo-me muito dividido em relação a certos elementos do jogo e a história é um deles. Com a falta de ritmo, que já apontámos, junta-se esta dessincronia entre a representação das personagens e o mundo em que estão inseridas, não existindo um consenso no tom. Vi-me desligado da história e dos seus acontecimentos em muitos momentos importantes e a falta de um bom trabalho de representação está no cerne deste afastamento. Pelo que percebi, os atores russos não fazem um trabalho melhor e já lá vai o tempo em que bastava ficar a ouvir histórias paralelas para justificar problemas narrativos. Era divertido parar para ouvir os habitantes do metro nos outros dois jogos, mas aqui, os diálogos tornam-se chatos e invasivos.
Esta divisão leva-me a concluir que adoro jogar Metro Exodus quando posso explorar livremente e embrenhar-me nas mecânicas de sobrevivência e nos cenários que encontramos ao longo da campanha. Quando sou obrigado a seguir a história ou a ser acompanhado por outras personagens, que estão constantemente a debitar informação, sinto uma quebra enorme. Chego mesmo a sentir-me desinteressado pelo jogo e isto é problemático. Será apenas por causa desta passagem para o mundo mais aberto? Não creio, mas é certo que esta fórmula veio evidenciar as virtudes, mas também os problemas desta série.
Mas devo sublinhar que quando adorei Metro Exodus, adorei mesmo e continuo a adorar. A jogabilidade pesada complementa perfeitamente a aposta na sobrevivência, com a construção de armas e recursos a ser um elemento importante e muito intuitivo que nos acompanha ao longo das quase 20 horas de campanha. O mundo tem muito para nos dar, com o combate a ser desafiante e até cruel quando é necessário, adicionando ainda uma mecânica de limpeza das armas que influencia o seu funcionamento. Existem aqui excelentes ideias que precisavam de ser limadas e reposicionadas, juntamente com a falta de ritmo na história, e acredito agora que a série precisava de mais uma sequela para chegar a um ponto de equilíbrio. Seria essencial, pelo menos a nível de mecânicas, mesmo que tivéssemos uma nova história neste mundo destruído.

David – Este também foi um dos jogos que me fez lembrar o quanto desgosto de um protagonista mudo em que tudo o que acontece é na primeira pessoa. Fez-me particular impressão Artyon ser um autêntico pau-mandado, em que todas as personagens lhe perguntavam ou mandavam fazer algo e a resposta saia apenas da nossa imaginação com base no que diziam a seguir.
Como me dizias no outro dia, e muito bem, Metro Exodus quer, mas não chega a ser um “Triple AAA” conceptualmente e mesmo a nível técnico, apesar de ser todo um poderio no PC, conta com aquelas irregularidades e características amadoras que identificámos. É particularmente estranha a qualidade ou a forma narrativa com que a história é contada tendo em conta que é baseada numa obra literária conceituada.
Uma coisa é certa, sou grande fã da ideia que “a jornada é que conta” e a minha jornada foi divertida e cheia de momentos algo memoráveis. Enquanto introdução à serie, mesmo sendo o terceiro e provavelmente o último jogo, foi eficaz. Se quero mais ou mesmo experimentar o que está para trás, ainda não sei, mas posso dizer que fiquei satisfeito com esta aventura.
Canelo – Metro Exodus é um bom jogo e é por causa disso que as suas falhas se tornam tão visíveis para mim. Parece que estamos sempre a um passo de atingirmos a genialidade, mas que devido a algumas más escolhas, continuamos entre o excelente e o medíocre. Nunca chega a ser um jogo mau, longe disso, mas Metro Exodus podia ser especial e um verdadeiro colosso género.
Há muito para descobrir neste futuro pós-apocalíptico e a passagem para os cenários mais abertos foi acertada, com os elementos de sobrevivência a ficarem bem sublinhados pela jogabilidade exigente. Há um passo atrás e dois à frente, e como fã da série, sinto-me satisfeito e frustrado com esta sequela. Penso que dependerá de cada jogador, de cada exigência e do quanto estão dispostos a desculpar ou a contornar certos problemas do jogos. Por isso, tenho de reforçar que Metro Exodus é um bom jogo, “mas…”.

O jogo para análise (PS4) foi cedido pela Ecoplay.
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