Tradução em Videojogos

Quando era puto queria ser astronauta ou engenheiro informático, mas o olho torto e a Matemática lixaram-me. Os testes psicotécnicos e uma tia professora aconselharam-me as Letras, mas acabei em Ciências – eu nunca disse que era inteligente! Os jogos, o gosto pela escrita e por línguas viraram o navio, mas foram os panfletos dos jogos com traduções miseráveis que me fizeram naufragar nesta ilha da Tradução.

Depois do curso, formei a Genuinus com um amigo para localizarmos jogos indie, mas sem sucesso e estive para ir para a Nintendo. No entanto, tive de ficar por cá. Chega de mim, como é que estão?

Eu vejo a Tradução como uma ponte que une várias ilhas onde falam línguas diferentes, que nos deixa atravessar para um mercado de RPG japoneses e vice versa. E ainda tem a capacidade de nos ensinar línguas novas. Quem é que não aprendeu inglês a jogar? Ou japonês. Se bem que nem todos tenham essa paciência ou tempo. A tradução é o peixe do Hitchhiker’s Guide to the Galaxy que nos ajuda a compreender e a interagir com o mundo. Num próximo artigo falarei da linguagem como jogabilidade – pensem em Journey e nos jogos do senhor Ueda.

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Durante a era dos 32 bits, os RPG japoneses eram uma das maiores vítimas da falta de uma tradução cuidada, algo que ainda hoje continua a ser corrigido.

Um tradutor torna-se invisível quando faz um bom trabalho; quando o conteúdo final não se assemelha a um guião de uma novela da TVI. Já uma má tradução perpetua chavões como o What is a man?; All your base are belong to us; Spoony Bard, etc.ou todo Resident Evil. Os oitentas e noventas não primavam pela qualidade, mas tinham aquele cheese típico que não trocava por nada. E era uma sorte já termos jogos! Agora rimos das pérolas e suspiramos pelos belos tempos. Hoje torcemos o nariz às más traduções e somos todos nazis gramaticais. É porque temos meios para fazer melhor, mas fazemos? Nem sempre. Um salto à página Legends of Localization mostra-nos que ainda há um certo laissez-faire na localização de vários jogos, e alguns de renome.

Mas se os profissionais (não eu) não querem saber, e os fãs que trabalham dia e noite para trazer os jogos que todos querem, mas que ninguém quer ter o trabalho de localizar? Olá, Mother 3!

As fan translations trouxeram Mother 3, muitos Final Fantasy, a série Mana, Clock Tower, Policenauts, Tales of Vesperia, entre outros. Este trabalho, ou amor à camisola, não é recente e não vai a lado nenhum tão cedo. Já diz o outro que quando as necessidades não são satisfeitas, dá-se uma de MacGyver. Pode acontecer duas coisas: sim, senhora, os estúdios aceitam e dão uma palmada nas costas ou ficam mais salgados que um jogador de League. Parte da equipa de Mother 3 agradeceu a tradução (só esperamos que lancem na Switch, mas sem pressa…), a XSEED usou a tradução de Ys, Steins;Gate idem, as visual novels ganham a taça de mais fan translations no mercado. O trabalho está feito, é barato e acaba por dar milhões. Quando as comadres se chateiam e o projeto fica pelo caminho, perpetua-se a imagem que trabalho de fãs é igual a amador.

Ou podem fazer petições para trazerem os jogos. A Operation Rainfall foi bem sucedida e tivemos Xenoblade Chronicles, The Last Story e Pandora’s Tower.

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A dobragem é outro campo da tradução com algum zunzum. Os puristas da língua original digladiam-se com aqueles que preferem ouvir o blá blá na sua língua nativa. Pessoalmente, já ouvi dobragens que metiam a original num canto, mas isso sou eu que joguei GTA IV em castelhano para estudar. Aqui entre nós, confesso que não consigo jogar The Witcher em polaco, prefiro o meu Geralt a soar ao Doug Cockle. Ou a série Metro em russo.

Traduzir não é só passar palavras de uma língua para a outra. E aqui recupero a ideia da ponte, mas agora de culturas. É possível que o primeiro contacto de alguém com uma cultura diferente seja através dos jogos. Os livros de Murakami abriram-me as portas a um Japão melancólico, Hosseini deu-me a conhecer um Afeganistão diferente daquele que os media mostram. As séries Persona ou Yakuza são bons exemplos de exposição à cultura oriental. Com ou sem dobragem, há aquele cuidado de manter o véu do exótico – os maneirismos e honoríficos na fala, por exemplo. São jogos típicos e específicos a um público e os estúdios acham que não temos interesse por serem demasiado japoneses. Errado. Papamos isso tudo, desde os jogos de dança de Persona aos Yakuza Kenzan que ainda não saíram!

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            Posso não ter contribuído como gostaria, mas longe vai a época dos I feel asleep; This guy are sick; Shops where sailors might go e dos autocolantes colados à pressa nas caixas dos jogos. Vivemos num admirável mundo novo sem bloqueios de região; com caixas e manuais traduzidos; com Super Smash Bros. em português de Portugal e onde o Ricardo Carriço é Kratos. Isto aconteceu por causa dos e pelos jogadores que exigem mais paleio lusitano. E um obrigado a todos os tradutores invisíveis que surgem agora atrás de mim como os espíritos da Força no Episódio VI da Guerra das Estrelas. Vá, também aos maus tradutores porque sem eles eu não estaria aqui, portanto a winner is you!

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