Há duas maneiras de abordar Metal Gear Survive: pelo que é enquanto jogo e pelo contexto da bagagem que carrega. O problema é que este exercício é tão frustrante como a experiência de jogo, pois a linha que separa estes dois ângulos é muito ténue.
Quem cresceu nos anos 90, certamente que já ouviu falar num filme chamado Jurassic Park e quem faz da internet a sua vida já deve ter tropeçado em memes e citações da personagem de Jeff Goldblum como: “Your scientists were so preoccupied with whether or not they could, they didn’t stop to think if they should.” Esta podia ser a frase ideal para fazer um paralelismo entre o mindset dos executivos da Konami e o IP de Metal Gear.
Mas há na mesma cena outra citação, segundos antes, que é muito mais fixe que e reflete na perfeição a conceção deste jogo que: “it didn’t require any discipline to attain it. You read what others had done and you took the next step. You didn’t earn the knowledge for yourselves, so you don’t take any responsibility for it. You stood on the shoulders of geniuses to accomplish something as fast as you could, and before you even knew what you had, you patented it, and packaged it, and slapped it on a plastic lunchbox.”
Oh! Vejam só! Mas que coincidência (não são lunchboxes mas a ideia está cá):
Sabemos que não vamos contar nada de novo, que não se saiba já, sobre esta nova aventura na saga Metal Gear, mas quanto mais não seja, somos mais uns a partilhar da opinião geral de que Survive é um produto sem alma ou razão para existir.
Voltando à extensa citação, a personagem de Goldblum critica John Hammond pelo desrespeito da natureza e pelo aproveitamento dos avanços científicos para cumprir a sua missão.
O desejo de Hammond é mais “inocente” do que o objetivo da Konami, ele quer usar as capacidades e recursos que dispõe para trazer alegria ao mundo com um parque temático impossível. Mas é um contraste e um reflexo perfeito do cinismo de Metal Gear Survive, que pegou no Metal Gear Solid V, enquanto produto final e torceu-o e manipulou-o, mascarando-o em algo novo, quando efetivamente não o é.
Quase que dá para imaginar as sessões de brainstorming na sala de reuniões da Konami, onde os produtores se focam nos género mais badalados do momento com o intuito de transformar a famosa série, criada por Hideo Kojima, numa máquina de fazer dinheiro. A roleta foi lançada e caiu no género de sobrevivência. E aqui estamos nós.
Mas tudo bem. O potencial dos jogos de sobrevivência é grande e quando resultam são legitimamente interessantes, imersivos e podem oferecer imensas horas de diversão aos jogadores. Não é por acaso que as mecânicas de sobrevivência, crafting e gestão de recursos são cada vez mais usuais nos jogos.
Metal Gear Solid V não era perfeito e introduziu mecânicas duvidosas que, por muito que gostemos de Kojima, também ele é um megalómano (algo que se testemunhou com Keith Sunderland a tomar o lugar de David Hayter por uma questão de popularidade), não encaixaram completamente na alma da série. No entanto, existia uma visão, direção e alma. Survive não tem nada disso.
Se olharmos para a história, mesmo não sendo cânone, não tem ponta por onde se lhe pegue. O setup é difícil de levar a sério, a execução entediante. Para quem não viu nada de Metal Gear Survive, muito resumidamente o que acontece é: abre-se um portal por cima da Mother Base depois desta ser atacada em Ground Zeroes. A nossa personagem é levada para outra dimensão e regressa infetada. E por “razões”, assim com muitas aspas, a mesma personagem tem de regressar ao outro lado para se livrar da infeção e salvar o mundo. E depois zombies aparecem e um deserto também, dois elementos que encaixam perfeitamente nas ultimas tendências.
Mais uma vez, o que não faltam são bons exemplos de jogos com zombies em mundo aberto. Só que, mesmo com metade da cabeça partida, mostram sinais de inteligência. Talvez Survive esteja a tentar fazer alguma piada sem punchline, pois estes zombies são burro para caraças.
Isto reflete-se num loop cansativo de criar barreiras, esperar que se aproximem todos, dar com o pau, apanhar recursos e o ciclo continua.

Há obviamente muitas maneiras de jogar com armas de longo alcance, que se podem criar, e podemos usar os Walker Gears para navegar porções do mapa, jogar com amigos em sessões de defesa de perímetro, etc. O problema é que, por mais elementos extra que vamos encontrando pelo jogo, apenas o aborrecimento subsiste. Por mais que façamos, tudo acaba por cansar.
Metal Gear Survive não é propriamente um jogo bonito, não permite a panóplia de estratégias diferentes para cumprir uma missão que encontrávamos no jogo anterior e está minado de microtransações estrategicamente implementadas para limitar o progresso do jogador e aliciá-lo a comprar pacotes de tempo (ou lá o que aquilo é).
Falar, e nesta altura até ler, sobre Metal Gear Survive é tão frustrante como jogá-lo. Irrita olhar para esta série e ver como a Konami a está a tratar. Irrita que tiveram os tomates de dar o passo em frente em lançar este produto. E irrita verificar que não se deram ao trabalho de fazer algo minimamente interessante.
Metal Gear assim não sobrevive.

O código para análise (PC) foi cedido pela Ecoplay.