Sou jogador desde muito novo. Comecei o meu percurso no início dos anos 90 com uma cópia da NES, muito antes de saber o que estava a jogar. Lembro-me de nunca ter pedido uma consola até àquele Natal, mas foi o princípio de tudo. Seguiram-se várias consolas até hoje, onde me vejo a jogar PS4. E apesar deste amor pelos videojogos, existiu sempre uma sombra sobre os meus ombros que influenciou a minha caminhada: nunca tive um computador para videojogos.
Decidi começar a minha análise de Victor Vran com esta caminhada não porque precisei de exorcizar os meus demónios, mas porque me sinto completo. Depois de várias gerações, começo a receber os lançamentos que tanto ambicionei e que tanto me escaparam. As consolas estão mais poderosas e preparadas para receber títulos que se assumiram como exclusivos PC, algo que, durante anos, nunca viria a mudar. E ainda bem, até porque continuo com um computador incapaz de correr jogos.
Victor Vran, da Haemimont Games, é um dos títulos que me escapou até agora. Este RPG de ação esteve sempre no meu radar devido ao seu mundo e ao foco num sistema de combate mais versátil e frenético. É o tipo de jogo que via ao longe e sem esperanças enquanto olhava para o meu computador desatualizado e acabado. Mas agora, passaram-se horas desde que o comecei a jogar. O mundo às vezes é bonito.
Apesar de lhe faltar a profundidade de Diablo ou de Path of Exile, o título da Haemimont Games dá-nos uma experiência incrivelmente coesa. A ação mantém-se isométrica, mas assume um tom mais cómico e descontraído que complementa a própria jogabilidade. Victor Vran não tem quaisquer problemas em demonstrar as suas fontes de inspiração e usa-as com todo o orgulho, deixando espaço para algumas inovações e para criar a sua própria personalidade dentro do género.
O mundo encontra-se dividido por várias zonas, todas elas com segredos para descobrir e desafios para completar. A estrutura foca-se muito mais numa experiência de arcada, com a campanha a seguir uma progressão mais linear e com um ritmo que nos transporta constantemente para novos cenários – que não escapam aos tradicionais clichés do género, como cidades de influência europeia, florestas, pântanos e catacumbas.

Não estamos perante um título muito original no que toca à construção do seu ambiente ou até da sua narrativa, mas existe aqui um certo carinho que conseguimos facilmente delinear. A leveza da história é ótima para continuarmos a explorar os cenários e a lutar contra a horda de monstros, mas devo admitir que senti falta desta variedade durante as últimas horas da campanha. Apesar de termos vários níveis disponíveis, muitos deles encontram-se ligados a outros que já encontrámos previamente. Não é grave, até porque podemos selecionar qualquer nível diretamente através da base principal, mas demonstra uma certa falta de imaginação.
Com um mundo coeso, ainda que simplificado e um pouco mais linear, Victor Vran aposta num sistema de combate mais fluído e intuitivo. Não foge novamente aos clichés do género, mas é versátil o suficiente para nos deixar agarrados do princípio ao fim. Como seria de esperar, Victor pode saltar, correr e desviar-se dos ataques, utilizar várias armas e habilidades especiais. A Haemimont Games não quis alterar por completo a fórmula, mas sim dar-lhe uma fluidez que raramente vemos neste género. E nesse ponto, Victor Vran destaca-se.
Quando digo que não se trata de um jogo tão profundo, quero dizer que não foi pensado para ter uma longevidade tão acentuada. Ao contrário de Diablo III, Victor Vran não nos pede para o completarmos várias vezes e não nos exige a procura de novos equipamentos para continuarmos em frente. A experiência é mais linear, mas tenta dar algo diferente aos jogadores através da estrutura dos níveis e do sistema de desafios. E como se trata de uma campanha tão coesa, chegamos ao fim completamente satisfeitos e sem necessitarmos de recomeçar por sentirmos que ficou algo por ver.

Mas mesmo sem esta aposta nos conteúdos pós-campanha, Victor Vran coloca-nos no centro da ação. Podemos utilizar duas armas, que podemos alternar em tempo real, e temos acesso a um armamento bastante completo, que inclui espadas, foices, espingardas, granadas e martelos, entre outros. As armas estão divididas por classes, tal como já viram noutros jogos, e é possível combiná-las, através de transmutação, para criar versões mais poderosas.
Cada arma é acompanhada por habilidades especiais fixas e imutáveis que oferecem um grande número de possibilidades quando combinadas. A maioria pode ser dividida por ataques de área e por habilidades de suporte, procurando dar-nos um leque eficaz de táticas para qualquer situação. As habilidades não são visualmente impressionantes, mas são essenciais e é muito fácil encontrar a nossa combinação preferida.
A estas habilidades juntam-se os poderes demoníacos, ataques mais abrangentes que adicionam uma nova camada ao sistema de combate. Tal como as armas, podemos equipar dois poderes em simultâneo e utilizá-los durante as batalhas, ainda que a sua utilização esteja limitada à barra de Overdrive. Para a enchermos, teremos de matar inimigos e mantermo-nos em combate, uma mecânica que nos dá um ritmo mais frenético durante qualquer encontro contra os tradicionais monstros.

Estes poderes podem também ser transmutados e melhorados ao longo da campanha, e assumem a forma de terramotos, bumerangues gigantesco, raios solares e até habilidades mais defensivas, como um escudo e a possibilidade de nos teletransportarmos para um ponto de vantagem. Apesar da sua linearidade, existem opções suficientes para deixarem qualquer fã do género satisfeito do principio ao fim, e com a crescente dificuldade da campanha, será absolutamente necessário dominar todas estas mecânicas.
Victor Vran é acompanhado por vários níveis de dificuldade, mas dá-nos a possibilidade de personalizarmos a campanha ao nosso gosto. Através da utilização de Hexes, podemos influenciar diretamente a dificuldade do jogo ao alterarmos as regras, permitindo-nos dar uma maior força aos nossos inimigos e impor entraves à nossa própria progressão. No total, temos 5 Hexes que podemos ativar e posso garantir-vos que influenciam verdadeiramente a dificuldade do jogo – e digo isto após ter jogado a maioria da campanha com estes entraves. Os inimigos ficam mais fortes e capazes de se transformarem em versões mais poderosas, que aqui são identificadas pela categoria “Champion”, Victor pode perder energia constantemente e a nossa barra de Overkill pode ser alterada consoante o número de monstros. Há muito para experimentar.
No entanto, não existem surpresas a nível visual. Nota-se que é um jogo de 2015, não o esconde em nenhum momento. A passagem para as consolas foi suave e a sua performance não sofreu com a mudança de plataforma, mantendo sempre um framerate estável e evitando quaisquer falhas e bugs mais visíveis. Os cenários pecam pela falta de cor e os inimigos nunca vão para além dos esqueletos, vampiros e zombies, algo que nos deixou a querer mais. Mas no final do dia, nenhum destes elementos negativos nos afastou de Victor Vran.

A Haemimont Games não se acanhou nesta estreia nas consolas e deu-nos um jogo bastante completo. Para além das mecânicas já identificadas, destaco ainda a possibilidade de alterarmos a armadura de Victor, a presença das duas expansões – Mötorhead: Through the Ages e Fractured Worlds – na Overkill Edition, e ainda de um modo cooperativo e outro competitivo. É um pacote bastante completo, tanto a solo como a dois.
Victor Vran não irá mudar a vossa opinião sobre o género, mas se adoram um bom RPG de ação com visão isométrica, esta é uma excelente opção, seja no computador ou nas consolas. A conversão não deixa quaisquer dúvidas em relação ao cuidado da Haemimont Games e até o interface se adaptou bem aos comandos das plataformas, algo que me surpreendeu. No fundo, é um jogo que quer apenas divertir os jogadores e dar-lhes uma campanha desafiante com inúmeras opções e algum foco na personalização. E para mim, que sempre me quis aventurar por este género e conhecer melhor estes antigos exclusivos de PC, é um pequeno sonho concretizado.

O código para análise (PS4) foi cedido pela Haemimont Games.