A promessa de um videojogo assente nas consequências das ações dos jogadores é aliciante. Como poderemos influenciar o mundo do jogo e transformá-lo à medida que avançamos e fazemos as nossas escolhas? Esta é a questão que Uncanny Valley, da Cowardly Creations, tenta responder ao proporcionar-nos uma narrativa focada neste sentimento de repercussão. Todas as escolhas e ações influenciam a história e o final que recebemos. Mas será que funciona tal como prometido? Sim e não.
Vamos por pontos. Uncanny Valley é um jogo de aventura e sobrevivência em 2D, semelhante a Lone Survivor e Claire. Como Tom, o novo segurança, teremos de explorar as instalações abandonadas de Melior, onde se realizavam testes na área da robótica, e descobrir os motivos que levaram encerramento. Para tal, será necessário conhecer o local, recolher itens e fazer as escolhas certas.
A partir do momento em que conhecem Buck, o segurança do turno diurno, no exterior da estação de comboios, todas as escolhas serão importantes. Devem apanhar aquele item ou sair da sala durante um determinado trecho de história? Ou devem fugir e arriscar passar por um dos inimigos ou ficarem feridos até ao final do jogo? Sejam escolhas mais diretas ou outras menos intuitivas, ficarão com a sensação que todos os minutos contam e que qualquer ação poderá determinar o final prematuro da aventura.
Durante um primeiro contacto, esta aposta de Uncanny Valley é surpreendente. Todas as ações têm – mesmo – uma repercussão palpável e é possível encontrar um dos finais, bom ou mau, a qualquer momento. A performance e saúde da personagem são também afetados pelas vossas escolhas e poderão atingir um ponto sem retorno onde é impossível realizar a ação mais básica devido aos ferimentos de Tom. E isto impossibilita-vos de encontrar novos momentos narrativos ou conquistar o verdadeiro final.
Esta é a grande aposta de Uncanny Valley, este sentimento de perigo constante e de risco que vos acompanhará do princípio ao fim. Chegarão a um ponto em que vão ponderar todas as ações antes de se comprometerem e tentar prever todas as situações que encontram no decorrer da campanha. As vossas ações também irão determinar a relação que têm com as duas personagens mais próximas, Buck e Eve, esta última a governanta do bloco de apartamentos.
Como um jogo de aventuras, Uncanny Valley leva-vos a explorar o enorme edifício e os apartamentos onde Tom e as restantes personagens residem em busca de pistas. As mecânicas são intuitivas e fáceis de utilizar, e a exploração fica ao critério e ao ritmo dos jogadores. Isto porque a exploração está confinada aos turnos noturnos de Tom, o que significa que têm 7 minutos, por cada noite, para explorar as secções do edifício e perceber o que se esconde nas sombras. No entanto, podem sempre continuar a explorar e ver o que acontece se nunca descansarem corretamente ou respeitar o vosso horário e nunca sair da receção do edifício – escolhas e mais escolhas!
Existe um leque interessante de itens para encontrar, e ainda alguns colecionáveis, que podem influenciar o final do jogo. Uncanny Valley não especifica onde e quando utilizar cada um dos itens, e cabe aos jogadores perceber a sua funcionalidade e lugar na história.
Mas não se preocupem, não vão encontrar tudo à primeira. Isto porque Uncanny Valley está construído para ser terminado várias vezes. A única forma de desbloquear completamente a história e encontrar todos os cenários possíveis reside neste constante para/arranca/recomeça da campanha. Esta aposta é apresentada durante o início o jogo, assim como as repercussões das vossas escolhas, e assume-se como um dos pontos de destaque do jogo da Cowardly Creations.
Até à segunda metade do jogo, Uncanny Valley é um título de aventuras competente. Nada surpreendente ou capaz de elevar o género a um novo patamar, mas sim competente e funcional. Mas quando chegamos aos elementos de sobrevivência, as coisas complicam-se. E complicam-se porque começamos a ver Uncanny Valley por aquilo que realmente é: promessas.
A história, por mais que a tentem vender da melhor forma, é previsível. Se compreendem o significado do título, vão perceber rapidamente o grande twist da história – é assim tão de caras. Talvez a narrativa tenha sido relegada para segundo lugar para dar espaço às escolhas dos jogadores, nomeadamente à busca de informações através dos vários computadores espalhados pelo edifício abandonado, mas surge apenas como banal, sem sabor ou impacto. E se a história não tem qualquer impacto, de que valem as nossas ações?
Uma coisa é certa, as escolhas funcionam. Todas as ações têm uma repercussão visível e considerável na campanha – mesmo que falhem um objetivo, a ação continua. No entanto, a simplicidade da jogabilidade não acompanha a estrutura do jogo e cria uma dissonância entre as ações dos jogadores e a falta de direção na campanha. É fácil não compreender o que têm à vossa volta e fazer a escolha errada – o que vos levará a recomeçar a história do início – do que a encontrar a solução correta. E como temos um foco tão presente nesta liberdade de escolhas, a campanha transforma-se rapidamente num processo exaustivo de tentativa e erro.
Para piorar, algumas escolhas, como a fuga através de carro, nem fazem sentido dentro da própria história e só servem para despoletar a segunda (e inferior) parte do jogo. Apesar de existir uma tentativa de dar força às decisões dos jogadores, o jogo acaba por cometer erros ao forçar uma mudança narrativa e ao quebrar a sua própria estrutura com escolhas absurdas e irreais.
E como um título de terror e sobrevivência, Uncanny Valley não é nenhum Lone Survivor. E a comparação é válida, não só pelo design 2D e utilização de arte pixelizada, mas pelo sentimento de sobrevivência que os dois tentam captar. Se o jogo de Jasper Byrne consegue equilibrar a ação e o horror psicológico na sua campanha, Uncanny Valley traz frustração ao não conseguir decidir se é um título de aventuras ou um híbrido de terror.
Para uma jogabilidade tão simplista – corram numa linha direita, encontrem itens e disparem quando for necessário -, a ação de Uncanny Valley nunca evolui. E esta falta de variedade é agravada pela constante necessidade de recomeço que a campanha força nos jogadores. O primeiro acto, que se assume como a melhor parte do jogo, perde a sua aura de mistério ao obrigar a repetição das mesmas ações sem adicionar variações visíveis – só terão acesso às repercussões das escolhas na segunda parte.
Existem vários finais para encontrar, mas não esperem grandes surpresas. Com uma duração média de uma hora e meia, Uncanny Valley foca-se demasiado nas mecânicas de escolha e repetição sem adicionar nada verdadeiramente necessário ao género. E com o regresso exaustivo ao início da campanha, o primeiro acto – que se assume como a maior parte do jogo – acaba por perder o seu impacto ao não adicionar variações suficientes para justificar esta repetição. Neste ponto, faz-nos pensar em Slyvio e na sua aposta ineficaz na captação de EVP.
Tudo indicava que Uncanny Valley era um mistério que merecia ser resolvido. Durante os primeiros minutos fomos tecendo teorias à medida que líamos os e-mails, explorávamos o edifício e percebíamos o que tínhamos à nossa volta – até que a história seguiu um twist que deitou tudo por terra. É uma pena, mas Uncanny Valley não é mais que um jogo de terror medíocre com uma mecânica interessante. E é assim.

O código para análise (PS4) foi cedido pela Digerati.